sábado, 9 de março de 2013

A onda como produto turístico pode desaparecer?





Escreve

José Miguel Nunes
















Desde que o surf se tornou a “menina dos olhos” do turismo em Portugal que ouço frases do tipo “as ondas não desaparecem”, “os estádios de surf já estão construídos” ou ainda que “as ondas não são passiveis de serem replicadas”, como argumentos justificativos para o investimento no produto surf.

Há muito que sou defensor, que o surf pode ser uma mais-valia muito importante para o desenvolvimento da economia da nossa região, tenho-o escrito variadíssimas vezes.

O produto surf tem como base a onda, pois é nela que se pratica a modalidade que serve de âncora a todo o desenvolvimento dos negócios a ele associados, sejam surfcamps,  surfschools,  surfshops, fábricas de pranchas, etc, etc, etc..., ou seja, sem ondas não há surf, e sem surf não há negócios associados, daí o tal argumento de que as ondas estão lá e não desaparecem, claro está, na perspetiva de não ser necessário construi-las, bastando unicamente que não destruam a sua envolvência, que elas continuam a rolar, como sempre rolaram.

Totalmente de acordo até este ponto, é quase uma ‘verdade de la palisse’, fisicamente a onda não desaparece (partindo do princípio que não a destroem), no entanto, o que está aqui em causa é a onda como produto turístico, e nesta perspetiva, na minha opinião, pode efetivamente desaparecer.

Senão vejamos, e existem alguns conceitos importantes para percebermos a questão.  TURISMO e não havendo uma definição única desse conceito, o que a Organização Mundial de Turismo (OMT) recomenda é que seja entendido como: "as atividades que as pessoas realizam durante as suas viagens e permanência em lugares distintos dos que vivem, por um período de tempo inferior a um ano consecutivo, com fins de lazer, negócios e outros."

Partindo do princípio que os turistas são aqueles que praticam o turismo, ainda segundo a OMT,  TURISTA “é todo o visitante temporário que permanece no local visitado mais de 24 horas”, o que nos leva à questão dos que permanecem menos de 24 horas, que segundo a mesma organização são os EXCURSIONISTAS. À conjugação destes dois conceitos aplica-se o conceito de VISITANTE, que “é toda a pessoa que se desloca temporariamente para fora da sua residência habitual, quer seja no seu próprio país ou no estrangeiro, por uma razão que não seja a de aí exercer uma atividade remunerada.”

Ponting, um dos estudiosos desta matéria, definiu então como TURISMO DE SURF “toda a viagem e permanência temporária, realizada por um surfista, envolvendo pelo menos uma noite fora da sua região de domicílio habitual, cuja principal expectativa é surfar.” Então, analogamente podemos dizer, e numa lógica de,  VISITANTE = TURISTA = SURFISTA (e aqui deixamos de fora os acompanhantes dos surfistas e aqueles que vêm ver os surfistas), que TURISTA DE SURF será toda a pessoa que se desloca temporariamente para fora da sua residência habitual, quer no seu próprio país ou no estrangeiro, por uma razão que não seja aí exercer uma atividade remunerada, cuja principal expectativa é surfar.

Qualquer turista, e o de surf não é excepção, tem no final da sua estadia, como objetivo, retirar uma sensação de satisfação, resultante da sua experiência de consumo, neste caso da onda, pois é nela que se baseia toda a oferta turística do surf.

Muito bem, assim, tudo isto nos leva à regra base do surf, um surfista, uma onda, e só havendo uma determinada percentagem de ondas de um turista de surf que satisfaça esta regra, é que o mesmo retira satisfação da sua estadia, caso contrário o feedback será negativo, com as implicações que isso terá.

Temos ainda de separar, na minha opinião, mais dois conceitos, os turistas de surf, que já fazem surf, e vêm para fazer surf, e os turistas de surf, que não fazem surf, mas que vêm para aprender a fazer. São dois nichos de mercado completamente diferentes, e que devem ser vistos de modo diferente.

Começando pelo primeiro caso, aqueles que não fazem já surf, aqui a tal regra básica do surf não se aplica, e uma onda (espuma) serve para muito mais do que um ‘surfista’, havendo apenas a preocupação da segurança com o número de ‘surfistas’ sem experiência dentro de água ao mesmo tempo.

No segundo caso, aqueles que já fazem surf, então aqui sim, a regra aplica-se, e o seu grau de satisfação aumenta ou diminui consoante aumenta ou diminui o número de ondas que conseguem fazer sozinhos, e não podemos correr o risco de chegar ao ponto de no futuro aparecerem títulos de notícias referentes a Peniche, como aquele que recentemente saiu no site Surftotal, no passado dia 19 de Fevereiro, referente à Gold Coast Australiana, e passo a citar, “As águas da Gold Coast na Austrália são uma autêntica "zona de guerra" com os surfistas a lutarem por espaço no meio do crowd”.

SUSTENTABILIDADE, este é o conceito base para o sucesso de Peniche como destino de surf. Este conceito assenta, grosso modo, em três pilares, que só em conjunto o definem: o ambiental, o económico e o social, que nos leva a um outro, o de DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, que se refere a um modo de desenvolvimento capaz de responder às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de crescimento das gerações futuras, visando melhorar as condições de vida dos indivíduos, preservando simultaneamente o meio envolvente a curto, médio e, sobretudo, longo prazo, comportando um triplo objectivo: um desenvolvimento economicamente eficaz, socialmente equitativo e ecologicamente sustentável.

O ser sustentável, passa por criar condições para que o crowd não aumente desmesuradamente, pois isso irá ter implicações a médio/longo prazo, na vertente ambiental, económica e até social (e aqui falamos também na comunidade local), influenciando diretamente o grau de satisfação dos surfistas/turistas, e a escolha destes para viajar. O ser sustentável passa por termos a noção que existem ondas que têm capacidades de carga diferentes, consoante o tipo de surfistas que as procuram. O ser sustentável passa por percebermos que os mega-investimentos turísticos têm quase como única e exclusiva preocupação, o ganhar muito dinheiro e o mais rapidamente possível, sem preocupações ambientais e muito menos sociais. O ser sustentável, passa por criarmos condições em infraestruturas que melhorem as condições das praias. O ser sustentável, passa por legislar especificamente o surf e não adaptar legislação ao surf, de modo a que quem tenha negócios nesta área os possa desenvolver de forma ordenada, sustentada e principalmente em igualdade de circunstâncias no mercado concorrencial.

Se não conseguirmos desenvolver de modo sustentável o turismo de surf em Peniche, declarações como as de Kelly Slater ao Jornal “A Bola”, de dia 9 de Outubro de 2012, começam a fazer sentido, e mais importante, a “fazer mossa” na afirmação de Peniche como destino turístico de excelência para o surf, e que passo a citar: “Já com Peniche tenho uma relação de amor/ódio. Adoro as ondas mas está sempre lotado. Há tantas escolas de surf que, para ser honesto, nem vou surfar fora dos heats, porque está sempre muita gente. A única hipótese é tentar escapar para alguns spots mais distantes.", e não nos esqueçamos de quem é Kelly Slater, e que tudo aquilo que este Senhor diz, é ouvido com redobrada atenção.

O surf é uma excelente aposta para o desenvolvimento turístico, mas não pode ser unicamente “à conta” do surf que resolveremos todos os nossos problemas nesta área, pois para que isso acontecesse seria necessário tanta gente, que o produto turístico surf, deixaria de ser apelativo, perdendo qualidade e sustentabilidade, acabando por desaparecer enquanto tal.

Então, as ondas não precisam de desaparecer fisicamente, para desaparecerem como produto turístico, e para que tal não aconteça, devem ser aproveitadas de modo sustentável e equilibrado.