Se nisto de encantamentos fosse possível fazer cronologia, classificaria esta das mais distantes, o que não evitaria que a considerasse das mais enraizadas no concelho de Alcoutim.
Como é próprio das suas características, o local do encantamento é um roqueiro castelo, só possível identificar através de escavações, o que em parte foi feito pela Professora Doutora Helena Catarino.
(Cerro das Relíquias, escavações arqueológicas, 1990)
O cerro das Relíquias situa-se a cerca de quatro quilómetros da aldeia de Giões e sobranceiro à ribeira do Vascão. Aí tinha existido uma capela, além de uma fortificação que fazia parte de uma linha colocada ao longo da faixa piritosa alentejana.
O Cerro das Relíquias foi possivelmente o primeiro local onde o homem se fixou nesta zona, como atestam alguns achados arqueológicos, havendo uma ligação estreita ao monte de Clarines.
De tudo o que resta nesta simbiose Relíquias/Clarines, pensamos que sobressai o aspecto lendário, traduzido pela existência de uma lenda que através dos tempos tem tido várias derivações.
A lenda da moura encantada no Cerro das Relíquias é-nos apresentada por Ataíde de Oliveira, em As Mouras Encantadas e os encantamentos do Algarve, Editado em 1898 (1). Dedica-lhe cinco folhas e foi-lhe transmitida pelo gionense, António Joaquim Teixeira, da antiga família Teixeira. Além do aspecto lendário são transmitidos factos concretos e a indicação de achados arqueológicos.
Estas lendas têm sempre várias versões. Num interessante trabalho executado pela Escola Básica Integrada de Alcoutim, (7º ano, 1996/97) li duas, referidas como Lenda da Moura Encantada (Serro das Relíquias) e Lenda do Serro de Arreliques (Clarines), numa recolha do aluno João Dias.
A versão que aqui vou contar foi recolhida em 1990 e quando subimos ao cerro de onde desfrutámos excelentes vistas. Fomos acompanhados pelo Sr. Manuel Mateus Teixeira, que teve a amabilidade de nos servir de cicerone então com oitenta e cinco anos, que chegou ao cimo mais fresco do que eu, apesar da grande diferença de idades.
Nesta altura já se tinham realizado algumas escavações que estivemos a observar e a fotografar.
O nosso cicerone era proprietário de uma grande courela nas proximidades e conhecia a zona como ninguém, vivendo ali isoladamente, deslocando-se à aldeia e na altura para comprar pão e pouco mais.
Foi – nos dizendo que em tempos “tinha subido ao cerro grande companhia com pás e piques à procura de oiro antigo”. Estava a referir-se, ao que creio, ao ano de 1864 em que Francisco Martins, moleiro de Giões sonhou com o lugar onde estava o oiro e com vinte sócios levaram um mês a cavar encontrando só três moedas de cobre, sendo duas romanas. Isto é o que refere Ataíde de Oliveira.
É evidente que o Sr. Manuel Teixeira tinha que nos narrar factos relacionados com a Moura Encantada que estava no cerro esperando que alguém a desencantasse. E foi assim que foi dizendo:
O maioral (pastor) José Gomes, que era de Clarines, andava pastando o gado nos terrenos das Relíquias que eram do seu patrão, o meu avô Joaquim Cavaco Teixeira.
Ao cair da noite, quando o maioral estava sentado num penedo, vigiando o gado, ouviu uma voz dizer-lhe:- Boa noite vizinho!
Olhou para o lado e viu uma formosa donzela, a quem respondeu:- Não a conheço por ser minha vizinha !
O diálogo continuou acabando a donzela por convidá-lo a ir a sua casa onde o receberia com tudo do melhor que ele pudesse imaginar, mas havia uma condição, não podia admirar-se nada do que visse.
Acedendo ao convite, lá foram. Entraram por uma gruta que ele nunca tinha visto, apesar de conhecer bem o local. Poucos metros andados um enorme clarão mostrou-lhe tantas barras de oiro que o homem, estupefacto, levando as mãos à cabeça, afirmou: Jesus, valha-me Deus e o Santíssimo Sacramento.
Ah! Ladrão que me dobraste o encanto e ouviu-se um grande estoiro, tudo desapareceu e o pastor, quando abriu os olhos, cheio de medo, estava no mesmo sítio em que a moura o tinha encontrado.
Nunca mais o José Gomes voltou ao Cerro das Relíquias a apascentar o seu gado, concluiu o Sr. Manuel Teixeira.
Aqui fica registada mais uma versão desta antiquíssima lenda.
NOTA
(1) –A Edição que adquirimos é da responsabilidade de “Notícias de Loulé”, e de 1994. A Moura de Giões encontra-se na pág 207 e seguintes.