sábado, 20 de agosto de 2011

A lenda da Herdade de Cachopo e a Herdade da Alcaria Alta da Serra





Escreve


Gonçalo Roiz Vilão


[Alcaria Alta da Serra]

“Ora conta-se sobre a herdade de Cachopo (actualmente é uma aldeia, uma freguesia do concelho de Tavira), que existia lá uma grande porção de terra que não tinha (aparentemente não tinha) dono. E que durante a guerra liberal entre D. Miguel e D. Pedro, essa terra foi dividida pela população, e consta que foi D. Miguel após ter pernoitado nessa aldeia que cavalgou no seu cavalo e onde cavalgou, marcou os terrenos que eram para ser divididos pelas pessoas, ou seja, constitui assim a chamada herdade de Cachopo, que ainda hoje existe e que tem associada esta lenda. Essa herdade de Cachopo hoje em dia está toda dividida, foi ao longo de cento e vinte, cento e trinta anos dividida após esta data, após a revolução liberal mais ou menos por volta de 1834 e foi ao longo depois de cento e vinte, cento e trinta anos dividida pelas pessoas, conforme o que havia sido estabelecido pelo rei.”

Esta lenda encontra-se registada n AA. VV., Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas), Faro, recolhida no ano de 2006 sendo a sua colectora Ana Raquel Silva junto do informante Marco António Barão , de Estoi no Concelho de Faro, é contada de forma similar também na Zona de Cachopo por diversos habitantes. Assim proponho uma rápida viagem aos factos históricos que poderão explicar a sua origem:
As Ordenanças foram regulamentadas no ano de 1570 e persistiram até meados do século XIX, mais concretamente até ao ano de 1835, em que foram extintas. A freguesia de Cachopo até esta época era parte integrante do concelho de Alcoutim sendo uma das freguesias do mesmo. A capitania -mor do concelho tinha a sua sede na Vila e, durante estes séculos, partilharam o poder diversas famílias por todo o termo de Alcoutim na qualidade de capitães, alferes e sargentos de ordenanças: os Vilão, Os Henriques, os Martins Mangas, Os Aragão, os Brito Magro, os Rodrigues, Rodrigues Cavaco, os Teixeira e os Rodrigues Teixeira, os Mestre Guerreiro, os Gomes Delgado, os Afonso Mestre, os Costa Afonso, os Fernandes…



As ligações e os casamentos entre estas famílias eram a forma de consolidar o poder, o prestígio, o dinheiro e sobretudo as terras.

Assim no início do século XVIII, o capitão Baltazar Sueyro Vilão, casado com Catarina Mestra e residentes nos Vicentes do Pereiro, iniciaram com o casamento de sua filha, Catarina Mestra Vilão, com o capitão João Rodrigues Cavaco da Alcaria Alta da Serra, uma linha de uniões entre os Palma Vilão e os Rodrigues que perdurou até aos anos sessenta do século XX. No período quente das guerras entre liberais e absolutistas, Alcaria Alta da Serra veio a ser ocupada por grupos de guerrilhas, tomando a família Rodrigues como refém. Hoje, neste local, pode-se ainda visitar o que os actuais donos chamam “do Fortim dos Guerrilhas”. Catarina Bárbara Rodrigues, minha quarta avó, teria cerca de vinte anos quando viveu estes acontecimentos. Veio a casar com Manuel da Palma Vilão, da freguesia de Giões, persistindo até hoje muitas histórias orais destes acontecimentos na família.



Voltemos à lenda de Cachopo e ao seu cruzamento com a realidade: Os Rodrigues Cavaco, que no século XIX deixaram de utilizar o apelido Cavaco, possuíam uma das maiores herdades do Concelho de Alcoutim com cerca de três mil hectares, reduzindo-se hoje a mil hectares devido a continuas partilhas pelos herdeiros. A propriedade estendia-se para oeste, de Cachopo à Feiteira, para este, até às Casas Baixas e Vale D`Odre e para Sul confinava com a Ribeira de Odeleite. A sede da mesma era o monte da Alcaria Alta onde só residiu a família Rodrigues até à morte de D. Rita Rodrigues, que faleceu sem filhos. No início do século passado, o seu marido Rafael voltou a casar e passou a propriedade para seus descendentes.

Comprova-se com a existência de uma carta de emprazamento sobre a Herdade da Alcaria Alta passada a Baltazar Rodrigues Cavaco pela Rainha D. Maria , datada de 1780, referindo-se a mesma carta a uma outra datada de 1700 a favor de do Capitão João Rodrigues Cavaco, seu avô , também do monte da Alcaria Alta da Freguesia de Cachopo.

A existência da Herdade da Alcaria Alta, como pertencente à casa da Infantado, conforme se prova no documento da qual se anexa cópia do original, bem como as diferentes histórias/lendas sobre os guerrilhas que se contam sobre este local e a referida família,, tal como a justificação da posse de tão grande quantidade de terras da extinta Casa do Infantado, justificam e corroboram a lenda acima descrita.