Pequena nota
Nós não conhecíamos o curioso e interessante relatório que o nosso Amigo e colaborador Roiz Vilão nos traz hoje ao conhecimento ainda que soubessemos da visita do Governador Civil visto ela ser referida em actas da Câmara.
Vale como documento histórico e dá-nos uma perspectiva do ambiente concelhio na época e que para nós não constitui surpresa devido ao conhecimento que fomos adquirindo ao longo dos tempos com pesquisas efectuadas.
Na nossa modesta opinião, podemos e devemos fazer uma comparação com os dias de hoje e tirar conclusões.
Obrigado Gonçalo Vilão por nos ter dado a conhecer tal documento.
JV
Escreve
Gonçalo Roiz Vilão
[Vista parcial da Vila de Alcoutim em 1993. Foto de JV]
As pesquisas que tantas vezes fazemos em livros antigos que ficam perdidos no tempo e nas estantes poeirentas que a aldeia global tende a ostracizar, levam-nos a reflectir sobre o que esquecemos ou podemos aprender com o passado e ao rebuscá-los no tempo trazem-nos ao pesquisar, a concreta certeza que as problemáticas vivenciais que hoje atravessam as nossas vidas essas… já foram velhas. Contudo, passados que foram mais de 150 anos, o nosso concelho felizmente evoluiu, senão vejamos um relatório de Ayres Guedes Coutinho Garrido – Governador Civil do Distrito Administrativo de Faro, datado de 1867, sobre Alcoutim (1):
Este relatório acerca do Concelho de Alcoutim enquadrava-se na portaria publicada em 1866 que obrigava os Governadores Civis a visitar todos os concelhos do reino, vejamos o que relata o de então:
“N'este concelho, cuja cabeça tem apenas 90 fogos, achando-os cm grande decadencia, como o mostram as muitas casas deshabitadas e até desmoronadas que n'ella se encontram, a administração municipal é tal qual pôde esperar-se de uma camara, cujos vereadores são quasi todos analphabetos, sendo quem ali dirige tudo o escrivão da camara, que o é tambem da administração do concelho e da fazenda, e dando-se a circumstancia de ser o presidente alem de sub-delegado do procurador regio, escripturario de fazenda, e n'esta qualidade subordinado ao escrivão da mesma camara
D'aqui pôde inferir-se qual seja a falta de pessoal habilitado para os cargos publicos n'este concelho, cuja conservação só poderá justifiear-se pelo isolamento em que se acha n'um angulo do districto a oito leguas de distancia das povoações mais proximas, que são Castro Marim e Villa Real de Santo Antonio.
A casa da camara acha-se em deploravel estado e especialmente os telhados, e assim as casas da administração, do tribunal, prisões publicas, as calçadas das ruas, o caes junto do Guadiana, cmfim tudo o que se acha a cargo da camara d'este concelho.
A sua despeza obrigatoria é de 2:6910685 réis, alem da divida passiva, que é de réis 1:1925110, achando-se por cobrar, pelo desleixo da mesma camara e da administração dividas activas, na importancia de réis 1:620,975 réis de repartição (que é de 35 por cento) de todos os annos decorridos de 1816 em diante.
Não ha no concelho uma botica, nem um unico facultativo, e comquanto a camara creasse ultimamente um partido de 4000000 réis para medico e outro de 70;5000 réis para um boticario, nem se acham providos, nem ainda abriram concurso, porque não têem no orçamento meios para fazer face a estas despezas, nem se acham mui dispostos a vota-los, apesar das minhas ordens, e das recommendações que lhes fiz no acto da visita, porque não estão convencidos da necessidade de os haver no concelho, vivendo mui satisfeitos com os curandeiros com que se tratam.
O cemiterio da vila é tolerável, assim como os das freguezias do Pereiro e Vaqueiros: o de Giões está incompleto e o de Martim Longo mal situado por estar dentro da povoação. Deixei sobre estes e outros assumptos os provimentos necessarios, e tomei nota para instar e promover por todos os meios ao meu alcance as obras, melhoramentos e adopção das providencias que este concelho reclama; não confiando comtudo no feliz resultado de minhas diligencias, por isso que da parte dos habitantes e das respectivas corporações administrativas e auctoridades locaes se não encontra ali a menor cooperação ou auxilio.
Convencidos de que pela situação do concelho não pode ellc ser suprimido, entendem que a autoridade superior so conforma por necessidade com deixa-los viver a seu modo, e contam ir assim disfructando as vantagens inherentes ao serviço dos cargos que occupam, sendo para os que assim os servem que só, e por esse motivo, aproveita a existencia do concelho.
A escripturação da contabilidade municipal não se faz nos termos das iustrucções de 17 de novembro de 1849, havendo somente o livro da receita e despeza diaria, o qual todavia achei regular.
Estão approvadas as contas das juntas de parochia, umas até 1861 e outras até 1865; as da camara porém só estão julgadas até 1850-1851, sendo em virtude de ordens minhas que já se têem recebido as contas de alguns dos annos seguintes, faltando todavia ainda a maior parte, que sem cessar reclamo.”
(1)Collecção dos Rellatórios – Visitas feitas aos distritos pelos respectivos Governadores Civis em virtude da Portaria de 1866; Lisboa, Imprensa Nacional, 1868.