quarta-feira, 13 de março de 2013

O mestre azeiteiro (fazedor de azeite)





Escreve

António Afonso



No Nordeste Algarvio a oliveira era uma árvore quase sagrada! Tal como na Grécia Antiga, pois, no perímetro da Acrópole sempre existiu e existe, um exemplar desta espécie. Há fortes razões para o Homem lhe dedicar tanta estima. Ela lhe concede sombra, alguma lenha, as azeitonas, que serão preparadas, de conserva, britadas, retalhadas, pisadas sempre presentes na mesa do Alcoutenejo; além disso, da transformação dos seus frutos se extrai o precioso azeite, utilizado na culinária, outrora alimentava as candeias, servia para oferecer a quem não o tivesse de colheita e ainda como oferenda à  Senhora das Candeias ou à Nossa Senhora da Conceição, padroeira da Freguesia. 

Paralelo com esta árvore só encontrei em África, certo dia, um nativo em Moçambique me confessou que o Coqueiro é para nós a árvore de Deus! Porque dela tudo aproveitamos, a sombra, as folhas que cobrem as nossas casas, a madeira para vários fins, os frutos tão importantes para a nossa alimentação e não só.
Nós tínhamos algumas oliveiras centenárias herdadas dos nossos avós, o meu pai sempre que encontrava um zambujo, logo procedia á enxertia, caso obtivesse sucesso, na época própria o transplantava para local definitivo; passados alguns anos já dava frutos, mas continuava a ser designado por “ oliveiro” até ser de maior idade.

A Terra gira nos seus movimentos de rotação e translação, o tempo passa, deixando a sua marca, quer nas pessoas, quer nos seus modos de vida.

 Nos últimos cem anos, muitas profissões existentes no meu concelho, algumas nem conheci, desapareceram simplesmente e outras estão em risco disso. Irei enumerar umas quantas: o alvetário (profissional que tratava os animais), o vedor (profissional que indicava o local onde existia água no subsolo), albardeiro, o sapateiro, o azeiteiro, o latoeiro, o retratista, o dentista ambulante, o capador, o roupeiro, o maioral “zagal”, ferrador, o ferreiro, o oleiro, o almocreve, o ganhão, o limpador, a tecedeira, a boleira, a caiadora, a costureira, a ceifeira, o cesteiro, o tendeiro, o vendedores ambulantes (o ti Januário, o ti Zé´ Guerreiro, o ti Feliciano o ti Pano Cru), moleiro, o endireita, o cesteiro, o pedreiro de pedra solta, etc.

Hoje, irei recordar o azeiteiro.

Na verdade, havia em Martim Longo um lagar que funcionava por turnos, durante alguns meses, mas algumas pessoas preferiam fazer o seu azeite ao modo tradicional.

Após a colheita contratava-se este profissional, normalmente era o parente Raul – do monte do Barranco, situado para lá da Ribeira do Vascão ou ti Ludovino da Barrada, homem muito divertido, sempre bem humorado, os seus ditos animavam a rapaziada; fumava tabaco de enrolar, usava as onças “Duque” e papel “Zig-Zag”.

O azeiteiro trazia a sua talega (saco de pano espesso), utilizava a queijeira, peça usada para esse fim e ainda para colocar os queijos recém fabricados, para libertação do chorrilho, ( Soro do leite ) nela se  esmagavam também as uvas para fazer o vinho.

Este utensílio era feito de madeira de azinho ou oliveira, apresentava forma ovóide, o interior era escavado, terminando em bica, assemelhava-se ao útero feminino, mas de maior dimensão, claro, órgão que todos nós habitamos durante a gestação. Aquelas que conheci, assentavam em três pernas, sendo duas na parte posterior e uma anterior, mais curta, para desnivelar a superfície, formando um declive, obrigando deste modo o escoamento dos líquidos pela bica.

Queijeira. Foto JV
Sob a bica colocava-se um alguidar, o qual tinha a particularidade de ter um furo quase junto ao fundo, onde se colocava uma espécie de torneira “ o espicho”, quando aberto permitia a saída da água ruça. O mestre enchia a talega com as azeitonas previamente esmagadas, despejava sobre essa massa, água quente, sovava, esmagava, pressionava,  torcia ,de modo que se libertasse a água e o “azeite”, os líquidos iam desaguar ao alguidar, obedecendo às  leis da física, devido às diferentes densidades, estes não se misturavam, permitindo colher o azeite deste modo que nadava à superfície.

Para fazer a prova do azeite fazíamos, então, as nossas maravilhosas e saborosas “ tibornas “ com o novo azeite e o pão ainda quente, acabado de sair do forno comunitário.