[Alcoutim.Vista da porta do castelo, Abril de 2011. Foto JV]
(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 2 DE AGOSTO DE 1984)
Depois de alguns brados lançados de que o Jornal do Algarve foi um dos transmissores – insistia-se na ligação turística do litoral algarvio à Serra, servindo esta de complemento indispensável – , começam a notar-se movimentos indicativos de que algo está mudando. Para isso tem contribuído a Edilidade pós – 74, principalmente a actual e anterior vereação, com a mesma presidência.
O alargamento e melhoria da rede viária, tomando em consideração ideias velhas debatidas em grupo de amigos e defendidas por alguns que incluem os “bradadores”, o abastecimento de água, a electrificação e outras iniciativas, têm sido dados positivos que abriram perspectivas e foram já aglutinados por um ou outro investidor ou profissional de turismo.
Outro factor importante poderá ser o “esgotamento” do litoral tomando em consideração preços proibitivos. Tudo está em embrião.
Comenta-se muito os erros praticados no litoral e a circunstância do Algarve deixar de ser dos algarvios, os menos beneficiados, dizem, com o turismo. É isto que temos lido e ouvido aqui e ali.
Se num futuro próximo, como parece, o turismo for desbravar a serra-ribeirinha, penso que será necessário e com a experiência adquirida, evitar esses (muitos) erros.
O turismo não pode nem deve tirar a identidade serrana. Se o fizer, descaracteriza um povo e os verdadeiros turistas, ao aperceberem-se de que foram logrados, não voltam e não recomendam o local, afinal a melhor propaganda que se pode fazer.
O turismo da serra-ribeirinha que poderá ou deverá ter por centro a velha vila raiana, para vingar deverá manter a quietude do meio, o típico das ruas e casario, os marcos históricos em que se incluem os templos e não só, oferecer o maravilhoso rio – passeios, pesca, desportos náuticos – e o aproveitamento dos miradouros naturais, vários e de quadros que embevecessem.
A quietude é algo de maravilhoso para quem necessita de descansar depois de um ano ou vida de árduo trabalho.
As tradições, os hábitos da região devem ser rigorosamente respeitados e mantidos, para bem dos alcoutinenses e regalo dos visitantes. A gastronomia, inteiramente desconhecida, deve ser avivada, propagada e mantida com rigor. Não será gastronomia de bitola avantajada mas é, sem dúvida, diferente, característica de uma zona e é capaz de ganhar adeptos.
Pensamos ser errado levar turistas rio acima, viagem que não se esquece, para dar-lhe de almoço sardinhas ou febras assadas! Sou apreciador de tais pratos, mas não percorreria o Guadiana para almoçar assim.
Partir da vila pombalina, percorrer o Guadiana, ora de margens escarpadas, ora semiplanas e agricultadas, principalmente do nosso lado, é belo, reconfortante e até a vila pequenina nos parece uma cidade com o bom porto fluvial. Certamente que o turista se entusiasmaria ao saber que lhe iria ser servida uma caldeirada à pescador do Guadiana, por exemplo, que é diferente de qualquer outra. Mas não é só este o prato típico local. Existem muitos mais. O que acontece é que, por vezes, se tem vergonha de os apresentar, pensando-se serem mal recebidos.
E como sobremesa? Quem conhece a doçaria local já apreciada por El-Rei D. Sebastião, quando visitou a vila?
É preciso dar a conhecer ao visitante a gastronomia alcouteneja. Não a imponham mas apresentem-na como alternativa ao bife à moda não sei de quem, com ovo a cavalo ou a pé ou ao bacalhau às mil maneiras.
Em Peniche, Nazaré, Portimão Matosinhos e tantos outros centros piscatórios, não procuramos peixe do rio mas sim do mar em típicas caldeiradas, infelizmente muitas vezes adulteradas mas sempre a preços elevados, ou então a sardinha assada, fresquinha, acabada de apanhar, brilhando como prata.
Em Alcoutim deve procurar-se o muge (no litoral já goza de boa fama), de caldeirada, assado na brasa ou frito, das mais saborosas que até hoje comemos e a lampreia, produtos que originam bons pratos. Saladas de agriões criados nas margens do rio ou das ribeiras, de tomate assado ou, se quisermos experimentar, de leitugas, planta espontânea de suco leitoso.
Azeitona de água ou de sal, curtida localmente, formam bom aperitivo. Sopa de beldroegas ou de grão, à maneira do monte, ou então sopas de peixe, de lebre, coelho, galinha ou tomate, onde o pão tipo caseiro é rei, daquele que aguenta uns dias sem perder as características.
Refrescantes gaspachos acompanhados por fatias de presunto. “Jantares”, tipo de cozido, cujo conjunto heterogéneo nos confunde mas que, depois de se provar, se pede mais.
Note-se que na culinária alcoutinense, usa-se muito o alho e os orégãos, plantas aromáticas.
[Filhós de rosa]
E no campo da doçaria: nógado Ti Ana Brandoa, filhós de rosa ou canudo, empanadilhas, costas, maçapão e estrela de figo e amêndoa. Que sei eu?! E os saborosos citrinos da região, para não falar nos figos e outros frutos?
Não são só os templos e outros edifícios que estão em causa. Não é só a adulteração da vila, já iniciada que faz clamar. Em breve, os caniços, os mosaicos, cadeiras de tampo de junça, serão só uma recordação de alguns.
É preciso também defender a gastronomia e doçaria regional, que constituem uma riqueza a preservar.
Alcoutim tem a amarga experiência da Campanha do Trigo dos anos trinta, que deixou a terra mais pobre do que era. Alcoutim não suportará um turismo qualquer, mas deseja o verdadeiro.