quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Preguiças, um "monte" importante da freguesia de Vaqueiros


Este “monte” da freguesia de Vaqueiros começa logo por chamar a atenção pelo seu topónimo curioso.

A existência de um pequeno monte relativamente perto deste, e designado por Preguiça, por isso, no singular, pode-nos ajudar a uma explicação.

Naturalmente que fomos à procura em livros da especialidade se algo havia escrito sobre o topónimo.

José Pedro Machado no seu Dicionário Onomástico (...) (1) indica a existência do topónimo tanto no singular como no plural do concelho de Alcoutim, referindo mais seis espalhados pelo país, desde Vila Real a Odemira. Diz que provém do substantivo feminino preguiça.

A tendência natural e simples é tentar ligá-lo à aversão ao trabalho o que nada nos parece consentâneo com a índole desta gente trabalhadora que toda a vida tem mourejado o seu sustento nestes terrenos de fracas produções agrícolas.

Procurámos encontrar nos moradores alguma lenda que explicasse o topónimo mas nada conseguimos obter.

É que preguiça não significa só mandria, mas igualmente pau a que estão pegadas as cangalhas da canoira, sendo esta um vaso que se coloca em cima da mó do moinho e onde cai o grão que vai ser moído. (2)

Quem conhece a actividade cerealífera que foi apanágio daquelas gentes e dos moinhos existentes para a farinação, de que resta pelo menos as ruínas de um exemplar mesmo junto ao “monte”, admite que a explicação possa estar aí.

Nas Memórias Paroquiais de 1758 já aparecem os dois topónimos com um peso muito semelhante ao que têm hoje. Preguiças ocupava o 4º lugar a nível de freguesia e número de fogos e Preguiça pertencia ao grande grupo de pequenos montes tendo nesta altura apenas três.

[Placa toponímica que como tantas outras por esse país fora enganam o cidadão comum sem que ninguém lhe ponha cobro]

Silva Lopes (3) refere-o como Desperguiças e numa acta da Câmara, de 1850, indica-se Despreguiças. A placa toponímica actual indica Monte das Perguiças. O pre e o per foram sempre muito confundidos na nossa língua e aqui damos dois exemplos muito distantes no tempo. Penso contudo que o erro há muito que merecia correcção, mas até agora, ninguém se lembrou disso, pelo contrário visto a Entidade responsável continuar a manter este e outros erros do tipo.

Quem estiver em Vaqueiros e pretender alcançar o Monte das Preguiças toma a estrada municipal 506 e cerca de 3 km andados tem um cruzamento. Toma o da esquerda apanhando assim a estrada nº 505, passando pelo Malfrade e Zambujal e vamos encontrar à direita um entroncamento pelo qual seguimos, passando a percorrer a estrada municipal nº 508 e encontramos à nossa esquerda o “monte” que procuramos.

Utilizei a entrada Sul e ainda que as ruelas sejam estreitas, conseguimos circular por algumas optando por outra saída.

Já se vêem algumas construções de tipo moderno e sem qualquer ligação ao tradicional. Encontrámos contudo algumas que mantêm as características antigas. Ainda se podem ver alguns poiais lajeados ao gosto antigo, junto das paredes principais. Alguns palheiros cuja função já foi abandonada.

Existe um caminho rural, alcatroado entre o Malfrade e este monte.

Os moradores Jacinto Manuel e Manuel Martins, em Junho de 1771 fazem na Câmara Municipal o manifesto do seu gado.

Em 1850 alguns lavradores do “monte” e do vizinho Balurquinho, apresentam um requerimento na Câmara para que fosse feito coimeiro para o gado miúdo, durante o Verão, o restolho que fica entre os ditos “montes” e o Zambujal e Malfrade, para pastarem as reses e bestas. A Câmara, reunida em sessão (4), indeferiu o pedido tendo em atenção a informação prestada pela Junta de Paróquia que dá como não conveniente semelhante pretensão.

Em 1854 um morador pede à Câmara terreno no rossio do “monte” para construir uma casa mas o povo não deixou que se concretizasse tal pretensão.

Anos depois, em 1876, um maioral de gado lança fogo à eira de João Luiz, pelo que tem de responder pelo crime de fogo posto. (5)

Um morador deste monte, de nome José de Orta, no dia 30 de Julho de 1878 deslocou-se à vila, acompanhado de um descomunal varapau. Acabou por ser enviado com o mesmo e acompanhado do competente auto, ao Juiz de Direito da Comarca de Tavira, Bacharel José Júlio de Oliveira Baptista que, antes de ler o auto, libertou o homem dando-lhe o varapau. O José de Orta era simpatizante de D. Miguel e o Administrador do Concelho, Gregório de Morais, ficou fulo. (6) É impressionante como a acção de um político numa altura em que as comunicações eram quase nulas fez chegar a sua voz a um monte tão distante. É notório que só foi preso por ser reconhecido como partidário de D. Miguel Angel de Leon.

A electrificação processou-se em 1984 sendo inaugurado o fornecimento no dia 14 de Junho. (7)

A pavimentação das ruas do monte tem lugar em 1992 (8). Teve água distribuída por fontanários. Como em 2001 foi levada ao domicílio (9), no ano seguinte houve necessidade de proceder a nova pavimentação (10) ou pelo menos ao seu conserto.

Recentemente (2007) o antigo poço do monte, apetrechado de bomba elevatória manual, sofreu obras de restauro e embelezamento com a criação de um pequeno parque de merendas. (11)

Em 2005 foi aberto um furo para extracção de águas subterrâneas e para fazer face a qualquer rotura no fornecimento. (12)

Do que conheço, é na nossa opinião o mais bem conseguido, além do arvoredo adequado no próprio local, à beira da estrada foram plantados loendreiros e medronheiros.

[Poço do monte reconfertido. Foto JV, 2009]

Nas proximidades e no sítio de Caterina Fernandes foi identificada e registada em 10 de Junho de 1898, uma mina de cobre e de outros metais. (13)

A nível de população, sabemos que em 1839 tinha dezassete fogos habitados, os mesmos que Alcaria Queimada e no Censo de 1991 é indicado como o “monte” mais populoso da freguesia, com sessenta e nove habitantes, constituindo vinte e duas famílias e tendo quarenta fogos.

O povo associou-se na Cooperativa Agrícola de Rega, CRL e na Associação de Caça e Pesca.


Notas
(1) – Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte/Confluência, pág. 1211
(2) – Dicionário da Língua Portuguesa, Fernando J. da Silva, Editorial Domingos Barreira, 4ª Edição, Porto, 1984.
(3) – Corografia do Algarve, 1841 (Quadro Anexo)
(4) - Acta da Sessão da C.M.A. de 14 de Julho de 1850.
(5) - Of. Nº 78 de 18 de Dezembro de 1876 do Administrador do Concelho.
(6) - Ofício nº 186, do Administrador do Concelho e daquela data.
(7) - Jornal do Algarve de 15 de Junho de 1984.
(8) – Boletim Municipal, nº 10 de Abril de 1992, pág. 5
(9) – Alcoutim, Revista Municipal nº 8, de Setembro de 2001, pág. 2
(10) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 9 de Dezembro de 2002, pág. 8
(11) – Alcoutim, Revista Municipal nº 14 de Janeiro de 2008, pág. 16
(12) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 12 de Dezembro de 2005, pág. 25
(13) – “O Algarve Oriental Durante a Ocupação Islâmica”, Helena Catarino, in Revista do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Loulé, nº 6, 1997/98.