quarta-feira, 8 de julho de 2009

O caniço


Em escrito publicado num mensário regional, tivemos oportunidade de nos referirmos à cana e à sua importância na vida alcouteneja.

É a uma das suas utilizações e que então referimos superficialmente que hoje vai merecer a nossa atenção.

Quando há quarenta e dois anos cheguei a Alcoutim e vi as casas forradas com canas, fiquei bastante admirado nunca pensando que pudesse ter tal aplicação.

Situações como esta encontrámos em vários campos. Por falta de contacto com elas é natural uma primeira rejeição.

Para que tal acontecesse nesta região e não em outras que já conhecíamos, teria de haver uma explicação que tentámos obter na observação atenta e numa fase posterior em alguma literatura.

Por um lado os canaviais são abundantes nas margens do rio e das ribeiras, enquanto a escassez de madeira era notória.


Nas zonas de pinhal, as telhas das casas modestas eram suportadas por ripas de madeira pregadas em traves da mesma substância, os chamados telhados de telha vã, enquanto as melhores tinham forro feito de tábuas de pouca espessura e devidamente aparelhadas, tendo nas extremidades de junção um canelamento que lhe dava enfeite.

Por aqui, arranjar as traves (a que chamam vulgarmente paus), não era fácil, poucos tinham dinheiro para as mandar vir de fora e quando isso acontecia, vinham rio-acima, onde ficavam em qualquer porto e depois era necessário ir buscá-las em burros. A maioria das pessoas procuravam adquiri-las localmente entre as árvores que possuíam e é por isso que se viam muitos paus tortos utilizados nestas aplicações, por falta de outros mais perfeitos.

A cana tem época própria para ser colhida, é na altura do repouso da planta quando está devidamente vidrada. Se assim não for, depressa se desfaz, apodrecendo.

As canas, junto às paredes, são ajustadas a uma cana guia, em posição vertical e por corda de sisal através de um nó especial e fixas aos paus por pregos e com o auxílio de varas de loendro devidamente rachadas.

Nos últimos tempos o caniço começou a ser forrado com papel das sacas de cimento e sobre o qual punham uma leve camada de massa.

É importante dizer que este tipo de forro acaba por ser o mais adequado ao clima da região, considerada das zonas mais quentes do país. Com estes telhados as casas tornam-se mais frescas e se as suas paredes forem feitas de pedra e barro com larguras que rondam os 60 cm e se forem caiadas, possuímos a casa ideal destas paragens, o que vai naturalmente rareando.


Um caniço é feito por duas pessoas, o mestre e o ajudante, função que já desempenhei uma vez, e era como fazer uma cadeira ou um cesto, arte conhecida da grande maioria dos homens da região.

As paredes começaram a ser feitas, naturalmente, de tijolos e blocos de cimento para depois substituírem também os caniços por placas de cimento.

Os caniços que restam vão a pouco e pouco desaparecendo na voragem do progresso e qualquer dia ninguém sabe fazer um caniço!

Em Junho último demos uma volta e visitámos 22 povoações. Em algumas, nem vivalma! Mas a verdade é que todas estão cheias de “maisons”e os “montes” completamente descaracterizados. Foi possível, contudo, verificar algumas recuperações feitas com equilíbrio.

As fotos que se apresentam são de um caniço que tem22 anos e estará para durar. Não é contudo um caniço de encher o olho como alguns que tenho visto e que constituem peças lindíssimas.