Não foram só as ímpias agarenas, dotadas de beleza sem par, filhas de grandes senhores e ligadas a príncipes e cavaleiros cristãos, que ficaram no lendário alcoutenejo.
Nossa Senhora, segundo os crédulos, teria passado por terras alcoutinenses, abençoando-as.
O povo, em razão da sua imaginação, ainda por volta de 1972 mostrava o local por onde teria passado Nossa Senhora e o Menino, no velho caminho vicinal da Lourinhã, que passava próximo do castelo velho, sobranceiro ao Guadiana.
Ao contornar o Cerro da Mina, encontrava-se junto ao caminho uma rocha de xisto na qual estava gravado o “pezinho de Nossa Senhora”” e perto, na mesma rocha, uma concavidade que indicava o “berço”, segundo uns ou a “banheira”, segundo outros, do Menino Jesus.
Um pouco mais afastado, os agentes da natureza formaram aquilo a que chamavam “o cu do diabo” que, escorregando ali, nas suas viagens tentadoras e maléficas, deixou testemunho desse facto.
(Cerro da Mina)
A nossa curiosidade leva-nos ao local (1970), onde observámos as “inscrições”, sendo a do pezinho muito perfeita, uma miniatura de pé humano, notando-se nitidamente os cinco dedos e a planta do pé.
A natureza reserva-nos situações destas, que os povos aproveitam para arquitectar as suas “estórias”.
Sempre que passávamos por aqueles sítios, encontrávamos raminhos de rosmano e de alecrim no berço (ou banheira) e no pezinho, mas no “traseiro do diabo”, só tojo, para que se por ali voltasse, fugisse de rabo alçado!
Todos ou alcoutinenses idosos falam no “Pezinho de Nossa Senhora” e há décadas, aos domingos, grupos de jovens lá se deslocavam, em romaria, cumprindo o ritual do alecrim e do tojo.
Quando por volta de 1972/73 e na primeira tentativa de exploração frutícola da zona, máquinas procedendo ao alargamento do caminho, destruíram a “rocha santa”, o local do pezinho lascou de tal maneira que a inscrição ficou intacta, o que foi logo atribuído a “milagre”.
Quis um dos trabalhadores levá-la para casa onde era guardada com muita “devoção”.
Tempos depois e em conversa com o proprietário dos terrenos, falámos no assunto, lamentando o facto. Pesaroso ficou, criticando por não o terem avisado, pois o pezinho e seu conjunto teriam sido preservados e a tradição mantida. (1)
Foi pena.
As gerações de agora já não podem colher alecrim e tojo, enaltecendo o Bem e castigando o Mal. Dos jovens, poucos conhecerão a “Lenda do Pezinho de Nossa Senhora”.
NOTA
(1) – O Senhor Barata, já falecido e que foi proprietário do Monte do Sol (Cortes Pereiras).
(Publicado no Jornal do Algarve de 17 de Março de 1987)