sábado, 13 de dezembro de 2008

O velho cais da Vila de Alcoutim



A construção perde-se no recuar dos tempos. As boas condições de navegabilidade do Guadiana interessaram aos povos invasores da península e por aqui passaram, entre outros, Fenícios, Romanos e Árabes.

É natural que a construção do cais tivesse acompanhado a fundação da vila, já que seria uma necessidade de capital importância.

Um paredão de alvenaria, corroído pelo tempo, destinava-se a barcos de maior calado. Grossa corrente de ferro, que ninguém se lembrava de ser colocada, utilizava-se para a amarração.

Doze degraus, constituídos por largas lajes de xisto da região, colocados em arco de círculo, formavam escadaria propícia a atracação de pequenos barcos de pesca ou de recreio. Foi assim que o conhecemos.

O cais constituiu sempre o pólo fundamental da vida alcouteneja. Ainda hoje as pessoas sem dar conta disso vão parar ao cais.


(Cais velho e cais novo, 1965)

É interessante conhecermos uma postura municipal dos meados do século XIX e que procura regular a conservação, limpeza e aceio do caes.

Diz assim:
Artº 1º - He absolutamente proibido lançar ou ter fateixas sobre o Caes desta villa, bem como prender cordas, amarras, ou outra qualquer coisa ao mesmo Caes, salvo no mourão que para esse fim ali se acha designado: o que transgredir esta determinação pagará de multa seis centos réis pela primeira vez, e o dobro em caso de reincidência.

- 1º - He considerado Caes todo o espaço que fica do mourão em linha orizontal para a parte do Norte até à parede que divide o Esteiro; e nelle he prohibido o embarque ou desembarque de géneros ou coisas immundas sob pena de pagar dois mil réis de multa o contraventor.

- 2º - Para o embarque e desembarque de cousas immundas se designa o espaço que fica ao lado do mourão para a parte do Sul, que se appelidará de Ante Caes.

Artº 2º - Toda a pessoa que sujar o Caes, seja com o que for, e o não limpar dentro de seis horas depois de concluído o carreto ou embarque do género, ou coisa que o sujou, pagará seis centos réis de coima.

Artº 3º - Na mesma pena incorre todo o indivíduo, que depois de levantar o género immundo do Ante Caes, em vinte e quatro horas, o não fiser limpar. (1)


Sabe-se que os restos do pelourinho da vila foram utilizados, depois do mesmo ter sido destruído, em 1878, nas obras que então se efectuaram no cais. (2)

As descidas do Guadiana em barco à vela, iniciadas em 1973 e anos depois continuadas com outras variantes, originaram primeiro a “edificação” de uma rampa de lançamento e mais tarde a adulteração completa do escadório que foi “reforçado” a cimento tapando totalmente as lajes! Um crime desculpável por falta de conhecimento!

Em 1995 diz a imprensa (3) que a “construção do novo cais foi o primeiro passo para um melhor aproveitamento das potencialidades do rio Guadiana”.

As placas acostáveis de madeira (o que foi considerado um novo cais), inutilizaram depois de longos séculos, o velho cais que apesar de velhinho, desempenhara com garbo, no dizer de Luís Cunha, as suas funções desde tempos imemoriais, e se, na sua tardia aposentação, devido à construção do novo, muito depois da idade aconselhável, algumas culpas houve, tal se deve aos “médicos” da junta que só ao entardecer acordaram, e nanja a ele. (4)

Em publicação de 1982 e noutras posteriores, os trechos dedicados à vila são por ele documentados fotograficamente.

Temos conhecimento da existência de mais dois cais perto deste, para montante, mas de menor importância. Trata-se do “cais do mineral” de que recentemente apareceram vestígios e como o nome indica destinava-se à saída do minério e o de Premedeiros, mais acima e de sentido comercial.



NOTAS

(1)-Alcoutim Visto Através das Posturas Municipais (1823-1858), José Varzeano, 1989.

(2)–Vide”O destino do Pelourinho da Vila de Alcoutim”, José Varzeano, in Jornal Escrito nº 37, de Novembro de 2001, p. III, encarte do Notícias do Algarve de 22.11.2001.

(3)-“Novo Cais em Alcoutim”, Hélder Oliveira, in Jornal do Algarve de 12 de Outubro de 1995.

(4)-“Uma estrada marginal ligando Alcoutim a Castro Marim oferecia extensa zona venatória ao turismo do Algarve”, Luís Cunha, in Jornal do Algarve de 7 de Abril de 1973.