sexta-feira, 6 de maio de 2011

Onda versus betão

Pequena nota
Este artigo foi publicado no Jornal de Peniche (on-line) em 1 do corrente.

JV






Escreve


José Miguel Nunes







A escolha era entre uma onda de qualidade mundial e a construção de um porto de águas profundas, ou dito de outra forma, a escolha era entre a preservação do nosso património e beleza natural e o betão armado para abrigar enormes monstros poluentes, era isto que estava em jogo.

A escolha foi a onda, e toda a beleza que a rodeia, foi a melhor escolha, foi a escolha mais acertada. No meu ponto de vista, uma decisão difícil, mas revelando uma enorme coragem, e acredito que não deve ter sido nada fácil, pois as pressões devem ter sido enormes.

Esta decisão para além de preservar o nosso património natural, assume de forma clara a nossa identidade. Peniche desde sempre foi uma terra ligada ao mar, Peniche desde sempre foi uma terra que retirou do mar o seu sustento. Assim é, e assim continuará a ser.

Chegou o momento em que a mudança de rumo era inevitável, mas o mar rodeia-nos e é a nossa base, é nele que temos inevitavelmente de nos apoiar, aliás, como sempre fizemos, e foi isso que esta decisão permitiu, continuar a apostar no mar, mas numa perspectiva de preservação e não de destruição, como até aqui aconteceu, e os exemplos estão aí e são muitos.

O turismo é a nossa tábua de salvação, no entanto era importante que nos diferenciássemos da concorrência. Turismo de toalha de praia e sol existe em milhentos locais, e em grande parte deles até melhor que o nosso, era importante então que apostássemos naquilo que temos melhor que os outros, e temos melhor que os outros, não o clima nem as praias, mas sim as ondas, as nossas ondas são sem sombra de dúvidas as melhores.

Esta decisão do Município, muito particularmente do seu presidente, foi bastante importante numa perspectiva de preservação natural e ambiental, por isso aqui fica o meu agradecimento, já chega de estragar o que a natureza nos ofereceu, temos é de potenciar esse património natural com que fomos abençoados.

Muito há ainda a fazer para que esta aposta seja sustentável e permita desenvolvimento económico à terra, mas esta decisão foi o ponto de partida, agora há que adequar uma série de medidas para que não caiamos na desorganização e na anarquia, como já aconteceu e acontece noutras partes do país e do mundo.

É absolutamente essencial que haja legislação especifica relativamente aos vários negócios relacionados com o surf e com este segmento do turismo. É importante não esquecer de incluir cláusulas que permitam a preservação da natureza e a preservação da identidade do local e dos surfistas locais, que são aqueles que mais abdicam e menos usufruem desta mediatização da sua terra e das suas ondas.

Foi há pouco tempo aprovado nos Açores um DL onde os planos de ordenamento aplicáveis à zona costeira definem áreas reservadas “à prática de desportos de ondas e de windsurf”, sendo que, nessas áreas, a prática daqueles desportos “tem precedência sobre todos os usos, incluindo o uso balnear”, este é um exemplo a seguir, mas há muito mais que tem de ser feito, para evitarmos ver acontecer nas nossas praias aquilo que aconteceu em França nos anos oitenta e noventa, e mais recentemente no sul de Portugal, com actos de violência praticados entre escolas de surf concorrentes em pleno areal.

Particularmente agradeço a escolha feita, e penso que as gerações futuras também, e falo em nome da minha filha, que neste momento tem cinco anos, e que graças a esta decisão terá a oportunidade de pelo menos poder continuar a brincar na praia, e talvez mais tarde possa levar lá os seus filhos, e estes os seus… numa areia e água limpas, sem gasóleos, óleos e grandes cargueiros como paisagem.

Obrigado António José Correia, obrigado por possibilitar que a minha filha possa vir no futuro a usufruir de uma onda de classe mundial, cumprindo assim o sonho de qualquer pai surfista, o que de certeza não aconteceria se a decisão tivesse sido a outra.