sábado, 6 de dezembro de 2008

O Tribunal da Inquisição de Lisboa e o concelho de Alcoutim



A Inquisição ou Santo ofício foi introduzida em Portugal a pedido de D. João III, por bula do Papa Paulo III, de 16 de Julho de 1547, destinando-se a impedir os abusos e delitos dos hereges contra a Religião Católica, sendo visados especialmente os cristãos-novos, mouros e judeus obrigados à conversão, mas que eram considerados cristãos de segunda, sendo-lhe vedado, pelo seu sangue impuro, o acesso a muitas regalias.

Por outro lado, eram igualmente visados os crimes considerados graves contra os bons costumes e a castigar aqueles que o praticassem, como era por exemplo a bigamia e a sodomia.

Foram estabelecidos tribunais em Évora, Lisboa e Coimbra, o que mais tarde foi alargado ao “Império Português”.

É a primeira vez que vamos abordar este assunto em relação ao concelho de Alcoutim, ainda que já tivéssemos publicado um “escrito” em relação à nossa freguesia natal. (1)

A acção terrífica deste Tribunal fez-se sentir em todo o país e o concelho de Alcoutim não foi excepção como iremos ver.

Neste artigo iremos referir o pouco que conhecemos mas só em relação ao Tribunal de Lisboa, ficando o de Évora para outra oportunidade.


(Igreja Matriz de S. Salvador, em Alcoutim)

A primeira vítima que conhecemos é um jovem de cerca de 24 anos, natural de Alcoutim, solteiro, de profissão mercador. O crime de que foi acusado foi de ter negociado com mouros! Valeu-lhe o crime a sentença de pagar 20 cruzados para obras pias, as custas do processo, além de penitências espirituais. A sentença teve lugar em 1 de Julho de 1552. (2)

Doze anos depois aparece-nos outro jovem, da mesma idade, Mem ou Mendo Rodrigues, natural de Martim Longo, mas a residir em Tavira, sapateiro de profissão, filho de André Gonçalves e de Maior Rodrigues, todos cristãos-novos, casado com Violante Fernandes. Foi acusado de judaísmo. No auto-de-fé realizado em 16 de Julho de 1564 foi sentenciado a abjurar, penitências espirituais, instrução na fé católica e proibido sair do reino sem licença dos inquisidores. (3)

Aparece-nos agora uma mulher, de 60 anos, de nome Maria Mendes, natural de Alcoutim, mas residente em Tavira, filha de Simão Dias e de Leonor Afonso, viúva de Bartolomeu Gomes.
Foi presa em 8 de Julho de 1566 e julgada em 9 de Março do ano seguinte por judaísmo tendo sido condenada a abjurar (renúncia da fé), instrução da fé católica, ao uso perpétuo de hábito penitencial e ainda por cima a cárcere. (4)

A vítima agora, Diogo Bocarro, não é natural de Alcoutim, mas sim de Beja, contudo o seu pai, Gomes Rodrigues, cristão-novo, tinha sido alcaide-mor de Alcoutim. A mãe era D. Catarina de Piosa, cristã-velha.
Foi preso em 6 de Setembro de 1624, por isso durante o período Filipino e diz-se isto porque o preso tinha residência em Sevilha, e durou mais de dois anos a ter lugar o auto-de-fé que lhe confiscou bens e condenou às práticas habituais de anti-judaísmo que o tribunal preconizava. (5)

Apresentamos agora um caso um pouco diferente e que por isso mesmo se torna curioso. Um mercador, natural e morador na Guarda, viúvo, de 60 anos e de família de cristãos-novos, foi preso em 11 de Outubro de 1660 acusado de judaísmo. Foi sentenciado em auto-de-fé, realizado no Terreiro do Paço, em Lisboa no dia 17 de Setembro de 1662, condenado a abjurar as suas práticas heréticas e outras penitências habituais e degredado por cinco anos para o Brasil. Depois diz-se que foi cumprir o degredo para Alcoutim, possivelmente o Brasil foi trocado por Alcoutim.
Sofre entretanto um segundo processo, preso em 11 de Junho de 1665 (possivelmente estaria em Alcoutim), tendo sido sentenciado em 4 de Abril de 1666, com as penas de continuar o tempo em falta do degredo que lhe tinha sido imposto em Alcoutim e ao pagamento das custas. (6)

O último caso que temos conhecimento é já do século XVIII e aqui a acusação é a bigamia.
O acusado Bartolomeu de Horta, de profissão, maioral de ovelhas (como ainda se diz em Alcoutim), era natural de Almendro, Reino de Castela, tinha 50 anos e residia em Pedrógão, termo de Beja. Os seus pais, Lourenço Rodrigues e Inês Pereira são naturais da vila de Alcoutim.
Casou duas vezes e apresentou-se voluntariamente na Mesa do Santo Ofício, confessando as suas culpas. Entre as penas habituais com que foi castigado, foi degredado por quatro anos para o reino de Angola. A sentença é de 28 de Junho de 1744. (7)


(Este lintel, possui a seguinte inscrição - Esta obra mandou fazer Afonso Madeira Corvo Familiar do Santo Ofício, 1628)

Sabe-se também que depois de 1755, Sebastião Teixeira, natural de Tremelgo, freguesia de Martim Longo, filho de outro Sebastião Teixeira e de Luzia Mestra, pretende concorrer a um lugar mas o Conselho Geral do Santo Ofício considerou que as habilitações eram incompletas. (8)

Comissários e Familiares faziam parte da rede de funcionários do Santo Ofício e estavam espalhados por todo o País.

Os Comissários provinham de pessoas eclesiásticas que davam cumprimento às diligências que lhe eram cometidas, através dos solicitadores e dos familiares. Entre outras atribuições competia-lhe darem parecer nas informações de limpeza de sangue.

Os Familiares deveriam ser pessoas de confiança e que vivessem abastadamente. As diligências de que fossem encarregados eram pagas ao dia. (9)

Diogo Mascarenhas de Figueiredo, foi prior de Martim Longo e exercia as funções de comissário do Santo Ofício em 1665. (10), enquanto eram Familiares, Afonso Madeira Corvo e Gaspar Gomes, ambos sepultados no igreja matriz de Alcoutim. (11)

A Inquisição foi abolida por decreto de 1821.

¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬


NOTAS

(1) – “Temas Varzeenses – A Inquisição na freguesia da Várzea”, in Correio do Ribatejo de 3 de Outubro de 2008, pág. 9.
(2) – ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc 8944.
(3) – ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 2859
(4) – ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 2887.
(5) – ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 5645. Sabemos que um Diogo Dias Bocarro era em 1566 o almoxarife do Marquês de Vila Real (Conde de Alcoutim) na vila de Alcoutim.
(6) – ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10496 e 10496-1.
(7) – ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10274
(8) – ANTT. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas, doc. 5240.
(9) – Inquisição de Évora – dos primórdios a 1668 , António Borges Coelho, Caminho, Lisboa, 1987, pág67 a 69.
(10) – Alcoutim, capital do nordeste algarvio (Subsídios para uma monografia), António Miguel Ascensão Nunes (José Varzeano), 1985, pág. 384
(11) – Idem., ibidem, pág 320 e 207 respectivamente.