terça-feira, 28 de abril de 2009

Quando o perigo nuclear esteve para se instalar em Alcoutim


[Alcoutim, o Guadiana e Sanlúcar do Guadiana, 1991. Foto JV]


Pequena Nota

Só foi possível escrever este pequeno artigo, que o blogue vai publicar na sua rubrica Ecos da Imprensa, devido à amabilidade que um Amigo alcoutenejo teve de me oferecer documentação importante que chegou às suas mãos, dizendo que devido àquilo que eu já tinha escrito sobre Alcoutim, ficaria muito bem nas minhas mãos. A opinião é dele. Passou-se isto em fins dos anos oitenta do século passado e como não podia deixar de ser a documentação é mantida com todo o cuidado estando em vias de encadernação.

Este amigo, desde há muito que quando encontra alguma coisa que considera de interesse sobre Alcoutim tem o cuidado de me o informar, indicando a obra e muitas vezes tira fotocópias que me envia.

Certamente poucos alcoutenejos leram o artigo e a maioria não teve conhecimento da sua saída, segundo penso.

Vim mais tarde a encontrá-lo referido na Internet como um Artigo importante sobre o Algarve.
Mais recentemente, o meu Amigo, Dr. Mariano Calado, cita-o no seu interessante trabalho” A Maldição das Bruxas de Ferrel”, Edições Sempre-em-Pé, 2006.


Possivelmente muitos dos meus visitantes leitores desconheciam este assunto


(Jornal Escrito,Nº 19, de Fevereiro de 2000, p. I, encarte do Postal do Algarve de 24.02.2000)

Se existem assuntos menos conhecidos ou mesmo desconhecidos dos alcoutenejos, este será um deles, ainda que seja dos nossos dias.

A falta de divulgação pelo seu melindre e por outro lado a falta de conhecimento sobre tal assunto, para isso teriam contribuído.

Tentaremos hoje dar a conhecer em linhas gerais e a tosco modo o estudo realizado sobre a possibilidade de instalação de uma central nuclear junto do Guadiana.

Os governos de Portugal e de Espanha acordaram em 1964 mandar realizar um estudo para a instalação de uma central nuclear que servisse os dois países.

Por lhes ser comum, escolheram o último troço do Guadiana.

O trabalho foi entregue a duas empresas, uma de cada país e foi concluído em meados de 1967. Nesta altura tinha eu chegado a Alcoutim e ainda ouvi uns rumores sobre o assunto, mas não passou disso.

Tanto de uma margem, como da outra, foram inicialmente considerados vários sítios com condições aparentemente favoráveis, tomando em consideração só o factor topográfico. Outros, contudo, tinham peso importante como os que concerne à geologia e hidrografia.

Analisados estes dois últimos factores, optou-se pelo sítio da Várzea do Alcaçarinho, no que respeita a Portugal e pela Bárcia Redonda, em relação ao país vizinho.

[Bárcia Redonda - Espanha]


A Várzea do Alcaçarinho (alcácer em árabe significa castelo) bem conhecida dos alcoutenejos, situa-se a cerca de 2,5 km de Alcoutim e a 25 de Vila Real de Santo António. Trata-se de uma plataforma quaternária de xistos e grauvaques com uma área de 13 ha aproximadamente, sendo possível, sobre estas rochas, a fundação directa de todas as estruturas de uma central nuclear, qualquer que seja o seu tipo.


[Várzea do Alcaçarinho-Portugal]


Concluíram os técnicos pela viabilidade económica da instalação duma central nuclear de grande potência, da ordem de 500 a 600 MW, a entrar em actividade em 1975/76.

A repartição da potência seria dividida pelos dois países em partes iguais e no estudo não se pretendeu estabelecer qualquer premissa de propriedade mista, designadamente por motivos de ordem política internacional. Daí a apresentação de duas hipóteses, uma em cada país mas de realização comum.

Prevendo-se que não se realize a central com carácter de fornecimento de energia para os dois países, entendem os técnicos portugueses que deve ser encarada a hipótese de uma só para o nosso país mas de 300 MW e após estudo feito nesse sentido, já que o local é tecnicamente considerado excelente. Além dos factores positivos indicados, tomava-se em consideração a água, o isolamento e a fraquíssima densidade populacional.

Pensa-se na altura não ser fácil encontrar melhor local do que este.

Na zona, a agricultura, a pecuária e a pesca revestem-se de muito pequena importância, o que também é de considerar.

Prevê-se a utilização do rio para o transporte de peças grandes e pesadas, depois de efectuadas as obras indispensáveis para a descarga.

A mão-de-obra para a realização do empreendimento é calculada entre 1500 e 2000 homens havendo necessidade de recorrer a pessoal de fora da região e à construção de alojamentos O seu funcionamento criaria cento e cinquenta postos de trabalho.

É também afirmado que o sítio possui boas características do ponto de vista de segurança nuclear, visto que a zona, eventualmente afectada, é pouco povoada e de insignificante actividade humana.

Feita uma análise preliminar dos riscos de contaminação radioactiva do rio pelos efluentes líquidos da central, chegou-se à conclusão que é de excluir a possibilidade de contaminação em níveis perigosos.


[Pôr do Sol no Guadiana, 1988. Foto JV]

O perigo para as populações vizinhas resultante de um acidente nuclear, deve-se essencialmente à libertação de produtos de cisão que finamente divididos se comportam como aerossóis difundindo-se na atmosfera e podendo contaminar extensas áreas, com consequências mais ou menos graves em função de factores tais como a meteorologia, climatologia e microclimatologia do sítio e da demografia e bens materiais existentes nas áreas atingidas, razão porque lhe chamam factores específicos de segurança nuclear.

Desconhecemos as razões que evitaram a sua realização, apesar do relatório ser francamente favorável. Teria havido atraso na sua iniciação? Após 74 já não era possível.

O que seria hoje Alcoutim com uma central nuclear a 2,5 km? Não uma vila de Paz e de Sossego, onde é possível descansar e a poluição quase não chega. O que seria o Guadiana? Se agora já pouco peixe aparece, com a central até a hortelã da ribeira desaparecia!

Alcoutim passaria a ser um INFERNO.

Fazemos votos para que a hipótese nunca mais seja sequer, levantada.