segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O São João no Pereiro

Dos três santos populares era sem dúvida o mais festejado na freguesia e ainda hoje não passa despercebido às gentes da aldeia que dele se lembram e festejam em moldes naturalmente diferentes daqueles que ocorreram até meados do século passado.

A tradição atribui a S. João ser um santo casamenteiro (tal como S. António), sedutor e prazenteiro, protector dos amores lícitos e ilícitos!

É festejado no dia 24 de Junho, mais propriamente na noite de 23 para vinte e quatro.

É tempo do solstício de Verão. É a noite dos amores que estimula comportamentos sensuais e sedutores. O fogo, as ervas e a água têm nessa noite virtude. O fogo fertiliza, a água purifica e renova. (1) Era por isso que as moças se juntavam, fazendo levantar um mastro junto das suas casas que era revestido de mentrastros, loendros, murtas, juncos e outras plantas de preferência aromáticas.

Para isso juntavam-se com os moços indo ao campo colhê-las o que se fazia também em relação ao alecrim, sendo este destinado à fogueira.

O mastro (poste) tinha como peça principal a charola que se situava ao cimo, na sua extremidade, com estrutura geralmente de cana, decorada com papel de cores vivas, conforme a habilidade do autor. Fios partindo do topo eram enfeitados com bandeirinhas de papel de seda de várias cores.

Estas despesas eram suportadas por um peditório feito nas vizinhanças, até porque existiam outros mastros e cada um pretendia ser o mais bonito, proporcionando melhor festa.

A indispensável fogueira aqui era sempre de alecrim, enquanto noutras zonas, à falta deste, era utilizado o rosmaninho (localmente rasmono, em vez de rosmano).

Saltar à fogueira, acreditava-se que facilitava a fertilidade. As ervas queimadas defumavam as casas purificando e esconjurando de coisas más.

As rodas, dançando e cantando igualmente não faltavam.

As sortes advinhatórias respeitantes ao amor e ao casamento proliferavam.

Chamuscavam-se três alcachofras na fogueira e espetavam-se em terra. Se uma delas estivesse espigada, no outro dia, pela manhã, significava que os amores eram correspondidos.

A sorte das favas consistia em passar nove vezes três miolos de fava pela fogueira. Pelava-se uma totalmente, a outra ficava-se pelo meio e a terceira intacta. Punham-se debaixo do travesseiro. Quando se acordava procurava-se com a mão uma e a encontrada significava o grau de fortuna do futuro companheiro, sendo a intacta a que representava o mais abastado.

Outras raparigas tentavam saber o nome do futuro marido atirando para a fogueira uma pequena moeda. No outro dia quando aparecesse um pobre pedindo, davam-lha perguntando ao mesmo tempo como se chama. Era esse o nome daquele que iria casar consigo.

[Parte cimeira de mastro nos dias de hoje. Foto JV, 2009]
Antes do sol nascer ia-se buscar água a sete poços com que se levavam e bebiam pois era água com virtude.

Outros tinham mais fé em pôr alecrim de molho, apanhando a cacimba da noite e lavando-se pela manhã com essa água que consideravam purificante.

É do pouco que ainda se pratica pelas pessoas mais idosas.

E a água continua metida nestas sortes e adivinhações. Passava-se uma bacia com água nove vezes pela fogueira e derretia-se para dentro dela uma vela procurando-se depois interpretar a figura formada relacionada com a actividade do futuro namorado.

Com o mesmo ritual outras utilizavam a clara de um ovo.

Havia quem procurasse reflectir a sua imagem numa bacia com água.

Os moços não deixavam de ir ao banho, em conjunto, na manhã de S. João, ora na Ribeira do Vascão, ora na da Foupana.

Apesar de tudo continua-se a festejar o S. João na aldeia do Pereiro mas em moldes actualizados que pouco têm a ver, como é natural, com o passado.

NOTA
(1)–Tempos de Solstícios, Aurélio Lopes, Edição de O Mirante, 1998.


Pequena nota

Extraído do nosso trabalho, "A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim) – Do passado ao presente", Edição da J.F. do Pereiro, 2007, p 199 a 202.