terça-feira, 25 de novembro de 2008

Uma jóia que desfalece em Alcoutim

Pequena Nota
Vamos republicar hoje, na nossa rubrica Ecos da Imprensa um escrito que fizemos publicar num semanário regional, há mais de trinta e cinco anos, por isso, antes do 25 de Abril!
Tal como acontece hoje, naquela altura, muito poucos vinham para a imprensa denunciar e chamar a atenção das “misérias” verificadas, como aquelas que se relatam no texto.
O poder democrático eleito há muito que resolveu a situação, deixando o castelo num brinco em relação ao que era. Lamento que os turistas tenham de pagar uma taxa para o visitar




(Publicado no Jornal do Algarve de 12 de Maio de 1973)

Alcoutim, antiga praça forte e histórica vila, também conhecida e indicada por Alcoitim e a que os romanos chamaram Alcoutinium e os árabes, Alcatiã, situa-se na margem direita do Guadiana, para ele debruçada e no ponto de confluência deste rio com a ribeira de Cadavais, na encosta de um serro, onde principia a serra algarvia.

Foi terra importante, ponto fulcral do Guadiana, atalaia vigilante, elo de ligação entre o Alentejo e o Algarve. Por isso, os reis da primeira dinastia, por ela se interessaram. D. Sancho conquistou-a aos mouros em 1240, D. Dinis outorgou-lhe foral a 9 de Janeiro de 1304, mandando reedificar o castelo e as muralhas que a cercavam, D. Afonso IV a fez vila, concedendo-lhe outros privilégios e D. Fernando escolheu-a como “palco” para firmar com Henrique II de Castela, em 31 de Março de 1371, um tratado de paz, que ficou conhecido por “Paz de Alcoutim” e pelo qual terminou a primeira guerra que aquele nosso rei teve com Castela.

O que nos resta que prove a importância outrora desempenhada? – o antiquíssimo castelo. Crê-se que seja de fundação anterior ao domínio árabe, acompanhando a criação do povo, por isso, de eras remotas. Teve uma configuração quadrada, tal como o demonstra um desenho existente na Torre do Tombo e que representa a vila e a vizinha Sanlúcar, no século XVI.

Foi reforçado no século XVII, certamente por iniciativa de Álvaro Gomes de Gouveia que na altura das Guerras da Restauração da Independência ocupou o posto de sargento-mor deste castelo e foi encarregado de várias obras de defesa, saindo-se airosamente dessa missão.



No Algarve foi em Alcoutim que estas campanhas mais se fizeram sentir, principalmente a de 1642, devido ao constante duelo de artilharia com o castelo de Sanlúcar do Guadiana.

Teve armazéns para apetrechos de guerra e tem cisterna, há muitos anos entulhada. Do interior, resta o paiol da pólvora, de abóbada de berço e parte do cano de um velho canhão constitui o espólio daqueles apetrechos.

Os fortes muros, de xisto da região, ainda mantêm várias ameias com seteiras e pelo terramoto de 1755 “sofreram umas rachaduras”.

A porta principal é ogival, tal como outra virada para o rio e toscamente entaipada. O recinto amuralhado ocupa uma área de cerca de 2700 m2. No interior e redondezas, têm aparecido várias moedas antigas.

Em Alcoutim, segundo a lenda, uma bela agarena chora o cristão seu namorado, morto pelo guerreiro mouro, seu pai.

Da parte reforçada no século XVII, plataforma que se teria artilhado e está virada para Sanlúcar, desfruta-se surpreendente panorama sobre aquele “ayuntamiento” e distantes terras de Espanha e avista-se o majestoso Guadiana para além da Lourinhã e do Alcaçarinho, antigos postos vigilantes da Guarda Fiscal e que recentemente foram adquiridos por particulares.

A “jóia” de Alcoutim pode dizer-se que está completamente desprezada. Diga-se contudo que nos últimos anos tem sido beneficiada com pequenas reparações, que cremos serem obras dos Monumentos Nacionais, mas são muito insignificantes para aquilo de que necessita.

O paiol da pólvora, que serve de arrecadação aos mais variados objectos (madeiras, ferros, pneus e traquitanas) quase não tem uma telha inteira e a abóbada, com a infiltração das águas, muito tem resistido mas se não lhe acodem, em breve ruirá.

O pasto que lá se cria, na época própria atinge tal altura que dificilmente se entra e percorre. Valem na circunstância aos visitantes as cabeças de gado que ali encerram, pois fazem a “limpeza”. Quantas vezes aparecem nos píncaros das muralhas as nostálgicas ovelhinhas que, com os seus balidos, atordoam a pacata vila!?

O hortejo também lá murou e naqueles terrenos pisados por bravos soldados e regados com o seu sangue, têm vicejado favais e couvais!

Em 1972 alguns veraneantes, vindos em passeio fluvial, escolheram-no para “sala de almoço”. Sem dúvida que o local é excelente mas a “limpeza” tê-los-ia desiludido e nunca mais voltaram.



Quantas vilas e cidades desejariam possuir esta relíquia, para a conservar, amimar e desfrutar as vantagens que a sua presença oferece? Quantas pousadas têm sido construídas em idênticos monumentos? Quantos museus se têm organizado, neles se recolhendo os achados regionais? E por estas paragens tanta coisa tem sido encontrada que enriquece vários museus espalhados pelo País.

O castelo de Alcoutim é um manancial de sugestões. Não será um “crime” deixá-lo ser curral, hortejo ou arrecadação, para não falar no vazadouro público que já foi, não há muitos anos?

Quem olha para ti, glória do passado, relíquia do presente?