quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Festas de Alcoutim / 2011 - Texto escrito e lido pelo nosso colaborador no dia do Município (09.09.2011)





GASPAR SANTOS


[Espanholas dançando as sevilhanas nas Festas de 2011. Foto G.S.]

Agradeço o convite para falar sobre as Festas de Alcoutim. Aceitei, pois elas mobilizaram muito a minha geração e nelas participei. E, sobretudo, aceitei por ser um prazer e uma honra falar com os meus conterrâneos. Trago apenas apontamentos de memória. Deixo para outros o estudo apurado destas festas. Elas são de carácter não religioso e hoje as mais antigas do Algarve.

Alcoutim tinha então muitos jovens com alguma escolaridade, mas faltavam saídas profissionais e, sentiam, sem ainda prever a grande desertificação que ameaça hoje o nosso concelho.

Víamos a feira anual definhar. Coincidia com um arremedo de festa que se limitava a um baile com acordeonista na sociedade e a uma venda de rifas no velho bazar. Por outro lado dávamos conta da grandeza do médico cirurgião Dr. João Francisco Dias entalado num pequeno hospital que hoje nem serviria para um centro de saúde. Era preciso fazer qualquer coisa que rasgasse horizontes, que pusesse “Alcoutim no mapa” como hoje se diz.

Queríamos fazer divertimento, uma feira significativa e sonhávamos fazer um grande hospital com o produto de uma grande festa. Era utopia dirão hoje. Mas aquela geração romanticamente deitou mãos à obra.

A história das festas acompanha a história do Grupo Desportivo de Alcoutim. Por isso, as primeiras tiveram uma forte componente desportiva. Nós fazíamos tudo. Organizávamos, montávamos a festa, éramos os atletas e os espectadores. O apoio vinha apenas de pessoas anónimas.

A preparação demorava meses. Começávamos por enviar uma circular a todos os alcoutenejos e amigos de Alcoutim que moravam fora. Pedia-se um donativo para as festas, convocando a sua generosidade para a construção do hospital. Na primeira festa essa circular foi redigida pelo Dr. João Francisco Dias. Depois, já mais próximo das festas, grupos de 3 ou 4 jovens percorriam os montes angariando fundos. Éramos bem recebidos e lá vinha o donativo quase sempre em trigo que depois se vendia ao celeiro.

Os objectos doados convertiam-se em rifas que jovens raparigas vendiam na quermesse. As entradas, o aluguer das mesas e cadeiras, e o bar ajudavam a financiar as festas.
Lembro-me da primeira festa. Uma semana inteira. Por fim a exaustão. Aprendemos. No ano seguinte reduziu-se a actividade desportiva. O grande entusiasta era o saudoso Fernando Dias, adepto da Académica de Coimbra conhecedor das várias modalidades. A primeira festa foi o nosso laboratório. Nela se ensaiaram e testaram as ideias. As festas seguintes melhoraram.

Cabe aqui recordar os mais entusiastas, entre outros: João Dias, Rui Simão, José Francisco Rita, e o mais velho e sereno Manuel Alfredo Afonso chamado a líder para o Grupo Desportivo.

Tínhamos alguns, entre nós, como o Carlos Brito ou o José Cavaco Peres que estudavam na cidade, eram conhecedores de modalidades que muitos de nós nunca viramos praticar, como andebol de 7 e voleibol, e por isso ajudaram na preparação de outros jovens.

Nessa semana, tivemos andebol de 7 e voleibol, várias corridas, corta mato, futebol, travessia a nado do Guadiana e pau de sebo. Fizemos um torneio de tiro aos pombos, aliás com pouco brilho, pois os pombos cansados, dormentes por terem passado muitas horas fechados, só voavam após a abertura da gaiola quando enxotados. A experiência fez-nos evoluir para tiro aos pratos nas festas seguintes.

Fazíamos o programa e editávamos os cartazes de promoção, após ajustar a colaboração de músicos de que se tornou habitual a Orquestra José Francisco de Vila Real. O pirotécnico Gomes da Costa de S. Brás de Alportel deu um brilho especial e raro, com o fogo aquático e o fogo preso no cais com peças rotativas, além de sublinhar a alvorada com foguetes e morteiros e o início e final de cada passo do programa com morteiros.

No dia da festa montávamos todas as estruturas, a quermesse, o palco etc. A Câmara Municipal apenas nos emprestava algumas cadeiras e mesas.

Não havia distribuição de electricidade, pelo que a iluminação do recinto das festas e a alimentação eléctrica da aparelhagem de som se realizava com um gerador alugado.
Para se realizar a noite festiva na esplanada do cais pedia-se autorização às entidades portuárias e à Câmara Municipal. Depois ocupávamos tudo. Até as instalações sanitárias passavam a servir de bar e arrecadação de bebidas e comidas.
À noite era o baile, só interrompido para actuação de artista convidado (cantor ou acordeonista) ou para o fogo-de-artifício.

Nossos vizinhos de S. Lucar vinham, aproveitando a abertura da fronteira. Davam à Vila uma alegria e um colorido cosmopolita não habitual, tanto com as suas cantorias como com exibição espontânea de sevilhanas.

Das primeiras festas, realizadas com o esforço que hoje nem se imagina, vou contar alguns episódios:
- Na véspera da corrida de corta mato convidamos um jovem, entre outros, que corria bem, para participar. Ele perguntou: e como corto o mato?
A que o Fernando Dias, brincalhão, respondeu: trazes uma faca. Ele apresentou-se no dia seguinte de facalhão para cortar o mato.

- Noutra noite eram artistas convidados: a consagrada Eugénia Lima e um jovem acordeonista de nome Fernando em começo de carreira, mas que foi muito mais aplaudido. Eugénia Lima não gostou e no fim da actuação exigiu ser paga imediatamente. Ficamos embaraçados. Então um desconhecido passou de imediato um cheque assumindo a responsabilidade!
***
A primeira grande festa foi de facto em 1951, a partir da qual se faz a sua contagem oficial. Foi aquela em que tivemos apoios oficiais e deixou de estar apenas nas mãos dos mais novos.

Em que ano se realizou, de facto, a primeira festa? Em 1949. O Grupo Desportivo acabado de nascer quis mostrar obra. Deixo aqui uma pista para que se faça justiça aos pioneiros:
José Francisco Rita, primo do Francisco Pedro, mostrou-me um dossier com todas as circulares e programas, pouco antes de ter falecido em Odemira onde morava. E ele, documentado, também não concordava com a contagem oficial. Se a família dele ainda tiver o dossier e o ceder podemos recolher muito material de esclarecimento. Há muitas pessoas vivas, como o Manuel Justo que dizem o mesmo que nós.

Falta referir que o apuramento financeiro para a construção do hospital era de poucos milhares de escudos que se depositavam na Caixa Geral Depósitos.
Isto é o que de mais importante se me oferece dizer.

Para todos os que participaram e já partiram, a nossa saudade. Para os outros, eu diria como o Chico Buarque: “Foi bonita a festa, pá…”

G. S.
Dia do Município, 09 de Setembro de 2011