[A Capela de Nª Sª da Oliveira em 2009. Foto JV]
Para título optámos pelo da invocação, ainda que pudéssemos ter preferido o de Nª Sª de Clarines como o fez o escrivão Simão Álvares na “Visitação da Ordem de Santiago” que teve lugar nos primeiros dias de Janeiro de 1566. Os visitadores eram D. Rodrigo de Meneses, fidalgo da Casa Real e Comendador da Vila de Cacela e da Igreja do Salvador, da Vila de Santarém e João Fernandes Barregão, Prior da Igreja de Nª Sª da Castelo, da Vila de Alcácer do Sal.
A descrição do pequeno templo é feita nos seguintes termos:
Visitámos a hermida de Nosa Senhora de Clarines a qual he huma soo casa pequena; as paredes são de pedra e barro desguarnecidas, de madeira (-) da d`aguieiros, telhada de telha vãa de duas agoas; tem hum altar pequeno d`alvenaria cuberto com huns manténs e nelle huma imagem de Nosa Senhora de vulto muito velha.
O portal he d`alvenaria redondo com suas portas fechadas. Esta hermida he muito antiga e repaira se a conta de pessoas devotas. Tem hum çeo de quortinas de pano da terre sobre o altar. (1)
Como se vê, já nesta altura, era considerada muito antiga.
Nª Sª da Oliveira é um culto divulgado por D. Afonso Henriques e mais tarde “ultrapassado” pelo de Nª Sª da Conceição, com o seu “solar” no Alentejo e por intermédio de D. João IV.
Nª Sª de Clarines naturalmente por se situar nesta povoação.
Contra o que é habitual, situa-se numa baixa, entre os dois pólos da povoação que se encontram em posição mais elevada.
[Elementos do templo visigótico]
A povoação, segundo alguns autores, poderá ter origem romana e talvez mais antiga, tendo-se desenvolvido a partir da Idade Média, à volta de um edifício religioso do período visigótico que se situaria nas proximidades da actual capela. (2)
Para as paredes da actual capela foram “aproveitadas” algumas dessas peças de calcário que constituíram elementos decorativos desse templo. (3)
[Monte de Clarines, recanto típico. Foto JV, 1994]
As Memórias Paroquiais de 1758 igualmente a referem na resposta ao quesito 13.
Respondeu assim o pároco da freguesia: (...) Tem outra hermida distante meya legoa do lugar que he de Nossa Senhora de Clarines chamada assim do nome do sitio ou Aldeya em que está, e dizem que a Senhora aparecera em huma oliveyra que ali está junto da ditta Hermida e que a levaram, mas não se sabe de certo para a honde, e alguns dizem que para a Corte de Lisboa, e que hé a que lá se venera com o titulo de Senhora da Oliveyra e na ditta Hermida collocarão a Imagem de Nossa Senhora que hoje ali se venera, e a oliveyra tem em o tronco huma concavidade à maneyra de nincho em que metem a cabeça as pessoas que ali vam e por terem dor de cabeça se prometem vir vizitar a Senhora e pella fé que nella tiraram pedaços do tal tronco e os levão como relíquias de sorte que senão vê já mais do que metade da concavidade ao comprido. Estas duas Hermidas (S.Domingos e Nª Sª de Clarines) pertencem a Parochia e ao Senhor Ordinario.
Quando se pergunta “Se acode a elas romagem, sempre, ou em alguns dias do anno, e quaes são estes?”, o pároco respondeu nos seguintes termos:
[Capela de Nª Sª da Oliveira. Foto JV, 1994]
Em alguns dias acodem em romagem á Hermida do Senhor Sam Domingos algumas pessoas (...) e á Hermida da Senhora de Clarines também acodem em alguns dias romagens e principalmente na primeyra Outava da Paschoa da Resureysão, dia em que lá se fás festa á mesma Senhora e a esta se prometem as pessoas que padecem dor de cabeça.
Os priores de Martim Longo achavam-se na posse “immemorial” de receberem e utilizarem (...) e ofertas pertencentes às ermidas da Senhora da Oliveira do monte de Clarines e de São Bento de Alcaria Queimada. (4)
Era uma prática corrente nos “montes” mais populosos do concelho de Alcoutim, nomeadamente nos que possuíam capelas, realizarem-se novenas com a intenção de implorar aos santos protectores o aparecimento das chuvas para proporcionar melhores colheitas e evitar a fome. Aqui também era assim, o que aconteceu até cerca de meados do século passado.
Por exemplo no “monte” de Afonso Vicente recorria-se muito a essa prática percorrendo a povoação numa espécie de procissão, com paragens em locais que ficavam na direcção dos templos, implorando a São Marcos, depois a S. Martinho, a Nª Sª da Conceição, terminando com Santa Marta, a mais próxima.
Por volta dos anos cinquenta dos nossos dias, a capela estava completamente em ruína e a imagem da padroeira recolhida na igreja matriz e colocada no altar das Almas, junto de Nossa Senhora das Neves. (5)
A ideia do restauro foi sempre uma constante, mas foi-se protelando até que se constituiu localmente uma comissão, que com a colaboração importante da Câmara Municipal se conseguiu o restauro, o que muito dignifica os clarinenses, procedendo-se a abertura ao culto no dia 6 de Agosto de 1989, após o regresso da imagem de Nª Sª. da Oliveira que foi restaurada na cidade de Beja.
Em fins da década de sessenta rebolava numa gaveta de secretária da autarquia uma planta do restauro da capela que pensamos se terá perdido e da qual desconhecemos a origem.
[A porta de arco de volta inteira. Foto JV, 1994]
Ainda que só a tenhamos visto exteriormente, parece-nos que o seu restauro procurou manter a traça primitiva e a descrição de 1566 ainda identifica de certo modo, hoje, a capela de Clarines.
O portal, de arco de volta inteira, é possivelmente o mesmo e até existe uma oliveira, já não muito nova mas sem buraco no tronco!
NOTAS
(1) – “Visitações” da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio (Subsídios para o estudo da História da Arte no Algarve), Hugo Cavaco, Vila Real de Santo António, MCMLXXXVII. P. 332.
(2) – “O Algarve Oriental durante a ocupação islâmica”, Helena Catarino, in al -`ulyã
- Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, nº 6, de 1997/98, p. 182.
(3) – Idem, ibidem, p.183
(4) - Da certidão que passou o Ver. Prior da Igreja de São Sebastião de Boliqueime, termo de Loulé, Francisco José de Barros, 11 de Julho de 1791.
(5) – Informação prestada localmente.