quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O pregão na Vila de Alcoutim até meados do séc. XX

O pregão, antigamente tão utilizado, tanto a nível oficial como particular, só há poucos anos deixou de se ouvir.

Assistimos à sua agonia nos primeiros anos da década de setenta.

O pregoeiro era o Sr. António Martins, mais conhecido por António do Vinagre, por ter sido criado numa varja (várzea) junto do Guadiana, que tem esse nome.

O Sr. António tinha a profissão de “enterrador”, como na vila chamam ao coveiro, funções de que está aposentado.

O pregão era mandado lançar pelo interessado e normalmente tinha um sentido comercial. O trabalho, pago com o produto que se apregoava ou, com menos frequência, em dinheiro.

O contrato obedecia normalmente a três pregões lançados em pontos usuais com o intuito de fazerem a cobertura da vila

A rua da Parada, pela situação central, era um local sempre utilizado pelo pregoeiro que procurava com entoação longa e forte fazer-se ouvir, mesmo que não fosse compreendido, como muitas vezes acontecia. Interessava fundamentalmente saber-se que se estava a apregoar.

[Sítio da Rua da Parada. Foto JV, 2010]

- Lá está o enterrador a apregoar!

- Vai saber o que é.

Eram duas frases vulgaríssimas.

Apregoava-se o peixe trazido pelos arrieiros, de Vila Real de Santo António. Sardinha, carapau, charros, cavalinhas, mucharrinhas eram as espécies badaladas, só muito excepcionalmente aparecia outra.

Quando se produzia algum mimo hortícola que ultrapassava o consumo da casa, o que raramente acontecia, mandava-se apregoar e então ouvia-se:- Quem quiser tomate bom vá à do F... que é barato.

Pelo Entrudo, havia quem mandasse apregoar bom peixe de escama e na caixa, previamente tapada, quando a freguesa, de tigela na mão, a destapava, encontrava sapatos velhos oriundos de mestre Carlos.

Por vezes, com um sentido crítico, aconselhavam-se as pessoas a mandar apregoar isto ou aquilo, o que significava ser preciso haver cuidado para o assunto não se divulgar.

Primeiro, foi o desaparecimento do pregoeiro municipal que à porta da Câmara punha a arrematação a barca de passagem para Sanlúcar, a casa onde tinha funcionado a roda, os baixos da Câmara ou a iluminação pública; (1) por fim, e decorrido algumas décadas, acabou o pregão popular.

Mais um velho costume que, com o decorrer dos anos e transformação da vida, desaparece naturalmente, quase sem se dar por isso.

Outros pregoeiros que não conhecemos foram Ti Domingos da Horta e Ti Marciano, que tinham entoação muito característica.

NOTA
(1)-Livro de autos de arrematação - 1888/98


Pequena nota

Extraído de "Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia)", Edição da Câmara Municipal de Alcoutim, 1985, pág. 279 e 280