Pequena Nota
Vamos republicar hoje, na nossa rubrica Ecos da Imprensa um escrito que fizemos publicar num semanário regional, há mais de trinta e cinco anos, por isso, antes do 25 de Abril!
Tal como acontece hoje, naquela altura, muito poucos vinham para a imprensa denunciar e chamar a atenção das “misérias” verificadas, como aquelas que se relatam no texto.
O poder democrático eleito há muito que resolveu a situação, deixando o castelo num brinco em relação ao que era. Lamento que os turistas tenham de pagar uma taxa para o visitar
(Publicado no Jornal do Algarve de 12 de Maio de 1973)
Alcoutim, antiga praça forte e histórica vila, também conhecida e indicada por Alcoitim e a que os romanos chamaram Alcoutinium e os árabes, Alcatiã, situa-se na margem direita do Guadiana, para ele debruçada e no ponto de confluência deste rio com a ribeira de Cadavais, na encosta de um serro, onde principia a serra algarvia.
Foi terra importante, ponto fulcral do Guadiana, atalaia vigilante, elo de ligação entre o Alentejo e o Algarve. Por isso, os reis da primeira dinastia, por ela se interessaram. D. Sancho conquistou-a aos mouros em 1240, D. Dinis outorgou-lhe foral a 9 de Janeiro de 1304, mandando reedificar o castelo e as muralhas que a cercavam, D. Afonso IV a fez vila, concedendo-lhe outros privilégios e D. Fernando escolheu-a como “palco” para firmar com Henrique II de Castela, em 31 de Março de 1371, um tratado de paz, que ficou conhecido por “Paz de Alcoutim” e pelo qual terminou a primeira guerra que aquele nosso rei teve com Castela.
O que nos resta que prove a importância outrora desempenhada? – o antiquíssimo castelo. Crê-se que seja de fundação anterior ao domínio árabe, acompanhando a criação do povo, por isso, de eras remotas. Teve uma configuração quadrada, tal como o demonstra um desenho existente na Torre do Tombo e que representa a vila e a vizinha Sanlúcar, no século XVI.
Foi reforçado no século XVII, certamente por iniciativa de Álvaro Gomes de Gouveia que na altura das Guerras da Restauração da Independência ocupou o posto de sargento-mor deste castelo e foi encarregado de várias obras de defesa, saindo-se airosamente dessa missão.
No Algarve foi em Alcoutim que estas campanhas mais se fizeram sentir, principalmente a de 1642, devido ao constante duelo de artilharia com o castelo de Sanlúcar do Guadiana.
Teve armazéns para apetrechos de guerra e tem cisterna, há muitos anos entulhada. Do interior, resta o paiol da pólvora, de abóbada de berço e parte do cano de um velho canhão constitui o espólio daqueles apetrechos.
Os fortes muros, de xisto da região, ainda mantêm várias ameias com seteiras e pelo terramoto de 1755 “sofreram umas rachaduras”.
A porta principal é ogival, tal como outra virada para o rio e toscamente entaipada. O recinto amuralhado ocupa uma área de cerca de 2700 m2. No interior e redondezas, têm aparecido várias moedas antigas.
Em Alcoutim, segundo a lenda, uma bela agarena chora o cristão seu namorado, morto pelo guerreiro mouro, seu pai.
Da parte reforçada no século XVII, plataforma que se teria artilhado e está virada para Sanlúcar, desfruta-se surpreendente panorama sobre aquele “ayuntamiento” e distantes terras de Espanha e avista-se o majestoso Guadiana para além da Lourinhã e do Alcaçarinho, antigos postos vigilantes da Guarda Fiscal e que recentemente foram adquiridos por particulares.
A “jóia” de Alcoutim pode dizer-se que está completamente desprezada. Diga-se contudo que nos últimos anos tem sido beneficiada com pequenas reparações, que cremos serem obras dos Monumentos Nacionais, mas são muito insignificantes para aquilo de que necessita.
O paiol da pólvora, que serve de arrecadação aos mais variados objectos (madeiras, ferros, pneus e traquitanas) quase não tem uma telha inteira e a abóbada, com a infiltração das águas, muito tem resistido mas se não lhe acodem, em breve ruirá.
O pasto que lá se cria, na época própria atinge tal altura que dificilmente se entra e percorre. Valem na circunstância aos visitantes as cabeças de gado que ali encerram, pois fazem a “limpeza”. Quantas vezes aparecem nos píncaros das muralhas as nostálgicas ovelhinhas que, com os seus balidos, atordoam a pacata vila!?
O hortejo também lá murou e naqueles terrenos pisados por bravos soldados e regados com o seu sangue, têm vicejado favais e couvais!
Em 1972 alguns veraneantes, vindos em passeio fluvial, escolheram-no para “sala de almoço”. Sem dúvida que o local é excelente mas a “limpeza” tê-los-ia desiludido e nunca mais voltaram.
Quantas vilas e cidades desejariam possuir esta relíquia, para a conservar, amimar e desfrutar as vantagens que a sua presença oferece? Quantas pousadas têm sido construídas em idênticos monumentos? Quantos museus se têm organizado, neles se recolhendo os achados regionais? E por estas paragens tanta coisa tem sido encontrada que enriquece vários museus espalhados pelo País.
O castelo de Alcoutim é um manancial de sugestões. Não será um “crime” deixá-lo ser curral, hortejo ou arrecadação, para não falar no vazadouro público que já foi, não há muitos anos?
Quem olha para ti, glória do passado, relíquia do presente?