Escreve
José Miguel Nunes
Desde que o surf se tornou a
“menina dos olhos” do turismo em Portugal que ouço frases do tipo “as ondas não
desaparecem”, “os estádios de surf já estão construídos” ou ainda que “as ondas
não são passiveis de serem replicadas”, como argumentos justificativos para o
investimento no produto surf.
Há muito que sou defensor, que o
surf pode ser uma mais-valia muito importante para o desenvolvimento da
economia da nossa região, tenho-o escrito variadíssimas vezes.
O produto surf tem como base a
onda, pois é nela que se pratica a modalidade que serve de âncora a todo o
desenvolvimento dos negócios a ele associados, sejam surfcamps, surfschools, surfshops, fábricas de pranchas, etc,
etc, etc..., ou seja, sem ondas não há surf, e sem surf não há negócios
associados, daí o tal argumento de que as ondas estão lá e não desaparecem,
claro está, na perspetiva de não ser necessário construi-las, bastando
unicamente que não destruam a sua envolvência, que elas continuam a rolar, como
sempre rolaram.
Totalmente de acordo até este
ponto, é quase uma ‘verdade de la
palisse’, fisicamente a onda não desaparece (partindo do princípio que não
a destroem), no entanto, o que está aqui em causa é a onda como produto
turístico, e nesta perspetiva, na minha opinião, pode efetivamente desaparecer.
Senão vejamos, e existem alguns
conceitos importantes para percebermos a questão. TURISMO e não havendo uma definição única
desse conceito, o que a Organização Mundial de Turismo (OMT) recomenda é que
seja entendido como: "as atividades que as pessoas realizam durante as
suas viagens e permanência em lugares distintos dos que vivem, por um período
de tempo inferior a um ano consecutivo, com fins de lazer, negócios e
outros."
Partindo do princípio que os
turistas são aqueles que praticam o turismo, ainda segundo a OMT, TURISTA “é todo o visitante
temporário que permanece no local visitado mais de 24 horas”, o que nos leva à
questão dos que permanecem menos de 24 horas, que segundo a mesma organização
são os EXCURSIONISTAS.
À conjugação destes dois conceitos aplica-se o conceito de VISITANTE, que “é
toda a pessoa que se desloca temporariamente para fora da sua residência
habitual, quer seja no seu próprio país ou no estrangeiro, por uma razão que
não seja a de aí exercer uma atividade remunerada.”
Ponting, um dos estudiosos desta
matéria, definiu então como TURISMO
DE SURF “toda a viagem e
permanência temporária, realizada por um surfista, envolvendo pelo menos uma
noite fora da sua região de domicílio habitual, cuja principal expectativa é
surfar.” Então, analogamente podemos dizer, e numa lógica de, VISITANTE = TURISTA = SURFISTA (e aqui deixamos de fora os
acompanhantes dos surfistas e aqueles que vêm ver os surfistas), que TURISTA DE SURF será toda a pessoa que se desloca
temporariamente para fora da sua residência habitual, quer no seu próprio país
ou no estrangeiro, por uma razão que não seja aí exercer uma atividade
remunerada, cuja principal expectativa é surfar.
Qualquer turista, e o de surf não
é excepção, tem no final da sua estadia, como objetivo, retirar uma sensação de
satisfação, resultante da sua experiência de consumo, neste caso da onda, pois
é nela que se baseia toda a oferta turística do surf.
Muito bem, assim, tudo isto nos
leva à regra base do surf, um surfista, uma onda, e só havendo uma determinada
percentagem de ondas de um turista de surf que satisfaça esta regra, é que o
mesmo retira satisfação da sua estadia, caso contrário o feedback será negativo, com as implicações que
isso terá.
Temos ainda de separar, na minha
opinião, mais dois conceitos, os turistas de surf, que já fazem surf, e vêm
para fazer surf, e os turistas de surf, que não fazem surf, mas que vêm para
aprender a fazer. São dois nichos de mercado completamente diferentes, e que
devem ser vistos de modo diferente.
Começando pelo primeiro caso,
aqueles que não fazem já surf, aqui a tal regra básica do surf não se aplica, e
uma onda (espuma) serve para muito mais do que um ‘surfista’, havendo apenas a
preocupação da segurança com o número de ‘surfistas’ sem experiência dentro de
água ao mesmo tempo.
No segundo caso, aqueles que já
fazem surf, então aqui sim, a regra aplica-se, e o seu grau de satisfação
aumenta ou diminui consoante aumenta ou diminui o número de ondas que conseguem
fazer sozinhos, e não podemos correr o risco de chegar ao ponto de no futuro
aparecerem títulos de notícias referentes a Peniche, como aquele que
recentemente saiu no site Surftotal, no passado dia 19 de
Fevereiro, referente à Gold Coast Australiana, e passo a citar, “As águas da
Gold Coast na Austrália são uma autêntica "zona de guerra" com os
surfistas a lutarem por espaço no meio do crowd”.
SUSTENTABILIDADE,
este é o conceito base para o sucesso de Peniche como destino de surf. Este
conceito assenta, grosso modo, em três pilares, que só em conjunto o definem: o
ambiental, o económico e o social, que nos leva a um outro, o de DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL,
que se refere a um modo de desenvolvimento capaz de responder às necessidades
do presente sem comprometer a capacidade de crescimento das gerações futuras,
visando melhorar as condições de vida dos indivíduos, preservando
simultaneamente o meio envolvente a curto, médio e, sobretudo, longo prazo,
comportando um triplo objectivo: um desenvolvimento economicamente eficaz,
socialmente equitativo e ecologicamente sustentável.
O ser sustentável, passa por
criar condições para que o crowd não aumente desmesuradamente, pois
isso irá ter implicações a médio/longo prazo, na vertente ambiental, económica
e até social (e aqui falamos também na comunidade local), influenciando
diretamente o grau de satisfação dos surfistas/turistas, e a escolha destes
para viajar. O ser sustentável passa por termos a noção que existem ondas que
têm capacidades de carga diferentes, consoante o tipo de surfistas que as
procuram. O ser sustentável passa por percebermos que os mega-investimentos
turísticos têm quase como única e exclusiva preocupação, o ganhar muito
dinheiro e o mais rapidamente possível, sem preocupações ambientais e muito
menos sociais. O ser sustentável, passa por criarmos condições em
infraestruturas que melhorem as condições das praias. O ser sustentável, passa
por legislar especificamente o surf e não adaptar legislação ao surf, de modo a
que quem tenha negócios nesta área os possa desenvolver de forma ordenada,
sustentada e principalmente em igualdade de circunstâncias no mercado
concorrencial.
Se não conseguirmos desenvolver
de modo sustentável o turismo de surf em Peniche, declarações como as de Kelly
Slater ao Jornal “A Bola”, de dia 9 de Outubro de 2012, começam a fazer
sentido, e mais importante, a “fazer mossa” na afirmação de Peniche como
destino turístico de excelência para o surf, e que passo a citar: “Já com
Peniche tenho uma relação de amor/ódio. Adoro as ondas mas está sempre lotado.
Há tantas escolas de surf que, para ser honesto, nem vou surfar fora dos heats, porque está sempre
muita gente. A única hipótese é tentar escapar para alguns spots mais distantes.", e não nos
esqueçamos de quem é Kelly Slater, e que tudo aquilo que este Senhor diz, é
ouvido com redobrada atenção.
O surf é uma excelente aposta
para o desenvolvimento turístico, mas não pode ser unicamente “à conta” do surf
que resolveremos todos os nossos problemas nesta área, pois para que isso
acontecesse seria necessário tanta gente, que o produto turístico surf,
deixaria de ser apelativo, perdendo qualidade e sustentabilidade, acabando por
desaparecer enquanto tal.
Então, as ondas não precisam de
desaparecer fisicamente, para desaparecerem como produto turístico, e para que
tal não aconteça, devem ser aproveitadas de modo sustentável e equilibrado.