(PUBLICADO NO JORNAL DO BAIXO GUADIANA Nº 73 DE MARÇO DE 2006)
[A Rua de Nª Sª da Conceição com as escadinhas. Óleo de JV]
Ainda que aquilo que escrevo, como não podia deixar de ser, seja da minha inteira responsabilidade, traduz sempre a minha análise sobre as coisas.
Acontece algumas vezes que sou alertado para determinadas situações, muitas delas já por mim observadas e com as quais concordo, outras já assim não acontece por sensibilidades diferentes.
Quando há dilatados meses me foi dado reparar que por encanto tinham desaparecido completamente as velhas, conhecidas e toscas escadinhas, que o povo designava por Escadinhas da Rua da Parada, fiquei perplexo, não queria acreditar. Mas isto era a minha sensibilidade, podendo ser diferente da maioria dos alcoutenejos. Se isto se tivesse passado no norte do País, tudo seria diferente pois se o povo não tivesse gostado do seu banimento, de certeza se teria manifestado imediatamente, dizendo da sua justiça.
Ao sul, as reacções são diferentes, mais comedidas, preferem criticar aqui e ali e por vezes até com medo de serem ouvidas. Em alternativa, mesmo que não tenham gostado, cultivam o dito popular cala-te boca!
Uma ou outra queixa escondida ou pouco explícita não fez ferver a minha opinião até que, em Agosto último, quando alguém que me acompanhava verificou que as escadinhas onde tinha brincado, onde aprendeu a elevar o pesito para vencer o degrau, já não estavam lá, perguntou-me, como se a culpa fosse minha, então destruíram as escadinhas que eu conheci toda a minha vida! ? Não posso acreditar, se por aqui já passava pouco, muito menos vou passar agora – penas que não se vêem, não se sentem, como diz o povo, com razão.
Quando esta troca de (más) impressões teve lugar, logo apareceu, talvez por ter ouvido a conversa, outra alcouteneja, esta que igualmente por ali nasceu e brincou e rondando já as oito décadas que apoiou as críticas abertas que estava ouvindo.
Comentavam as então utentes das escadinhas a circunstância de por “encanto” terem desaparecido. Fazíamos as nossas conjecturas numa tentativa de encontrar uma razão justificativa.
Porque seria? Haverá por aqui alguém que deseje passar com o seu veículo automóvel e assim o possa ter junto da residência ou em garagem? Se assim fosse, tinha acesso pela travessa de Nª Sª da Conceição!
Terá a ver com a recolha do lixo?
Será que desapareceu o grau de inclinação justificativo da existência das mesmas?
Pela nossa parte não encontramos justificação. O grau de inclinação não diminui, pelo contrário, aumentou. Os cubos de pedra que vieram de outras paragens têm faces mais regulares e depois de polidos, estamos convencidos, podem provocar quedas de consequências imprevistas.
Os responsáveis alcoutenejos de então, apesar da falta de técnicos, não tiveram dúvidas de ali mandarem construir aquelas escadinhas, com uma pequena inclinação e tudo isto para proteger de qualquer percalço, os seus utentes.
O xisto e o grauvaque utilizados naturalmente na vila pois são produtos locais, começaram a ser substituídos pelo mármore e pelo calcário!
Para as minhas interlocutoras, aquela já não é a sua rua!
Serão actuações como esta que defendem o seu património construído?
Sinceramente que NÃO.
[Local onde se encontravam as escadinhas na Rua de Nª Sª da Conceição. Foto JV, 2010]