Pequena nota
Ainda que já tivéssemos escrito alguma coisa sobre esta capela e englobado no monte de que faz parte o texto que aqui reproduzimos na nossa rubrica, Ecos da Imprensa, existe sempre mais algo para dizer e o nosso Tema “ Templos” ficará mais completo facilitando a busca a eventuais interessados.
JV
Esta pequena capela rectangular, de 5X8 m, sem incluirmos a sacristia e anexo, situa-se no “monte” de Alcaria Queimada, o segundo mais populoso na freguesia de Vaqueiros, a que pertence, segundo as Memórias Paroquiais que lhe atribui 17 vizinhos (fogos), só suplantado pelo “monte” do Zambujal, com 31.
É templo que datamos pelo menos do século XVII pois existe um “Livro da Rª e Dª da Confraria de S. Bento de Alcaria Queimada com datas limites de (1717-1799)
A quando das visitações da Ordem de Santiago do século XVI não aparece referida certamente porque ainda não existia.
Há cerca de trinta anos nela se dizia missa ao 4º sábado de cada mês.
Nas Memórias Paroquiais de 1758 diz-se que a paróquia tem uma ermida do Glorioso Patriarca São Bento numa aldeia chamada Alcaria Queimada, cujas ofertas pertencem ao prior de Martim Longo.
Fachada de empena de bico com armação de argamassa para suporte do pequeno sino.
Sobre a porta rectangular, um pequeno óculo circular.
[A actual porta da capela. Foto JV, 2009]
A porta que era debruada a azulejos brancos e que sobre a verga se elevam em forma de cruz, sofreu dignas alterações repondo a sua originalidade.
No bico da fachada, cruz de ferro forjado com algum interesse artístico. Anexa ao corpo da capela a sacristia e “confraria”, onde se lobrigava um andor.
O adro é amplo e todo murado, destacando-se frente à porta um cruzeiro. A base de argamassa é cúbica, encimada por pirâmide quadrangular em cujo vértice se situa uma cruz trilobada de mármore.
O cruzeiro indica que o terreno onde está colocado é sagrado e pertence à capela. Funciona como um marco de propriedade.
Recentemente e em data que desconheço, a capela sofreu grande reparação que passou pelo telhado, paredes, cruzeiro e adro, mostrando-se muitíssimo mais airosa. Aproveitou-se também para substituir as portas, agora todas de madeira.
O retábulo da ermida é datado de 1756/7 e foi adquirido por 10$000 réis. (1)
Quanto à imagem de São Bento, Bispo, é de madeira pintada, datada de 1749/50, sendo considerada um exemplar de boa qualidade e em razoável estado de conservação.
Apresenta um báculo (símbolo do poder pastoral conferido aos bispos na sua sagração) na mão direita e um cálice na esquerda.
Além da imagem do padroeiro, o altar conta com um Cristo crucificado sobre cruz de madeira, em razoável estado de conservação sendo datado do século XIX. (2)
[Sineira da capela. Foto JV, 2009]
Sabe-se que o telhado da capelinha foi reparado em 1935 e encontramos várias inscrições que atestam arranjos mais ou menos recentes, sendo um dos últimos de 1988, que incluiu a feitura nas proximidades, de um palco de alvenaria onde actua um conjunto musical no dia da festa.
Encontrando-se já electrificada, esse facto criou alguns problemas de ordem económica e o palco constituiu um investimento para fazer face às despesas, segundo a informação de dois responsáveis.
Em 1799, das doze confrarias então existentes no concelho, a de São Bento de Alcaria Queimada era a segunda maior em saldo apresentado, só superada pela de Nª Sª da Conceição, na vila.
Estes saldos ficaram cativos até novas ordens, segundo ordem do Príncipe Regente, D. João, transmitida ao escrivão da Câmara, José Carlos de Freitas Azevedo. (3)
Para o efeito, foi nomeado fiel depositário, Pedro José dos Reis. (4)
Também sabemos que em sessão municipal de 9 de Junho de 1866, foi apresentado um requerimento da Junta de Paróquia de Vaqueiros pedindo à Câmara que lhe autorizasse, por via de postura, o lançamento de uma derrama de 60 mil réis para com esta quantia mandar fazer o tecto e retocar a imagem do Senhor São Bento que “se achão num verdadeiro estado de ruína”. A Câmara, depois de ouvir o vereador da freguesia, deferiu o pedido.
Ao quesito 14 do questionário a que veio a ser atribuída a designação genérica de Memórias Paroquiais de 1758, o paróco da freguesia de Vaqueiros respondeu:- No dia nove do mês de Agosto vem muita gente de Romaria à dita Ermida porque antigamente no dia seguinte se fazia a festa do Santo e hoje há nesse dia algumas missas rezadas (...).
A romaria ao S. Bento chegou aos nossos dias, movimentando o povo das redondezas e mesmo de terras distantes, mantendo alguns dos rituais tendo sofrido naturalmente as transformações do tempo, procurando adaptar-se.
[Imagem do Padroeiro. Foto JV, 2009]
Ainda hoje a romaria começa no dia 9 de Agosto e termina no dia seguinte.
Antigamente, e ouvimo-lo aos romeiros de então, partiam de manhã bem cedo para chegarem de noite (isto em relação à freguesia de Alcoutim) pois o caminho era difícil e percorrido de burro, quando não a pé.
Quem sofresse de dores de cabeça, metia-a três vezes num buraco do altar e com isso ficava livre desse flagelo, por uma temporada! O número de vezes acaba por ser variável, dependendo da fé de cada um.
As promessas eram pagas com pão cozido, de formato da parte do corpo que tinha sido curada pelo santo milagreiro.
Contou-nos há muitos anos uma octogenária da freguesia de Alcoutim que tinha ido ao São Bento pagar uma promessa, oferecendo um bácoro, pois a porca que esteve doente não tinha morrido.
Entretanto, as figuras de cera começaram a substituir as de pão mas ainda há quem atribua mais rigor às primeiras.
Ao entrar na capela o pagador de promessas dirige-se ao altar onde faz as suas orações de agradecimento pela graça concedida e entrega a figura de cera que consequentemente entra na posse do Santo, o que é o mesmo que dizer, na “confraria ou irmandade”.
A confraria, que existiu efectivamente mas que não é identificada pelos actuais responsáveis, é dirigida presentemente por três pessoas e uma tem a seu cargo “ficar à mesa das promessas”.
Dentro da própria capela coloca-se uma pequena mesa apetrechada de figuras de cera que são vendidas ao mesmo preço, cuja taxa era, quando lá estivemos, de 140$00, fixada pelos responsáveis.
O abastecimento da mesa, quando necessário, faz-se naturalmente através do altar o que significa que a mesma peça pode ser vendida as vezes que forem necessárias.
Não há eleições para responsáveis, segundo nos informou um dos actuais – tem passado de pais para filhos – já o meu avô desempenhava este lugar, diz-nos o nosso interlocutor que faleceu em acidente de viação.
Antigamente os romeiros iam chegando pela noite fora, descansando das suas caminhadas pelo adro e terreiro, já que o tempo dá para isso.
Em 1980/81 veio uma crente de Espanha aqui pagar uma promessa. A sua progenitora era dos lados da serra de Serpa e foi ela que lhe referiu as qualidades “milagreiras” do São Bento de Alcaria Queimada.
O segundo dia é destinado ao folguedo, cantando-se e dançando-se. Em tempos que já lá vão, dançava-se ao toque da gaitinha de beiços, hoje actua um conjunto musical. É assim que a “irmandade” vai arranjando fundos para a sua manutenção, queixando-se do custo da energia eléctrica, cuja taxa mínima é elevada para os seus recursos.
A capelinha estava impecavelmente caiada tal como o adro e tudo o que lhe dizia respeito, a limpeza ali não era palavra vã.
Estas capelinhas espalhadas por todo o País e por vezes em locais quase inóspitos têm com frequência uma lenda para explicar a sua existência e a de São Bento não é excepção à regra, mas isso ficará para a parte lendária que abordaremos um dia.
Aqui fica o que nos foi possível juntar sobre esta singela e interessante capelinha do nordeste algarvio, freguesia de Vaqueiros, concelho de Alcoutim.
NOTAS
(1) A Escultura de Madeira no concelho de Alcoutim no século XVI ao século XIX Francisco Lameira e Manuel Rodrigues, Faro, 1985.
(2) Idem, ibidem.
(3) – Era avô do Padre António José Madeira de Freitas (tio) da Vila de Alcoutim.
(4) Livro de Contas da Real Confraria de Nª Sª da Conceição, iniciado em 1785, págs. 15, 18 e 20 v.