[A Capela nos dias de hoje. Foto de JV. 2009]
[A Capela no dia da Inauguração do Cais Novo, 1944]
Sem dúvida que é um ex-libris da vila esta pequenina capela situada na parte baixa, junto ao Guadiana, para ele virada e ocupando uma área de 90 m2. (1) Várias foram as tentativas para o seu derrube e ainda que esse destino tivesse estado à vista, acabou felizmente por não acontecer. Pela nossa parte estivemos sempre contra o seu desaparecimento. (2)
Segundo alguns, assente em estacaria, as águas do Guadiana têm-na martirizado, colocando em perigo o seu patrono que numa das vezes já ia rio abaixo. (3)
Desconhece-se a data da sua fundação mas calcula-se que seja construção seiscentista, sabendo-se que já existia em 1712. (4)
Construção simples sem beleza arquitectónica mas imprescindível no local.
O portal é rectangular e as ombreiras e verga de cantaria lisa, sem qualquer ornato. Sobre ela uma reentrância na parede em forma de calote esférica e na qual se situam orifícios dispostos em forma de corola cruciforme. É o único ventilador do templo, desprovido de qualquer janela ou fresta.
[A Capela de Sto. António em 1967. Foto de JV]
Sobre o vértice da fachada de bico situa-se um pedestal encimado por cruz de alvenaria à qual, segundo reza a tradição, teriam chegado as águas do Guadiana na cheia de 1876.
O corpo da capela é rectangular, ladrilhado ao gosto regional e tem abóbada de berço. Comunica com a sacristia, um pequeno compartimento, por meio de porta rectangular.
Existiam mais duas portas para o exterior, uma do corpo da capela para a Rua do Município e a outra da sacristia.
Teve púlpito desaparecido quando do arranjo que ocorreu ao mesmo tempo do da matriz, na década de cinquenta do século passado.
[Santo António. Foto JV]
O altar era de alvenaria e de pintura marmórea. Uma imagem bonita de Sto. António com o Menino ao colo (5) era ladeada pelas de Sta. Benedita e Sta. Eugénia (6).
A imagem do padroeiro é considerada como exemplar de muita qualidade, pintada, dourada e estofada, provavelmente do século XVIII. (7) O Menino Jesus senta-se à beira do livro e a sua mão direita estendida fica mesmo debaixo do queixo do Santo. Este. segura na mão direita uma cruz sem crucifixo. Tanto o Menino como o Santo têm resplendor.
[A sineira com a sineta antes do restauro. Foto JV]
Não tem torre sineira, mas possui sobre a parede lateral do lado da sacristia sino instalado em pequeno campanário encimado por cruz artística de ferro forjado.
O telhado é de duas águas e era de telha de canudo.
Em 1867 a Câmara Municipal deliberou acrescentar os Paços do Concelho até à capela de Sto. António e não fazer outros.
A capelinha possuía, em 1878 como paramentos, uma casula, uma alva e uma estola. Também lhe pertencia uma custódia com quatro vidros, três castiçais de madeira, duas cruzes, sendo uma pintada de branco e outra de preto e uma caixa de tartaruga chapeada de prata e que tinha fechadura. (9)
Além dos bens móveis referidos, pertencia à mordomia uma casa situada na rua de Sto. António (actual Rua do Município) nesta vila e que em 1878 estava na posse de Miguel Angel de Leon, residente, na altura, nas Cortes Pereiras e que depois de ser presidente da Câmara, veio a ser barbaramente assassinado.
A confraria de Sto. António possuía em 1799 quatro mil oitocentos e trinta e cinco réis. Das doze irmandades existentes no concelho era a sexta a apresentar maior saldo. (10)
Em documentação dos séculos XVIII e XIX, encontrámos na toponímia local a designação de Rua de Sto. António, o que actualmente não acontece. Acresce também dizer que o templo era designado por igreja e não como capela.
Após a cheia do Guadiana de 1876, a capela depois de sofrer alguns arranjos serve de escola do sexo masculino. Levantou-se polémica entre o professor Simão Vieira, a Câmara Municipal, o Administrador do Concelho e o pároco que acabou por pôr “fora da mesma capella a mobília e utensílios da escola”. (11)
Pertence à Diocese de Faro. (1)
Transcrevemos agora as referências feitas por José Saramago na sua Viagem a Portugal.
O viajante onde chega, podendo, conversa. Todos os motivos são bons e este de uma antiga capela transformada em marcenaria e depósito de caixotes, se não é o melhor de todos, chega para a ocasião. Tanto mais que ao fundo ainda há um altar e um santo em cima dele. O viajante pede licença para entrar e a imagem é bem bonita, um Santo António de Menino ao colo, como se explica que aqui esteja entre marteladas e trabalho de plaina, sem uma oração que o console? A conversa é cá fora, nos degraus da capela, e o homem, baixo, seco de carnes, roçando os sessenta anos, se os não passou já, respondeu:- Vinha água abaixo quando foi a Guerra de Espanha, e eu apanhei-o. Não é impossível, pensa o viajante, a guerra foi há quarenta anos e picos, teria o salvador uns quinze anos.
A história do banho do Santo há muito era do nosso conhecimento. A marcenaria pensamos que nunca chegou a instalar-se. Há uns anos guardavam-se as cadeiras de madeira, da festa anual, na sacristia e alguma que estivesse partida era então reparada – é o quepensamos se terá passado.
[A Capela em 2004. Foto de JV]
Acresce dizer que a capela foi totalmente reparada em 1997 respeitando-se toda a sua traça, merecendo a abóbada de berço, para nós a sua parte mais valiosa, um esmerado reparo que possibilitará a sua conservação por muitos anos.
Foi suprimida a porta lateral e no seu lugar colocado um pequeno nicho com placa de mármore fazendo lembrar o restauro.
Encontra-se presentemente adaptada a núcleo museológico de arte sacra.
Nas suas imediações foram colocados bancos, uma estátua em mármore representativa do pescador do rio e canteiros de flores.
Em tempos antigos e nas fogueiras dos Santos Populares que tinham lugar em frente da capela, saltava-se à fogueira e faziam-se bailes de roda. Entre os rituais estava o de tentar encontrar a fechadura da capela com os olhos fechados. Quando tal acontecia era sinal que o casamento estava para breve, não fosse ele um santo casamenteiro!
[Monumento ao pescador do rio. Foto JV]
NOTAS
(1)- Matriz Predial Urbana – Artº da Freguesia de Alcoutim.
(2)- Vide – “Quem salva a secular capela de Sto. António na vila de Alcoutim,” in Jornal do Algarve de 18 de Maio de 1984.
(3)- Foi o nosso amigo, Francisco Mateus Xavier, vulgo Afonso Costa, que nos transmitiu a informação tendo sido ele o salvador da imagem.
(4)- “Curiosidades sobre as Igrejas Algarvias”, Álvaro Valadares, in O Algarve de 15 de Maio de 1958.
(5)- Viagem a Portugal, José Saramago.
(6)- Inventário dos Bens da Paróquia de Alcoutim – 1878.
(7)A Escultura de Madeira no Concelho de Alcoutim do século XVI ao século XIX, Francisco Lameira e Manuel Rodrigues, 1985.
(8)- Acta da Sessão da C.M.A. de 7 de Fevereiro de 1867.
(9) -Inventário dos Bens da Paróquia de Alcoutim, 1878.
(10) -Livro de Contas da Real Confraria de Nª Sª da Conceição, iniciado em 1785- págs. 18 verso a 20.
(11) -Of. Nº 130 de 20 de Agosto de 1877 ao Governador Civil.