sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Termos e Expressões Alcoutenejas

No nosso trabalho, Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídio para uma monografia), 1985, a página 295, o ponto 10 tinha o seguinte título:- Vocalulário Regional e Estribilhos.

A actualização e correcção que temos vindo a realizar a partir daquela data, proporcionou-nos um aumento considerável de texto, parte do qual faz parte deste escrito. Excluímos as palavras e expressões que publicámos naquele trabalho.

Hê - de - me ir para o Algarve
Hê - de lá `star oito dias
Hê - de empregar os mês olhos
Nas mais lindas algarvias


Esta quadra popular recolhida em Alcoutim por J. L. de Vasconcelos, indica que o homem da serra quando desce ao litoral para colocar os seus produtos e vender o carvão, dizia e diz que VAI AO ALGARVE, como se Alcoutim não o fosse também. (1)

O alcoutenense não possui um falar próprio que o distinga de qualquer outro. Não podemos dizer que seja tipicamente algarvio pois sofre influência do falar alentejano com quem pega e desde sempre manteve relações de todos os tipos.

Além da influência dos falares da planície, que a norte do concelho mais se poderá dizer que a absorve, sente também, de uma maneira efectiva, a vizinha Andaluzia.

A rapidez no falar típico do algarvio choca-se por vezes com a lentidão da do alentejano.

Não há por conseguinte um dialecto próprio que de qualquer forma individualize este povo; contudo, muitas palavras, frases e expressões são típicas da zona e de certa maneira a identificam.

PAU DE PITA SEM MIOLO é expressão que designa um indivíduo magro e débil.

Quando há matéria para rir abundantemente, é hábito dizer-se QUEM QUER RIR ESTÁ A TEMPO.

COZEM-SE OS FEIJÕES OU AS FAVAS quando se ressona.

O homem do campo possui a CAVADEIRA (espécie de enxada), o PIQUE (picareta) e o RASTILHO (ancinho) e para transportar estrume usa a GORPELHA que coloca sobre o burro.

O artesão que trabalha a madeira nas cangalhas ou cadeiras utiliza o CEPILHO (plaina pequena) e o REBOTE (plaina grande).


Aos chícharos chamam ERVILHAS QUADRADAS, às romãzeiras, ROMANEIRAS. BATATA é a designação de batata-doce e à outra chamam BATATA REDONDA.

Ao órgão sexual do porco chamam VERGALHO e às uvas quando os bagos suportam mal o seu interior, UVAS VAZONAS.

E as expressões e termos usados frequentemente pelos alcoutenejos continuam.

Afinal o que aconteceu? Ora, o que é que havia de ser, deu-lhe a TRAMOQUÊRA (ficou aparvalhado). Se lhe tivesse dado o TRANGALOMANGO, tinha ficado trémulo e com deficiências motoras.

A PORCA-SARA (bicho de conta) é utilizada como isco na pesca e à forfícula, designada por tesoura e bicha-cadela, aqui é mais conhecida por RASPELHO.

Esta água é NASCIDIA (2) (proveniente de nascente no local), utilizando-se também para as pedras, para aquelas que não foram ali postas.

ATANCHAR ou TANXAR (3) é um verbo muito utilizado e que aparece com frequência em Posturas Municipais e actas do século passado. Significa introduzir alguma coisa perfurante, fixando.

Por aqui ninguém diz monte ou colina, mas sim CERRO,

POÇANCO designa um pequeno poço.

Se não estás sossegado levas uma TALOCADA (cacetada, bordoada).

Dois termos, entre muitos já referidos, de origem espanhola: DORNILHA, tigela de madeira para fazer o gaspacho e FORNILHA (fornalha, pequeno forno, onde se cozinham as refeições).

CAREPA é a palha de milho desfiada com que se enchiam os colchões.


APANHAR UM CHIBATO significa ir à caça e não matar nada.

Ao cortar o pão, a mãe pergunta:- Queres uma fatia de FORA A FORA? (uma fatia cortada a toda a largura do pão).

Estar ESPALDEIRADO é estar bem instalado, refastelado.

ESTAR AO FOGO é sinónimo de “estar ao lume”, “estar à chaminé”, como se diz no Alto-Alentejo.

O “fogo” é alimentado pelas ARREIGOTAS, termo importado do Alentejo e que aqui significa raiz avantajada de esteva formando cabeça.


CHUPÃO é a designação dada a uma pequena chaminé baixa que além da confecção dos alimentos permite que as pessoas se aqueçam, É lá que se encontram a tenaz, a trempe, o triângulo e o canudo de cana ou ferro. É fundamental que o chupão TIRE bem (saia com facilidade) o fumo. O alcoutenejo diz que o melhor fogo de mato é o de esteva e a nível de cepos (lenha grossa), o de amendoeira. Quando os cepos têm proporções avantajadas, chamam-lhe MADEIROS que utilizam pelo Natal.

AMADURAR emprega-se em vez de amadurecer.

Na zona do Pereiro, as mães dizem aos filhos: DÁ-ME CONTINAS (vontade continuada) de te bater, quando eles se portam mal. No mesmo local ABANAR O ZANGARRO significa não estar de acordo, duvidar fortemente.

FLATE (flato) é utilizado para significar dores de origem não especificada, sem importância de maior.

A variedade de feijão, vulgarmente conhecida por feijão-frade, é aqui designada por FEIJÃO CARETO, igualmente chamam FEIJÃO RAIADO ao feijão catarino e FRADE a uma variedade de abóbora que muito apreciam.

O alcoutenense que procura melhorar o interior da sua habitação diz que a vai ESCAIOLAR o que significa aproximadamente “estucar”.

Ao regressar de extenuante trabalho ou de executar algo que a canse de forma pronunciada, remata-se quase sempre com ESTOU DADA.

Os primos direitos são aqui chamados PRIMOS – IRMÃOS.

Aos grelos chamam ESPIGOS e às couves que enrolam, formando bola, REBOLOS.

Andar de RABOLETA é andar aos trambolhões

FAZER UM BARATILHO é vender ao desbarato.

A CATRENITA (Catarina) é muito LAIVOSA (gosta de carinhos) e a BIA (Maria), AMORUDA (meiga).

A minha filha está sempre ENFLAITADA (desejosa, preparada) para sair, diz a mãe. A construção do verbo terá por base FLAITA (instrumento musical) e a sua aplicação tem um sentido de passeio, festa.

PANDEIRÃO foi-me revelado por uma criança que todos os dias ia ver o “pandeirão” (bezerro de poucos dias) que por ser muito jovem era molengo, tinha pouca acção. Quando lhe perguntava o que tinha ido fazer dizia-me sempre e atabalhoadamente que tinha ido ver o pandeirão, que significava, molengão.

Quando os porcos chafurdam nos terrenos, roendo e estragando, diz-se que CHABAÇARAM tudo.

Ao granizo chamam ÁGUA DE PEDRA.

O diminutivo “ito” é muito utilizado, como em CANITO (cãozinho) e PANITO (pãozinho). O pão classificam-no em PÃO PADEIRO e pão caseiro.

DORMIR A FOLGA é dormir a sesta.

Estar DELIDA é estar muito fraca.

Fazer uma coisa À FEDOCA é realizá-la desajeitadamente.

O alcoutinense usa com frequência a expressão JOGAR A MÃO que não é fácil de caracterizar. Jogar a mão não é a mesma coisa que deitar a mão. Jogar tem o sentido de um acto efectuado com habilidade e com o objectivo que há em qualquer jogo - ganhar.

CORTO usa-se em vez de cortado, como DEBOTO em vez de debotado.

Um BOQUEIRÃO é uma boca grande (entrada) na parede, tipo janela, por onde era introduzida a palha no palheiro.

PADEJA-SE com a pá na eira para acabar de limpar o trigo.

Quando qualquer coisa amarga bem, diz-se que AMARGA QUE NEM UM PIORRO (SERÁ PIORNO ?)

Um PAU DE ARAME é um poste e uma ESQUILA um pequeno chocalho que se utiliza nos animais.


TUPIR usa-se por entupir e SOVÃO por cevão.(4)

POLEIRÃO é um alto, um galo e uma SOFINA um pau que serve de pregadeira. Ser MALINO é ser irrequieto.

Estar uma CALMENZORRADA é estar muito quente, onde não corre bafo de ar e o sol não aparece. É um calor abafado.

ESCAMALHAR é um verbo muito utilizado que significa espalhar.

Diz-se CAFÉ PRETO para o distinguir do café com leite.

Andar por esses XARASES quer dizer andar por esses campos cheios de estevas (xaras).

COME QUE SE DESUNHA - come tanto e tão sofregamente que parece querer comer as unhas !

Muitos e talvez mais expressivos estribilhos, expressões e termos podiam ser referidos apesar da lista apresentada não ser propriamente curta. Indicámos os que mais nos impressionaram e de que tomámos nota.
Qualquer leitor que conheça o concelho lhe encontrará falhas e faltas.

NOTAS
(1) - Guia de Portugal, Raul Proença, 1927 – pág.189.
(2) - Um registo de mina de manganês feito em 26 de Junho de 1863, situa-a nas ensemalhas do barranco do Brejo e Águas Nascidias.
(3) - Entre muitas outras, consta da acta da Sessão da C.M.A. de 2 de Janeiro de 1850.
(4) - Li no Diário de Notícias de 25 de Dezembro de 1996, o seguinte título: “Em Alcoutim come-se o sovão de criação”.