sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A desaparecida Capela de S. Martinho nas Cortes Pereiras

(Publicado no Jornal do Baixo Guadiana, nº 103, de Novembro de 2008, pág. 25)

O Monte de São Martinho
Não é vila nem cidade
É uma Capela de oiro
Onde brilha a mocidade

O Monte de São Martinho
Que linda posição ´stá
Lindas rosas ´stá criando
Quem delas se gozará?


Estas quadras populares, coligidas por J. Leite de Vasconcelos, (1) demonstram bem a devoção deste povo por tal santo, orago da capela e que acabou por dar nome a este núcleo populacional.


(O Monte de São Martinho)
Quando se deu o repovoamento desta zona (séc.XIII – XIV), este culto era especialmente estimado, ombreando com o de S. Miguel. (2)

São Martinho, festejado a 11 de Novembro, surge muitas vezes na lenda em que teria partilhado a sua capa com um mendigo cheio de frio após o que lhe terá aparecido Cristo. Nasceu na Panóia, actual Hungria, tornando-se célebre pela sua inesgotável caridade.(3)

Onde está a capela de oiro referida na quadra?

Ainda é possível determinar o lugar em que se situava, lá no cimo do cerro. Já não é muito o que resta, pouco mais do que os alicerces.

Desconhecendo-se a data da fundação, em meados do século XVI já se diz que é antiga. Nesta altura he huma soo casa pequena de duas ágoas, madeirada de castanho, mal encaniçada; as paredes são de pedra e barro desguarnecidas de dentro e de fora.
Quanto ao altar he d alvenaria`, está cuberto com humas toalhas e nelle a imagem de são Martinho de vulto feita e pintada de novo, encima tem hum ceo de pano de linho.

Era reparada à conta de esmolas dos seus devotos. (4)

Em 1758 ainda se encontrava ao culto pois o pároco da freguesia respondendo à pergunta 13 do questionário, escreveu: Tem esta freguesia (…) de Alcoutim dentro dos seus limites (…) a Ermida de São Martinho: todas estas ermidas estão sujeitas ao Ordinário deste Bispado e à Paróquia.
No parágrafo seguinte, para a situar, escreveu: (…) São Martinho está no sítio acima dito das Cortes Pereiras, meia légua distante desta vila para a banda do Norte (…)

No quesito 14, respondeu:- Em alguns dias do ano vão algumas pessoas, assim da freguesia, como de fora a São Martinho (…) sendo que no dia da sua festa sempre concorre mais gente; fora do dia da sua festa não tem dias determinados, nem há sempre as tais romarias (…). (5)
Como se constata, há pelo menos 250 anos a ermida estava ao culto e até tinha romeiros da freguesia e de fora, além da festa concorrida no seu dia.

O grande arqueólogo algarvio, Estácio da Veiga, chama-lhe, em 1878 Ermida Velha de São Martinho. Nela recolheu um cipo de mármore, com inscrição funerária, medindo de altura 1,50 m, de largura 0,62 m e de espessura, 0,35 m. De origem romana, foi encontrado em posição invertida o que levantou a hipótese de ter sido aproveitada a base como mesa. Esta peça faz parte do Museu Nacional de Arqueologia. (6)

Da correspondência trocada entre o Administrador do Concelho e o arqueólogo, respigámos:- (...) mandei imediatamente pessoa competente, ao sítio onde se acha o grande monumento epigráfico de mármore, encarregando-lhe que com o maior desempenho e cuidado o fizesse conduzir a esta vila. Voltaram depois dizendo que era muito difícil a sua condução não só porque calculavam o seu peso em mais de 800 kg, como também a longitude de 6 km a percorrer de péssimo e escabroso caminho, demandando por isso de imensa dificuldade e grande despesa. (7)


(Ruínas da Capela, desenho de J.V.)

Pensamos que este monumento epigráfico é o cipo a que nos referimos e que felizmente acabou por ser levado para o sítio indicado.

Quando conhecemos o local, por volta de 1970, foi-nos informado pelo nosso cicerone, (8) nado e criado no São Martinho, que ali era o São Martinho Novo, pois o Velho, que ficava na aba sul do pequeno cerro, zona rústica ainda assim conhecida, tinha desaparecido completamente.

Diz a lenda que o santo, muito isolado, aparecia no cimo do cerro pois dali avistava os seus irmãos : - Sta. Marta (no monte do mesmo nome), Nª Sª das Neves (Mesquita-Espírito Santo), Nª Sª da Conceição (Vila) e São Marcos, no Pereiro. Por esse motivo, e para não contrariar o santo, construíram nova capela, ficando assim o santo sossegado.
Esta lenda repete-se por variadíssimos locais do País, com um mínimo de diferenças.
Após a ruína e profanação da Ermida, que a memória não situou no tempo e a escrita se o fez, ainda não é do nosso conhecimento, para onde teria ido a imagem do patrono, já que não aparece nos templos vizinhos?

Há anos falou-se muito na construção de uma nova capela e consta-me mesmo que foi doado terreno para o efeito.

Nunca mais ouvi falar em tal!
Há quem pense que a escola primária faz o mesmo trabalho!

Não foi assim que pensaram as gentes de Santa Marta ou do Pessegueiro, por exemplo, e isto para não falar nas gentes de Clarines que com a ajuda das entidades locais restauraram a velha Capela de Nª Sª da Oliveira.

NOTAS

(1)-Cancioneiro Popular Português
(2)-Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Adenda, pág. 892-
(3)-Dicionário de Santos, Jorge Campos Tavares, Lello & Irmão, Editores, Porto, 1990 pág.102
(4)-Visitações” da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Hugo Cavaco, 1987.
(5)-Memórias Paroquiais – 1758, in ANTT
(6)-“A Capela de São Martinho e as Cortes Pereiras”, José Varzeano in Jornal do Algarve de 28 de Dezembro de 1989.
(7)-Ofício nº 20 de 13 de Janeiro de 1880, in livro copiador de correspondência expedida.
(8)-António Costa Teixeira, que foi morador no Ferro a quem nos unia laços familiares por afinidade e de amizade.