sexta-feira, 27 de maio de 2011

A Feira da Vila de Alcoutim fez 167 anos

Pequena nota
Este artigo foi publicado há 21 anos e certamente desconhecido de grande parte dos visitantes / leitores. A Feira de Alcoutim, que quase não existe tendo sido absorvida pela festa, tem presentemente 188 anos de existência, tantos como o Brasil como país independente.

JV


(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 28 DE SETEMBRO DE 1989)

As feiras, que remontam ao período medieval, eram eventos que procuravam juntar produtores, consumidores e distribuidores, sendo uma maneira de colmatar a falta de comunicações – difíceis e morosas pela não existência de estradas e outros meios.
Quase todas as feiras se realizavam em épocas relacionadas com festas religiosas, o que proporcionava a tranquilidade adequada, favorecida pela concessão de privilégios de vários tipos e quando isentavam os feirantes do pagamento de direitos fiscais, dava-se-lhes o nome de Feiras Francas.

Quando conhecemos a feira da pequena vila raiana, e já lá vão uns anos, espicaçou-nos a curiosidade de saber da sua idade e nome da invocação, se fosse caso disso.
O povo poderá não conhecer a data da criação, mas a invocação, sabe sempre, se ela existir.

[Dançando as "sevilhanas" nos primórdios da Festa de Alcoutim. Foto cedida por Gaspar Santos]

Quando o perguntámos, ninguém sabia dizer – só respondiam que era a Feira da Vila – sabiam muito bem que a do Pereiro, é a Feira de São Marcos, poucos dizendo, Feira do Pereiro.

E voltámos a perguntar aos alcoutenejos se a feira era moderna ou antiga. Só nos respondiam que sempre a tinham conhecido e já os seus avós dela falavam.

Na Edilidade, o diapasão era o mesmo, senão de menor ressonância.

O não ter invocação, parecia não nos levar a data muito recuada, mas a antiguidade da vila, a importância que desempenhou e a situação geográfica, eram factores a ter em consideração, para mais tendo a feira a duração de três dias. Em enciclopédias (1), anuários, agendas e outras colectâneas a que pudemos deitar mão, fomos bisbilhotar, mas só obtivemos: “Tem feira anual de três dias, de 13 a 15 de Setembro”, o que é transcrito de umas para as outras, ainda que Silva Lopes (2) indique como começo o dia 9 (nove).

Quando tivemos possibilidade, consultámos livros da especialidade mas, para nosso desânimo, nunca encontrámos qualquer referência à Feira de Alcoutim.

Porém, o desânimo não matou o bichinho da curiosidade.
Pela leitura da acta de 7 de Setembro de 1837, da Câmara Municipal, soubemos que a feira era anterior a esta data. Nessa altura a edilidade deliberou que a próxima feira que anualmente se faz o seja fora da vila, no lugar onde antigamente se costumava realizar – pensamos que se estavam referindo ao rossio – “fonte primeira”.

[Feira e Festa da Vila, 1973. Foto JV]

E continuam: No caso de haver reclamações para que seja dentro da vila, fica o Administrador do Concelho autorizado para conceder licenças, “com a condição de que ninguém atanxará hum pão para armar lojas que não pague vinte réis para reparação das calçadas e assim cada hum pagará em proporção dos paos que atanxar”. (3)

Esta tomada de posição é justificada pela “lesão nos fundos do concelho por ter de reparar as calçadas que os paos das lojas danificão e sendo rigorosa justiça que o dano seja pago por quem o cause”.

Na sessão camarária de 20 de Fevereiro de 1850 é apresentado um requerimento dos”logeiros” deste concelho que costumam concorrer a feiras e mercados públicos que se realizam no mesmo, no qual expondo que a vara e o côvado do nosso padrão é talvez o maior de todo o Reino (4), pedem à Câmara que os mesmos sejam iguais aos de Lisboa.


[Divertimento para as crianças na feira de 1973. Foto JV]

A Câmara, sabendo que as Cortes se ocupam de uma Lei para uniformizar os pesos e medidas, resolveu indeferir, mandando aguardar pela nova Lei.

É interessante a acta da sessão de 22 de Junho de 1862, que entre vários aspectos da feira nos revela a data da sua criação.

Diz assim. “…que a Feira que se faz nesta villa nos dias 13, 14 e 15 do mês de Setembro, por alvará de 26 de Março de 1822 fosse transferida para os dias 18, 19 e 20 do mês de Agosto”.
É a transcrição da proposta apresentada pelo Administrador do concelho, Manuel José da Trindade e Lima.

Para defender a sua proposta, apresenta as seguintes razões:

“Seria mais concorrida não só da parte dos logistas e porque mais comodidade vinhão para aqui da Feira dos Mártites que se faz em Castro Marim no dia 15. como tão bem por ser mez d`Agosto em que há maior affluência de gente a banhos em Sanlucar do Guadiana, sendo indubitável serem os hespanhoes que fazem o maior gasto nesta Feira.
Acresce a esta circunstância ser o sal o género de mais consummo, e que a maioria dos habitantes do concelho aqui vem comprar e fazendo-se a Feira no mez d ` Agosto, quando o sal ainda não está armasenado, deve vender-se mais barato do que provem utilidade aos habitantes do concelho, ao passo que fazendo-se a Feira em Setembro, não só pela espera já feita na armasenagem, como muitas vezes pelas chuvas que já tem caído, tem já augmentado no preço.”

Posto o assunto em discussão e não havendo dúvida nem razão contra a proposta do Senhor Administrador, deliberou a Câmara que a Feira fosse transferida para aqueles dias e como a deliberação não podia ser levada à execução sem ser competentemente aprovada pela Junta Geral do Distrito para o efeito se extraiu cópia para ser remetida do Governador Civil.

Pensamos que a mudança não se operou por falta de aprovação daquele órgão, pelo menos os 13, 14 e 15 de Setembro chegaram aos nossos dias.

Apetece-nos fazer as seguintes considerações:
- A ideia da mudança para o mês de Agosto tem acompanhado sempre os alcoutenejos, pelo menos ainda assisti a algumas conversas nesse sentido;

- A mudança preconizada parece-nos estar já impregnada da constatação de um certo declínio;

- Nesta altura já eram os espanhóis que davam animação à Feira.

[Pau de cebo, Festas e feira de 1989. Foto JV]

A Feira continuou a realizar-se na praça e ruas da vila e reconstruir um paredão que está junto ao rio para resguardar a vila da corrente das águas, resultando desta obra haver um grande espaço de terreno para a Feira, é pedido ao Governador Civil em 11 de Outubro de 1866, quando da visita à Vila.

No último quartel do século passado era requisitada uma força militar, comandada por um oficial, para que se possa manter a devida ordem e sossego. O pedido é justificado também pela “muita concorrência de indivíduos do Reino vizinho (…) e o estado actual daquela Nação”. (5)

Em 1875 as transacções foram poucas, não só pela escassez das colheitas como pela notícia que se espalhou de se fecharem os portos do lado de Espanha.

O declínio da Feira acompanhou naturalmente o da vila e nos meados do século, com a abertura de estradas, ainda mais se acentuou. Alcoutim perdeu a função de “armazém”.

Em 1951 criam-se as Festas da Vila, aproveitando mesmo aquelas datas.

As festas religiosas de Nª Sª da Conceição já tinham agonizado.

De há anos a esta parte, as festas de três dias, têm lugar no segundo fim-de-semana de Setembro, 6ª, sábado e domingo.

Se não existisse festa, talvez a feira já tivesse acabado; vai contudo no 167º ano da sua realização, se não houve interrupções.

É uma pequena achega para um melhor conhecimento da FEIRA DA VILA DE ALCOUTIM.

Quais as prerrogativas do alvará?

NOTAS

(1)-Quando é que os alcoutenejos dispõem de uma biblioteca que lhes faculte obras deste tipo, indispensáveis à formação dos indivíduos?
(2) - Corografia do Reino do Algarve, 1841.
(3) -Vide – Atanchar, in Dicionário do Falar Algarvio, Eduardo Brazão Gonçalves, 1988.
(4) - A vara valia no concelho de Alcoutim, 1,13 m e o côvado, 0,68 m, segundo a comparação feita por especialistas, in acta da sessão da C-M-A. De 5 de Junho de 1858.
(5) -Ofício nº 35, de 17 de Setembro de 1875 do Administrador do Concelho.