Desde sempre a morte obedeceu a rituais conforme a religião professada, o poder económico e político e até o meio em que ocorre.
Os rituais têm sofrido modificações no decorrer dos tempos e nos últimos anos os meios de comunicação céleres fomentam alterações mais rápidas e mais consentâneas com o mundo em que vivemos.
O que diriam os nossos avós às frequentes e cada vez em maior número de cremações?
Quem não ouviu contar aos soldados portugueses que estiveram nos anos sessenta em Goa, Damão e Diu, as cremações hindus que tanto os admirava?
Ainda que de uma maneira geral se mantenha o fundamental, a verdade é que o ritual da nossa morte já não vai ser igual ao dos nossos pais e ainda mais diferente do dos nossos avós.
Os testamentos até cerca de metade do século XIX tinham como principal fim a salvação da própria alma já que davam directrizes para o efeito, de uma maneira geral debaixo de um normativo que pouco variava. (1)
A confraria das almas que tinha o seu altar próprio em todas as igrejas paroquiais estava relacionada precisamente com a morte.
[Igreja Matriz da Freguesia do Pereiro. Foto JV]
Ainda me lembro dos confrades se apresentarem com as opas cumprindo a sua missão nos enterramentos.
Após o último suspiro e tentando sempre que lhe tivessem sido ministrado os últimos sacramentos, o corpo era lavado e vestido com o melhor que tivessem, por familiares e amigos. Eram-lhe atados os pés com um nastro e a boca através de um lenço e as mãos sobre o peito cruzadas. Uma vez hirtos, recolhiam-se os atavios.
Com a chegada do caixão era necessário armar o altar.
Escolhida a divisão da casa, normalmente a mais espaçosa, colocava-se uma arca, o que normalmente todas as casas tinham, em posição central e perto de uma das paredes. Cobria-se com uma toalha branca colocando-se depois o caixão, ficando a cabeça mais próxima da parede escolhida, na qual se colocava estendido um lençol branco ao meio do qual era preso por uma das pontas um lenço preto.
[Candeeiro de defunto. Foto Ana Teixeira, 2006]
Um candeeiro de cobre, de quatro bicos e alimentado por azeite que ardia através de pavios, tomava o seu lugar. Era exclusivo destas cerimónias, por isso, recebia o nome de candeeiro de defunto e só possuído pelas famílias mais abastadas que o emprestavam a quem não o tivesse.
Na aldeia o acontecimento era transmitido através do sino da igreja com um toque próprio e conhecido de todos.
Não havia telefones e era muitas vezes necessário dar parte do sucedido a familiares que viviam em povoações mais ou menos próximas. Havia na aldeia um homem que se dedicava a efectuar recados e era ele que cavalgando em bom muar efectuava esse trabalho.
O velório começava à noite e estendia-se pela noite fora, entrando uns e saindo outros conforme as suas necessidades.
Atendendo a que o azeite é um bem precioso e que o consumo se fazia sentir, as pessoas que iam ao velório levavam sempre uma garrafa de azeite para assim auxiliarem a família do defunto nessa despesa.
O cortejo fúnebre lá seguia a caminho do cemitério sendo o caixão transportado pelos homens que se iam revezando.
[Portão do cemitério da Freguesia. Foto JV,2006]
Nos tempos mais recuados pagavam-se a pessoas para chorarem o defunto (carpideiras) e não há muitos anos o povo comentava sempre o nível de pranto praticado!
A missa do mês era sempre cumprida. Quando o altar era mais paramentado, chamavam-lhe missa de pano o que encarecia o preço.
Era obrigatória a distribuição da esmola aos assistentes. Todos os que saíssem pela porta principal a ela tinham direito recebendo os adultos o dobro dos moços e quem saísse pela porta lateral era porque não queria receber a esmola.
Bem me lembrou a principal fonte deste tema, na habilidade que tinha de usar para fugir à mãe e passar pela porta principal! (2)
A morte dos pais obrigava a um ano de luto, quanto aos avós estava fixado em seis meses. Filhos e marido, os lutos eram permanentes
As viúvas punham um xaile preto de lã sobre a cabeça que por vezes ainda era coberto por uma saia. Os homens, quando lhe morria a mulher, filhos ou pais, além de se vestirem de preto, enrolavam-se numa manta e não faziam a barba durante um certo tempo e não se lavavam.
As casas e em sinal de luto não eram caiadas durante dois anos e os tachos de arame e outros utensílios eram escondidos ou emborcados com o mesmo sentido.
Já há muito que os defuntos vão para a igreja e poucas reminiscências que referimos se podem encontrar.
NOTAS
(1) – “Como era a vida entre gente rústica do norte e nordeste transmontano vista através dos testamentos do século XVIII”, António Maria Mourinho, in Amar, sentir e viver a história, Eições Colibri, 1995.
(2)- A então Presidente da Junta de Freguesia.
N.B.
Este texto foi extraído do nosso livro A FREGUESIA DO PEREIRO (do concelho de Alcoutim)«do passado ao presente», Edição da Junta de freguesia do Pereiro, 2007.