quinta-feira, 28 de abril de 2011

Os "contratos" da Páscoa





Escreve


Amílcar Felício





[Retirado com a devida vénia de http://cp-saoroquedofaial.blogspot.com]


Era a altura em que os adultos voltavam a ser crianças, brincando às escondidas durante quase um mês e em que os jovens aprendiam a ser adultos combinando e cumprindo à risca, tudo aquilo que tinha sido acordado. Era um acordo efectuado ou entre jovens e adultos ou simplesmente entre jovens, cerca de um mês antes da Páscoa e estavam em jogo seis ou doze amêndoas das grandes ou das pequenas que uma das partes deveria oferecer à outra, conforme as posses dos contraentes.

Tenho referido diversas tradições em que Alcoutim era fértil nos tempos daquilo a que costumo chamar de Alcoutim Romântico e que se estendeu até quase aos princípios da década de sessenta. Desde o Dia da Espiga, ao Dia das Comadres, ao passeio anual ao Pezinho da Nossa Senhora, ao Dia das Testadas, às Fogueiras e Mastros dos diversos Santos Populares etc., era um nunca mais acabar de ingénuas e salutares atividades e confraternização entre os alcoutenejos e que se prolongavam por quase o ano inteiro!

Por ser altura de Páscoa lembrei-me desta Tradição a que chamávamos “Fazer o Contrato” e que se processava do seguinte modo: um dos contraentes perguntava a um parceiro “queres fazer Contrato comigo?” e se houvesse acordo entre as partes celebrava-se o dito, combinando à partida o número de amêndoas em jogo que seriam pagas no Domingo de Páscoa. Ainda quando telefono nestes dias a alguém mais chegado, a primeira palavra que me ocorre e que lhes digo é sempre “Oferece” e todos nos rimos naturalmente.

Era celebrado com o dedo mindinho de cada um dos pares entrelaçados e em movimento ora direito a um ora direito ao outro e em que de viva voz se celebrava o contrato, cantarolando os dois ao mesmo tempo: Contrato/Contrato/Contrato faremos/no Sábado de Aleluia/Ofereceremos! Estava assim celebrado o contrato, tipo “aperto de mão” como no século XIX.

Ao longo do mês e sempre que um dos contraentes via o outro, gritava-lhe “ajoelha” a que ele obedecia sem pestanejar, pois tinha sido visto em primeiro lugar.

O grande dia naturalmente era o Sábado de Páscoa em que meio mundo se escondia da outra metade de esquina em esquina ou até em casa, arrastando-se por vezes este jogo do gato e do rato até quase ao fim do dia, à coca de apanhar o outro contraente desprevenido e assim disparar-lhe o célebre e certeiro “Oferece”! Quando isso acontecia estavam ganhas as amêndoas! Mas todos pagavam o montante acordado não havia caloteiros...

Era uma das muitas Tradições que deixaram de existir em Alcoutim certamente e em que possivelmente já nem se fala. Desconheço a sua origem!