terça-feira, 2 de dezembro de 2008
A estrutura defensiva da Vila de Alcoutim em meados do século XVIII
(Vistas do Castelo do Serro da Mina, Foto J.V. 1968)
Já abordámos em várias ocasiões este assunto que engloba naturalmente o seu castelo e as muralhas que cercavam a velha vila raiana, não desprezando, como é evidente, as suas portas. (1)
Alguma coisa se tem escrito, certo e errado sobre este assunto. Umas vezes as afirmações são feitas em face de documentação idónea e então estamos na primeira situação, outras são afirmações avulsas, por vezes meras suposições ou conjecturas e então estamos muitas vezes no segundo caso.
Vários autores se têm referido ao assunto, como o P. Carvalho Costa (2), Caetano de Lima (3), Silva Lopes (4), Charles Bonet (5) e Pinho Leal, (6) entre outros, alguns limitaram-se a copiar aquilo que os outros disseram, certo ou errado.
Consultando as Memórias Paroquiais de 1758 (7) que têm servido de base a muitos trabalhos históricos, principalmente na área do conhecimento das “terras”, verifiquei que há referências sobre este aspecto, que penso, ninguém deu a público.
(Restos de Muralha recentemente destruidos)
Respondendo à pergunta nº 25 do Questionário, o pároco da Igreja Paroquial de Alcoutim, que tem por orago, O Salvador do Mundo, informa que a vila era murada, com muros ou paredes de pedra e barro, com pouca consistência pois com frequência estão caindo pedaços (8) deixando bocas abertas. Diz que os muros ou paredes foram dispostos como se faz numa cerca para evitar a entrada do gado.
Quanto às portas das muralhas, por onde se sai e entra, diz que são quatro. Uma para o nascente, ou Sanlúcar de Guadiana, a que chamam Porta do Rio, em cuja entrada está uma porta interior junto da Casa da Guarda. Parece assim que depois da porta propriamente dita e que dava para o exterior, haveria que vencer outra indicada como interior. Logo a seguir, a três ou quatro varas de distância estaria outra porta considerada exterior, concluindo: e estas são duas portas das quatro que digo. Não atribui qualquer designação a esta segunda porta, mas afirma que sobre elas e na muralha está um quase robulim (revelim), o que se compreende para defesa das mesmas, como a própria designação indica.
(Adarve do castelo, 1986)
E continua o pároco: Tem outra porta para o sudoeste, a que chamam Porta de Tavira com casa de guarda perto. A outra porta está para o noroeste, a que chamam Porta de Mértola e conclui escrevendo. Estas são as portas por onde se entra e sai desta vila as quais todas as noites se fecham e abrem todas as manhãs.
É referido que em todas as portas está um soldado de guarda pois a praça é guarnecida com destacamento todos os meses, os quais costumam ser enviados da Praça de Castro Marim. Algumas vezes vinham companhias inteiras mas ultimamente não vêm mais que quinze soldados comandados por um sargento.
(Rua Portas de Mértola)
Depois de descrever as muralhas com as suas portas, o pároco diz que a vila tem castelo, ou para melhor dizer, uma fortaleza, coisa muito antiga e que está dentro da vila. Procura depois descrevê-la:- é quadrada e uma ponta que tem para a banda de Castela é a que está mais fortificada.
Informa também que este Inverno (1757/1758) caiu uma grande parede para a banda de Portugal, e assim se acha. Esta parede (muralha) penso que é aquela que está virada para a Capela de Nª Sª da Conceição. Indica depois instalações para os soldados dormirem e refere uma casa de abóbada para os cabos. Será aquela ainda hoje existente?
Quanto aos apetrechos de guerra, dá como existentes sete peças de ferro, acrescentando que alguns se encontram em perigo para quem as usar pois têm consertos de pouca segurança.
Devido à sua posição, a fortaleza (castelo) de Alcoutim, estava toda descoberta em relação ao castelo de Sanlúcar, em posição mais elevada e reerguido durante as guerras da restauração de Portugal, por D. Jerónimo Ró, Mestre de Campo-General. (9)
Fustigando a artilharia “castelhana” da sua posição elevada o castelo de Alcoutim, resolveram os portugueses construir um pequeno forte num serro próximo (pensamos tratar-se do que é hoje conhecido por Serro da Mina (ou de Sta. Bárbara) e de noite para lá levaram duas peças com as quais metiam as balas no castelo de Sanlúcar, equilibrando assim a situação de guerra o que veio originar tréguas. O pároco refere as ligações familiares entre alcoutenejos e sanluquenhos.
Presumo que estes factos teriam tido lugar nas Guerras da Sucessão, em Espanha (1704/1713) em que Portugal se envolveu, apoiando o Arquiduque Carlos.
Digo isto porque o pároco informa que no local existiam remendos e vestígios do forte.
Se encontramos no que acabamos de escrever coisas já conhecidas, outras para mim são novidade.
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NOTAS
(1) – “O Castelo de Alcoutim (achegas para o seu conhecimento)”, in Jornal do Algarve de 4 de Julho de 1985; Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Achegas para uma monografia), 1985 e “Portas e Muralhas de Alcoutim, pequena Vila raiana”, in Jornal Escrito, nº 26 de Outubro de 2000, encarte do Postal do Algarve de 26 de Outubro de 2000.
(2) – Corografia portugueza e descripçam do famoso reyno de Portugal (…), Lisboa, 1706/1712.
(3) – Geografia Histórica, Lisboa, 1734
(4) – Corografia do Algarve, 1841.
(5) – Algarve (Portugal) – Descrição Geográfica e Geológica desta Província, 1850
(6) – Portugal Antigo e Moderno, Dicionário Geográfico, Lisboa, 1873, Vol.l
(7) – Dicionário geográfico de Portugal [Tomo 2, A 2], PT – TT –MPRQ/2/12
(8) – É curioso verificar como ainda hoje este substantivo é frequentemente usado pelos alcoutenejos em muitas situações e até aparece como antropónimo, certamente proveniente de alcunha.
(9) – Diccionário Geográfico-Estadistico-Histórico de España y sus posesiones de Ultamar, por Pascual Madopz, Madrid, 1845-1850 e “Sanlúcar de Guadiana, uma terra com mais de 700 anos”, in Jornal do Algarve de 7 de Setembro de 2000.