quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A pesca à colher, arte extinta no Guadiana


(Barco armado de colher, do falecido pescador Raimundo, no cais de Alcoutim, 1968)
A primeira vez que abordei este assunto foi no já distante ano de 1977, no número de 30 de Setembro do Jornal do Algarve, quando era seu modesto colaborador, publiquei “A pesca no Guadiana em Alcoutim”.

Anos depois, voltei a abordar o assunto no meu trabalho, Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia), 1985.

Trabalhando para uma hipotética 2ª Edição daquele livro, acrescentei naturalmente aquilo que fui recolhendo com o andar dos anos, já que nestes assuntos existe sempre algo mais para dizer pois nunca se consegue dizer tudo.

Como o título do artigo indica, esta arte encontra-se completamente extinta no Guadiana e consequentemente em Portugal pois não consta que se tivesse praticado em qualquer outra parte do país.

A referência mais antiga que conheço é a que nos fornece Baldaque da Silva (1) afirmando que (este tipo de pesca) é pouco usado pelo insignificante lucro que dá.

Bastava um homem para praticar tal arte.


(Barco armada de colher na 3ª Feira de Artesanato)
A lancha, apetrechada com a colher que consistia em duas varas bastante compridas que formam entre si um ângulo agudo, coberto por uma rede de malha de 10 mm, onde se colocam chumbadas, dirige-se para a margem, indo fazer aquilo a que o homem do rio chamava “pescar contra a terra”.

A colher, colocada à ré, afunda-se pelo manejo do pescador que vai remando em direcção à margem. Próximo dela, atira pedras, ora para a direita, ora para a esquerda, ora para a frente, tentando a junção do peixe sobre a rede que, quando muito próximo da margem, é levantada. Na rede, formando saco, encontrava-se o peixe saltitando.

Quando se fala na pesca do Guadiana, é sempre referida esta arte, não pelo interesse económico que tivesse tido, mas sim e segundo pensamos, pelo seu ineditismo.

Em 1986, num programa de televisão da bióloga, Clara Pinto Correia, ouvimos dizer-lhe que esta arte foi trazida de Espanha, onde era utilizada antes de ser descoberta pelos pescadores portugueses, mas não indica a proveniência.

Mais concreto é José Manuel Fernandes que em Rios de Portugal, 1990 (2), escreveu:- "A pesca que utiliza a arte de colher, praticada apenas no Guadiana e no Guadalquivir, está a cair em desuso devido ao grande esforço que requer a manobra da rede."

Noutro trabalho diz-se que é curioso ver em Guerreiros do Rio, entre Alcoutim e Odeleite, velhas artes de pesca artesanal, redes de colher que descem nas águas e regressam cheias de pequenos e saborosos peixes. (3)

Mário Ventura, em trabalho jornalístico (4), escreveu:- "À margem encosta uma pequena embarcação, com uma estranha arte de pesca: é a colher, explicam-me que só se encontram no Guadiana. Talvez restem, quando muito, duas ou três artes deste tipo."

Também nós, em 1967, quando vimos pela primeira vez acostar, ao velho cais da vila aquela aventesma, ficámos embasbacados.

Tudo isto faz parte do passado, só num cortejo histórico poderemos voltar a ver uma embarcação armada de colher.

As outras artes estão em declínio, mas não é a altura de falar nelas. Ficará para uma próxima oportunidade.
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NOTAS
(1)-Estado Actual da Pesca em Portugal, 1891, pág. 322
(2)-Edições Gradiva.
(3)-ALGARVE, Novos Guias de Portugal, José Victor Adragão, Editorial Presença.
(4)-"Guadiana - Um rio desconhecido no sul (II)", in Diário de Notícias, 22 de Julho de 1985.