domingo, 23 de maio de 2010

A quem interessa a ruína da Igreja Matriz de Alcoutim?

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 24 DE JANEIRO DE 1985)



Ruiu e desapareceu a Ermida do Espírito Santo. A Igreja da Misericórdia, em 1973, sofreu tal ataque que hoje quase não chega a capela. A Capela da Senhora da Conceição, depois de larguíssimo período de abandono que a levou quase à ruína total, beneficiou de apreciável arranjo muito recentemente, o qual retardou a corrosão do tempo. A Capela de Santo António a que nunca faltaram “inimigos” com o intuito de a derrubarem, quase por “milagre”, mantém-se de pé. A Igreja Matriz, depois de um período de grande ruína, em que houve mesmo necessidade de recorrer à Capela da Senhora da Conceição para a substituir, acabou por ser restaurada, por volta dos últimos anos da década de quarenta e primeiros da seguinte, segundo se afirma pela acção do dinâmico algarvio, Eng. Duarte Pacheco que foi Ministro das Obras Públicas. Será por isso que o acesso principal ao templo ostenta uma placa com o seu nome.

Mais de trinta anos são passados. Os cuidados na conservação não deviam ter sido grandes por muitos e variados motivos a que não serão estranhos a falta frequentíssima de pároco, o diminuto número de paroquianos e a pobreza da região, entre outros.

Há poucos dias, pessoa amiga, alcoutinense de gema, escreve-nos da vila pequenina (assim chamada pelo alcoutinense, prof. Trindade e Lima, que a Edilidade em boa hora quis. Recentemente, homenagear) informando do mau estado da igreja, principalmente do telhado, com infiltração de água perniciosas às paredes e a todo o recheio. O estado não será desesperado, mas alarmante. Pelo pouco que nos relatam, é a conclusão que tiramos.

Do livro no prelo, Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia), respigámos os seguintes dados sobre o templo.
Tem por invocação O Salvador.

Situa-se na zona ribeirinha, perto do Guadiana, tendo-lhe passado junto, recolhendo-a, a muralha que cercava a vila.

Desconhece-se a data da fundação, mas a antiguidade está atestada por elementos arquitectónicos que ainda possui.
O portal, que constitui talvez a peça de arquitectura de maior valor, está virado para o sul. Simples mas elegante, é em estilo renascença (1), no gosto da arquitectura da época de D. João III. (2)

Fachada de empena de bico.

Torre sineira de secção quadrangular e três olhais de arco perfeito. São dois os sinos. O maior, com uma cruz em relevo, pesa cerca de 130 kg. Dedicado ao Salvador. O outro, de 60 kg é datado de 1779.

Estes sinos, segundo o autor de “Vozes de Bronze”, são a voz de Portugal mais fácil de se fazer ouvir em Espanha. (3)

Entremos no templo, considerado amplo e de boa construção. (4) É de três naves, um pouco desproporcionadas, cuja central assenta em oito fortes colunas de fustes cilíndricos rematados por belos capitéis de vários ornatos mas de estilo pouco definido, constituindo outras peças de valor.

Dá nas vistas uma pia tetralobada e que envolve uma das colunas. (5)
Pedra sepulcral com a seguinte inscrição_ “Aqui jaz Gaspar Gomes, na era de 1648. Foi sargento-mor e Familiar do Santo Ofício”.

O baptistério situa-se sob a torre sineira e é defendido por um largo portão de ferro forjado no qual se lê o ano de 1905. A pia baptismal tem cerca de um metro de diâmetro e nada de interesse. Na parede, e como alusão ao acto, baixo-relevo colorido, de interesse, representando o baptismo de Jesus. É cercado por uma orla onde se lê a enigmática legenda: “1653 – Capitulum Sactoantae Lateranensis Ecclesiae”. (5)

A nível de alfaias, guarda um cofre eucarístico de prata e madrepérola e uma custódia templete do século XVII. (5)

No inventário dos Bens da Paróquia em 1878 (7), consta um cálix de prata dourada por dentro e bordado por fora, com os Martírios do Senhor.

De paramentos são apontados: uma casula francesa do século XVI, com sebastos de veludo, panos laterais de seda lavrada e guarnições de brocatel e outra casula verde, também do século XVI, em damasco, com sebasto de brocatel. (5)

Ocupa uma área de 417 m2.”

A igreja de S. Salvador é uma peça fundamental do património arquitectónico alcoutinenses, que se torna importante preservar. O que hoje, com boa vontade, se pode resolver, amanhã será praticamente impossível, pois a degradação acelerará de tal forma, que originará verbas proibitivas.

Ainda que a igreja esteja inscrita na matriz como pertença da Diocese (e outra coisa não poderia ser), ela efectivamente pertence aos alcoutinenses, pois são eles que a usufruem nos múltiplos actos religiosos e noutro aspecto, são eles que justamente lhe chamam sua.

Competiria, assim, aos alcoutinenses e às entidades suas representantes, em consonância com a Diocese, a resolução do assunto.

Todas as freguesias possuem a sua igreja e todos nós sabemos como se mantêm de pé. Quem não conhece”festas”, “sorteios”, “peditórios”realizados a seu favor quando é necessária qualquer reparação mais importante?

Ainda recentemente e segundo julgo saber, a igreja matriz do Pereiro (Alcoutim) foi “salva” pela Junta de Freguesia, dirigida desde 74 por um dinâmico presidente.
Nem só estradas, pontes, saneamento básico e lares constituem necessidades prementes Nem só de pão vive o homem.

Urge reparar. Afinal, “A Quem Interessa a Ruína da Igreja Matriz de Alcoutim?”

NOTAS

(1)-Portugal Monumental, José Correia do Souto, II Volume, pág. 242, Barcelos, 1978
(2)-Guia de Portugal, Raul Proença, II Volume, 1927
(3)-Vozes de Bronze, José António Pinheiro e Rosa, 1946
(4)-Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
(5)-“ Para, em e de … Alcoutim”, Álvaro Pais, in O Povo Algarvio, de Tavira, 21 de Abril de 1973
(6)-Tesouros Artísticos de Portugal, Selecções do Reader`s Digest, 1976
(7)-Arquivo Histórico da Repartição de Finanças de Alcoutim