(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE (MAGAZINE DE 30 DE JUNHO DE 1994)
Ainda que não tenhamos, de uma maneira geral, uma ideia concreta do que são ou eram os rossios, todos nós já ouvimos falar deles, não fosse um termo existente do norte ao sul do país. Talvez na maior parte dos casos, o que para nós significa actualmente, já pouco tem a ver com a sua origem.
Fomos a dicionários e enciclopédias procurar o seu significado. Nos cinco consultados, o texto era igual e que reproduzimos: terreno fruído em comum pelo povo; logradouro público. Aparece depois, terreiro, praça larga, que se coaduna mais com o sentido urbano, enquanto primeiramente é-nos apresentado com o sentido rústico.
No escrito de hoje, iremos referir os rossios de que temos conhecimento a nível concelhio e, como é natural, com maior incidência nos da vila de Alcoutim.
Em 1835 (1) a Câmara Municipal acorda que de ora em diante não se concederá terreno algum do concelho sem prévia audiência do povo. Mais acordaram os edis que as cercas que tivessem sido levantadas sem licença da Câmara, pagariam quinhentos réis de multa e ficavam sujeitos ao foro que lhes fosse fixado pela comissão.
António Joaquim Pinto, Curador Geral dos Órfãos e Provedor da Santa Casa da Misericórdia, apresentou em 1837 requerimento pedindo um pequeno terreno do concelho para fazer uma eira, terreno que se situava no rossio, junto ao curral de Romão Cangalhas. Como não havia prejuízo, o pedido foi deferido pela Câmara, ficando sujeito ao pagamento anual de 50 réis de foro. (2)
O vereador fiscal solicita à Câmara que se pedissem aos Regedores das Paróquias, relações dos indivíduos que contra a determinação da postura, têm, sem licença, cercado terrenos dos rossios do concelho. (3)
É importante a Sessão Municipal de 11 de Fevereiro de 1843, pois nela se resolveu alienar grande parte do rossio da vila.
Vejamos.
O vereador fiscal, José Guerreiro, morador no Vinagre, informou a Câmara de que sendo o rossio desta vila muito grande, bem se podia, sem inconveniente algum, aforar boa parte dele e nesse sentido apresentou requerimento de muitos habitantes da vila, pedindo terreno. Ponderou-se que desta concessão resultaria utilidade para o concelho porque podia de futuro receber muito mais foros. Era útil à Nação porque todos estes indivíduos, fazendo cercados nos terrenos que lhe foram dados, devem depois pagar décima dos seus rendimentos; por outro lado é útil aos habitantes da vila porque aumenta a sua riqueza. Pedia portanto o vereador fiscal que a Câmara o acompanhasse ao rossio a vistoriar os terrenos pedidos, convocando-se o povo para o dito fim.
Anuindo completamente a todo o requerimento do vereador fiscal, em seguida a Câmara foi ao rossio e em presença do povo dividiu em sortes ou quinhões o terreno que podia separar - -se para ser aforado e andando os ditos terrenos em praça, foram aforados a vinte e sete habitantes desta vila que de ora em diante ficam pagando os foros constantes do competente livro.
[Propriedade rústica ainda hoje designada por rossio e que fez parte do rossio da vila, como acima se indica. Foto J.V.]
Contra o que era normal nestes casos, não aparece a relação dos contemplados nem as importâncias dos foros a que ficavam sujeitos. Nem nesta acta, nem nas seguintes! Outras buscas efectuadas, também não deram resultado, mas pensamos que os beneficiados não estariam na "arraia miúda", mas sim nos de maior poder económico que controlavam igualmente o político.
Dois anos depois, o Cónego Reitor da Sé de Faro, Joaquim José Cavaco (4), apresentou um requerimento à Câmara no sentido desta lhe atestar se quando deu (é o verbo utilizado) os terrenos do rossio deixou alguma estrada para seguir-se (pensamos que com um sentido de acesso) à Herdade do requerente (trata-se da denominada Herdade de João Fernandes que veio a pertencer a D. Maria Raimunda Pinto e que séculos antes tinha sido propriedade dos condes de Alcoutim) que confina com o rossio para a Fonte Primeira, tudo isto solicitado porque havia alguns que punham isso em dúvida. (5) Acaba por ser afirmado que tinha sido deixado uma faixa de terreno da largura de quatro varas, para a "estrada". Contudo, três meses depois (6) a edilidade deliberou consultar as pessoas antigas que sabiam por onde partia a Herdade da Casa de João Fernandes, com o rossio.
Muitos habitantes da vila, em requerimento, expõem à Câmara a necessidade de ser aprovada uma postura que proíba a entrada de gado vacum no rossio da vila, pois este deve ser logradouro dos seus habitantes. Acontece que os pastos são comidos e estragados pelas reses dos "montes" próximos, ficando assim os suplicantes privados da regalia a que têm direito de apascentarem as suas cavalgaduras no dito rossio.
Em face do exposto e considerando que os moradores da vila não possuem gado bovino e consequentemente não vão pastar com eles aos rossios dos "montes", entende a Câmara que o mesmo gado dos "montes" não deve vir pastar ao da vila.
A Edilidade acabou por estabelecer a seguinte postura:
Artº 1º - Toda a rês que for encontrada no rossio da vila, pagará o seu dono, de coima, cem réis por cada cabeça e o dobro em caso de reincidência.
§ - 1º - Não fica porém proibida a passagem do gado vacum por este rossio, quando seja preciso, nem tão pouco na ocasião dos trabalhos agrícolas.
§ - 2º - No caso de algum dos moradores na vila estabelecer lavoura com reses, fica-lhe livre o pastarem no dito rossio. (7)
Sete anos depois (8) os alcoutenejos parecem não estar totalmente com a postura aprovada pois pedem à Câmara que o rossio seja julgado defeso para o gado bovino, sendo destinado somente para nele pastarem cavalgaduras.
Já vimos como grande parte do rossio foi retirado ao domínio público. O que restou, a Fonte Primeira, é proposto em 1882 (9) para arrendamento à falta de meios do concelho.
A Câmara reconhecendo a necessidade de criar receitas, aprovou a proposta, devendo o arrendamento começar no dia 16 de Setembro e terminar em 10 de Setembro do ano seguinte.
O Administrador do Concelho por oficio datado de 9 de Fevereiro de 1885 e dirigido ao Governador Civil, afirma... que não se envia a nota dos terrenos baldios municipais existentes neste concelho, porque nenhum há, havendo apenas em redor desta vila, uma pequena área de terreno cuja produtividade é nula e somente destinada a pastagens de cavalgaduras durante o Inverno e eiras no Verão; semelhantes terrenos há também em algumas povoações do concelho destinadas a logradouro dos seus habitantes e que nada rendem e cuja área é insignificante.
[Fonte Primeira, junto ao Pego Fundo, o que restava do rossio da vila e hoje transformado em Praia Fluvial. Foto JV]
Além do rossio que temos vindo a referir, parece ter existido outro na vila, designado por Rossio da Conceição onde em 1935 (10) António Gato, morador nas Várzeas, é autorizado a construir um prédio ocupando a área de 200 m2.
Pensamos que parte desse terreno é circundante à Capela de NªSªda Conceição, onde se plantaram há décadas, eucaliptos.
A nível de freguesia de Alcoutim, temos conhecimento que pelo menos em 1888, Marmeleiro, ainda tinha rossio onde um vereador da Câmara, lá residente, pede a concessão de oito metros quadrados de terreno para fazer uma casa, o que lhe foi naturalmente concedido.
Em Janeiro de 1843 a Câmara no sentido de activar cobranças e pôr termo a ilegalidades cometidas, resolve ir em correição pelo concelho. No dia 10 reúne na aldeia de Pereiro. Saindo em vistoria, mandou entulhar algumas covas no rossio e multou Francisco Roiz, António Catarino, Manuel André Botelho e Manuel Rosa, por haverem cercado terrenos do rossio sem licença da Câmara.
Em 1888 foi encontrado morto dentro de um poço que se estava construindo no rossio da aldeia, uma criança do século masculino. Igualmente se sabe que no "monte" dos Tacões, Manuel Cavaco pede terreno no rossio do mesmo para fazer um curral, o que lhe foi concedido.
A aldeia de Giões, como todas as outras sedes de freguesia do concelho, também tinha e penso que ainda tem , o seu rossio. Em 1890 (11) a Junta da Paróquia apresenta uma petição à Câmara no sentido de ser autorizada a criação de uma feira nos dias quatro e cinco de Agosto, a ter lugar no rossio da aldeia, o que foi deferido por unanimidade.
Farelos (1840), Viçoso, agora desabitado (1846) e Alcaria Alta, onde é concedido terreno para fazer umas casas (1851) são "montes" de que temos notícia da existência de rossios.
Também temos uma leve referência ao rossio da aldeia de Martim Longo.
Na correição a que já nos referimos, a Câmara reuniu nesta aldeia em 13 de Janeiro de 1843. Visitando o rossio, mandou tapar covas e remover estrumeiras. Depois, e de acordo com o Conselho Municipal, foram demarcados o terreno para as eiras e para o local da Feira de Corpo de Deus.
Em relação à aldeia de Vaqueiros, a Câmara em 26 de Julho de 1858, igualmente em correição, encontrou feita no rossio uma grande cova, donde se tem extraído barro para as obras do cemitério e determinou que antes do Inverno ela venha a ser tupida (tapada) para que não acontecesse formar depósito de água que fosse nociva ao povo.
No "monte" da Preguiça (1854) foi pedido terreno no rossio para construir uma casa, mas o povo não deixou que se autorizasse.
Aqui fica o que até agora conseguimos reunir sobre este tema que, a nosso ver, faz parte, enriquecendo a história local.
N O T A S
(1)-Acta da Sessão da CMA de 5 de Julho de 1835
(2)-Acta da Sessão da CMA de 2 de Julho de 1837
(3)-Acta da Sessão da CMA de 1 de Novembro de 1840
(4)-É dado como Prior da Matriz da vila em 1825, Prior e Licenciador para a eleição da C.M. na freguesia de Martim Longo em 1834 e Procurador à Junta Geral do Distrito pelo concelho de Alcoutim, pelo menos em 1843.
(5)-Acta da Sessão da CMA de 8 de Dezembro de 1845
(6)-Acta da Sessão da CMA de 3 de Março de 1846
(7)-Acta da Sessão da CMA de 7 de Maio de 1857
(8)-Acta da Sessão da CMA de 17 de Janeiro de 1864
(9)-Acta da Sessão da CMA de 20 de Abril de 1864
(10)-Acta da Sessão da CMA de 14 de Novembro de 1935
(11)-Acta da Sessão da CMA de 7 de Julho de 1890