terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Lavagem das mantas

Este uso ou costume ancestral, ainda que em moldes ajustados à vida actual, continua a praticar-se nesta freguesia e em todo o concelho de Alcoutim, embora o seja em número mais reduzido.

As mantas poder-se-ão dividir em dois grandes grupos, as mantas de retalho (trapos), destinadas à coberta da cama, tapetes e passadeiras e as de lã as mais variadas e valiosas.

Utilizando o preto, o castanho e o azul como cores, tinham decoração variada constituída por listas, barras, quadrados e outras figuras geométricas. Ouvi sempre falar muito nas “montanhecas”.

Estas mantas eram tecidas em teares rústicos que existiam por quase todos os montes da Serra Algarvia, o que igualmente acontecia na região vizinha do Baixo-Alentejo. Tudo acabou por volta de meados do século passado.

Se a riqueza era avaliada pela qualidade e extensão da terra possuída, para se merecer a designação de lavrador, além do mais era necessário possuir uma boa parelha de machos, bem tratados (gordos) e aparelhados.

Entre as mulheres, a disputa era feita com colchas e mantas, pelo número e sua confecção, tomando em consideração a decoração apresentada.

Se muitas das mantas se guardavam nas grandes arcas de castanho, outras naturalmente andavam em serviço pelo que se sujavam e consequentemente tinham de se lavar.

[Padrão de manta premedeira. Foto JV]

[Padrão de cobertor de lã. Foto JV]

A alcouteneja fazia-o anualmente, no Verão. Como eram peças grandes, escolhiam os pegos das ribeiras e dos barrancos mais próximos e que tivessem condições para a prática.

Vizinhas e familiares juntavam-se para o efeito pois havia necessidade de entre ajuda.

No dia combinado, saiam logo pela manhã com os animais carregados, não esquecendo o taleigo com o farnel. Os homens conduziam as bestas e as mulheres lá iam como podiam, umas a pé, outras a cavalo.

Nesta freguesia recorria-se naturalmente aos pegos das ribeiras do Vascão e da Foupana, aos do Barranco do Alcoutenejo, Ladrões e Malheiro, entre outros.

O sabão utilizado era feito pelas próprias mulheres e ainda que passassem o dia a trabalhar, era um dia diferente devido à confraternização.

As mantas eram estendidas nos restolhos próximos e devido à época de forte calor, secavam rapidamente.

Regressavam ao cair da tarde com todo o trabalho realizado.

Os poços dos montes começaram a ser apetrechados de bombas manuais elevatórias, por volta de 1965, nos locais mais populosos construíram-se lavadouros públicos, após 1975 a energia eléctrica começa a espalhar-se por todo o concelho e o fornecimento de água é feito através de fontanários, para depois o ser casa a casa, na quase totalidade ainda que sem rede de esgotos. Na freguesia, só a aldeia a possui.

A rede viária, então quase inexistente, começa a surgir e hoje chega-se a locais então impensáveis.

Apesar de tudo continuam a existir pereirenses que cumprem a tradição, mas agora o transporte já se realiza de veículo automóvel e há lugar a grande piquenique.

Existem mulheres que não admitem lavar mantas de qualquer outra maneira!

Nas casas antigas, ainda não é muito pacífica a divisão das mantas entre os herdeiros.




Pequena nota
Este texto foi retirado do meu livro “A Freguesia do Pereiro (do Concelho de Alcoutim) «do passado ao presente»”, Edição da Junta de Freguesia do Pereiro, 2007.p. 171 a 173.