domingo, 5 de abril de 2009

A queijeira


Nunca vi até hoje, a não ser no concelho de Alcoutim e limítrofes peças utilitárias deste tipo e quando a vi pela primeira vez, perguntei o que era aquilo, como se chamava e para que servia.

O meu interlocutor, com um sorriso de admiração possivelmente pela pergunta formulada, pensando que aquele artefacto fosse conhecido e utilizado em todo o país, respondeu-me com toda a naturalidade que era uma queijeira e que servia para fazer vinho e azeite.

Fiquei confuso e vou tentar explicar porquê.
Chamando-se queijeira, serviria no meu raciocínio para fazer queijo, no Ribatejo e nas Beiras, que eu soubesse, o vinho e o azeite faziam-se em lagares de tipos diferentes.

- Mas se não se fazem queijos, já se teriam feito em tempos recuados.
- Não senhor, aqui isso nunca aconteceu que eu me lembre!

Pus a questão a outras pessoas e a resposta foi sempre a mesma e a minha confusão continuava.

Em dois artigos que publiquei no Magazine do Jornal do Algarve, englobados em Coisas Alcoutenejas e sob o título “O vinho caseiro” (31 de Março de 1994) e “A oliveira na economia concelhia (30 de Abril de 1994) procurei explicar as razões que mais tarde encontrei para justificar esta designação e sua utilização, o que agora não vou repetir.

Procurando um tabuão largo e grosso, moldavam-no no sentido de ter uma parte mais estreita a terminar numa espécie de bico.

Procediam depois à remoção da parte central que procuravam endireitar deixando um rebordo de dois ou três dedos de largura e uma profundidade de três/quatro dedos. O escavar da madeira afunilava originando um rego de cerca de dois dedos de largura. Esta peça resistente e maciça leva três pés, dois equidistantes do “bico” e próximos dele e um terceiro, na parte mais afastada, ao centro e que tem a característica de ser mais alto do que os outros dois.

Eram troncos previamente escolhidos pelo formato e qualidade da madeira, normalmente chaparro ou zambujeiro que depois de adelgaçados numa das extremidades eram embutidos na parte inferior da queijeira propriamente dita.

Tal como outras peças que já referimos neste tema, confeccionavam-se localmente e era impossível encontrar duas iguais, como se compreende.

Não eram muito vulgares e iam passando de geração em geração já que se tratava de peças muito resistentes, como a função que desempenhavam requeria.

Para o fabrico do vinho, os cachos eram colocados dentro de um talego de pano poroso e que o homem ia espremendo até sair o máximo de mosto possível. O que ficava, o engaço, a grainha e o folhelho, era removido.

Devido à inclinação do artefacto, o líquido ia correndo, saindo pelo bico para um alguidar, então de barro.

A mesma queijeira servia para o fabrico do azeite pelo mesmo processo, com a diferença que a azeitona depois de salgada era esmagada com um maço de madeira e depois de metida no talego era bem escaldada para possibilitar a saída do óleo que corria juntamente com a água para um alguidar de barro que na parte lateral, junto ao fundo tinha um pequeno orifício que se tapava com um pauzinho de esteva afiado. Como se sabe, o azeite é mais leve do que a água e por isso vem ao de cimo. Como a água fica no fundo, vai-se afrouxando o pauzinho de esteva e ela (água-ruça) vai saindo. Por outro lado, através de uma vieira vai-se recolhendo à superfície o azeite.

Nem todas as casas tinham uma queijeira, que não era fácil de arranjar. Valia na circunstância a cedência feita por quem as tinha, depois do seu governo.

Primeiro foi o desaparecimento em meados do século passado da feitura do azeite, devido à existência de alguns lagares e ao comércio da azeitona que a abertura de estradas possibilitou, depois foi o vinho, começando as queijeiras a serem substituídas por prensa.

Hoje as queijeiras existentes, quando não queimadas, constituem peças de museu.
Consegui salvar uma de ser queimada e que é capaz de ter mais de cem anos!

O Dicionário do Falar Algarvio, de Eduardo Brazão Gonçalves, 1996, não a refere.