sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A acção da Inquisição de Évora no concelho de Alcoutim



Já escrevemos a acção do Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa em relação ao concelho de Alcoutim, tendo dito que voltaríamos ao assunto para o caso da Inquisição de Évora, o que agora vai acontecer.

Devido à área geográfica que abrangia, na qual se incluía Alcoutim, é natural que haja um maior número de processos.

Em 1571 aparece-nos o primeiro, ou pelo menos aquele de que temos conhecimento. Trata-se de Luís Henriques, cristão-novo, natural de Alcoutim mas residente em Beja, filho de Henrique Vaz e de Catarina Fernandes e casado com Maria Rodrigues. É acusado de judaísmo, apostasia e heresia. Foi preso em15 de Janeiro daquele ano mas desconheço os resultados do processo. (1)

Grácia Gonçalves, com cerca de quarenta e cinco anos, é natural de Martim Longo, concelho de Alcoutim, viúva de Álvaro Dias e filha de André Gonçalves (lavrador) e de Maria Rodrigues.
Igualmente cristã-nova, é acusada dos mesmos crimes do que o primeiro referido (2). O auto-de-fé decorreu em 31 de Março de 1591, tendo sido queimada na Praça. (3)


(Aldeia de Martim Longo, 2008)

Desenvolve-se depois um processo contra o Padre Luís Gonçalves e seus coadjuntos (?) sendo os testemunhos prestados em 13 de Julho de 1594. Examinadas as denúncias, não pareceram bastantes para se proceder contra eles.

As coisas não ficam por aqui pois em 12 de Novembro de 1595 é preso João Lourenço, casado com Grimanesa d´ Orta, cristão-velho, sacristão na Igreja de Alcoutim. Era filho de Belchior Lourenço e de Constança Lourença.
É acusado de sodomia. O réu e o prior foram denunciados por António Salazar de Melo, Juiz dos Órfãos. Entre as testemunhas que deu encontrava-se Manuel Luís, escravo do Prior. Por não pagar as custas do processo, o réu foi preso na cadeia de Évora em 17 de Julho de 1598 e posto em liberdade, em 13 de Agosto de 1598, por se encontrar muito doente. (4)

O Padre Luís tinha entretanto sido preso (2 de Dezembro de 1597) e tinha subornado testemunhas. A Inquisição de Lisboa manda suster a demanda até ser ordenada outra coisa em contrário.(5)

Nos primeiros anos do século XVII é preso Tomé de Alcoutim, que afinal é natural de Évora onde reside, filho de Francisco de Alcoutim e de Graça Lopes. Nestas épocas, os nomes das terras quando aglutinados aos antropónimos, significavam de uma maneira geral o local de origem.

Acusado de judaísmo, heresia e apostasia, foi solto em 19 de Janeiro de 1605, por ter sido abrangido por um breve do Papa Clemente VIII. O mesmo aconteceu a sua irmã Maria de Alcoutim, solteira, de cerca de cinquenta anos (6)

Só muitos anos depois voltamos a encontrar outro processo. Trata-se de João Mestre, solteiro, natural de Cachopo, então pertencente ao concelho de Alcoutim e morador em Montes de Afonso Vicente.
Considerado lavrador de profissão foi preso em 10 de Novembro de 1656, acusado de judaísmo. Por não confessar as culpas, foi sentenciado a tormento, confessando-as depois. Auto-de-fé de 18 de Abril de 1660 e foi mandado cumprir degredo. (7)

E os processos continuam.

Agora é António Banha, morador em Vale de Cachopo, actual Cachopo e então pertencente ao concelho de Alcoutim. Está a contas com o Santo Ofício de Évora, acusado em 9 de Junho de 1668 de blasfémia. Acabou por ser admoestado e repreendido. (8)

Voltamos aos crimes de judaísmo, heresia e apostasia. O acusado é João de Moías, proprietário, casado, filho de Fernão Miguel e de Ana Morais. Foi preso em 28 de Maio de 1671 e julgado em 28 de Março de 1683. (9)

Seguem-se dois casos de crime de bigamia. Gaspar Martins Guerreiro, que vivia da sua fazenda (expressão que chegou até ao século XIX no concelho de Alcoutim), era natural do pequeno monte de Ferrarias (hoje desabitado) da freguesia de Vaqueiros e morava no concelho de Almodôvar. Foi preso em 24 de Julho de 1701.(10)

O outro caso é referente a António Afonso, casado, igualmente da freguesia de Vaqueiros. Foi preso em 14 de Agosto de 1715 e o auto de fé é datado de 26 de Janeiro de 1716.

Terminamos com um caso especial neste contexto, o do clérigo de Missa do Hábito de S. Pedro, Luís Martins Bravo, natural da aldeia de Giões, concelho de Alcoutim, filho de Diogo Rosado e de Ana Baptista, solteiro, acusado de perturbar e impedir o ministério do Santo Ofício.


(Ass. do Familiar do Santo Ofício, Cap. Domingos Gomes Delgado)
O réu foi solto em 28 de Julho de 1701 para se apresentar na Inquisição de Coimbra e aí cumprir o degredo. Tendo-se apresentado em Miranda (do Corvo), foi-lhe comutada a pena, acabando por concluir o degredo em Évora. (11)

O Professor Borges Coelho, no excelente trabalho Inquisição de Évora dos primórdios a 1668, em dois volumes, 1987, que fez o obséquio de me o autografar refere que até àquela data localizou 1 residente em Alcaria Cova (Pereiro), dois naturais e quatro residentes em Alcoutim e um natural de Martim Longo.


NOTAS

(1) – ANTT, Inquisição de Évora, proc. 11204.
(2) - ANTT, Inquisição de Évora, proc. 267.
(3) - Inquisição de Évora dos primórdios a 1668-vol.1, António Borges Coelho, 1987, pág.95
(4) – ANTT, Inquisição de Évora. proc. 11223
(5) – ANTT, Inquisição de Évora, proc. 11561
(6) – ANTT, Inquisição de Évora, proc. 2741
(7) – ANTT, Inquisição de Évora, proc. 8649
(8) – ANTT, Inquisição de Évora, proc.3732
(9) – ANTT, Inquisição de Évora, proc. 1963
(10) – ANTT, Inquisição de Évora, proc. 10478
(11) - ANTT, Inquisição de Évora, proc. 10483