Pequena Nota
Temos hoje o grato prazer de oferecer aos visitantes/leitores do ALCOUTIM LIVRE o testemunho de um alcoutenejo que tem orgulho de o ser e que procura estar sempre informado do que se passa na sua terra natal. É, segundo confessa, um leitor assíduo deste cantinho que vagueia por esse Mundo fora!
Até agora foi o único visitante que respondeu ao repto que lançámos sobre o”Rancho de Alcoutim” e obter uma resposta já foi muitíssimo bom.
Entre as considerações que faz acerca do Rancho, com várias informações importantes, contempla-nos com uma excelente prosa sobre O FIM DE UM ALCOUTIM ROMÂNTICO de que conhecemos só os seus resquícios.
Fá-lo com grande realismo e acuidade recorrendo a uma escrita fluida, com um toque de graça, o que lhe é peculiar pelo que conhecemos de alguns textos que fez publicar num jornal regional.
Além das informações fornecidas, os nossos leitores poderão apreciar um estilo de escrita diferente do usado por nós e dos restantes colaboradores.
Daqui lhe agradecemos o seu contributo para o ALCOUTIM LIVRE, colocando-lhe o espaço ao dispor.JV
(resposta ao seu repto de Dezembro/2009)
Colaboração de
Amílcar Felício
Fiz parte desse Rancho...
O Rancho Folclórico encerrou a última década de uma vida comunitária intensa em Alcoutim.
A mãe dessa iniciativa foi sem dúvida alguma o Mestre João Ricardo e a menos que alguém lhe tenha soprado a ideia, não me custa acreditar que tivesse sido também ele o pai da criança. O Rancho teve uma vida efémera com certeza, porque naqueles tempos os nossos objectivos eram apenas juntarmo-nos, conviver, divertirmo-nos, participar e neste caso concreto participar nas Festas de Alcoutim daquele ano.
Os ensaios eram realizados nas noites escaldantes de Verão ao toque do Clarinete do Mestre João, num armazém da Sr. Custódia Peres na Rua Escorregadiça enfrente à actual Pensão Afonso (a antiga padaria do Sr. Munhós), onde metade da Vila se juntava para assistir e de onde saíamos, como quem saía de um banho no Guadiana.
[Rua escorregadiça]
Analisando à distância estas pequenas iniciativas culturais e de diversão como o Rancho, os Cortejos de Carnaval organizados pelo Ti Marciano, as Tardes de Magia organizadas pelo meu pai, as Récitas ou pequenas Comédias no Teatro/Oficina do Mestre Pinto, os Mastros e as Fogueiras nos Santos Populares, a organização das Festas de Alcoutim em que toda a Vila se empenhava com entusiasmo durante mais de um mês a troco de nada, os serões familiares com os vizinhos à roda da braseira nas noites gélidas de Inverno, ou as amenas cavaqueiras nos poiais das casas nas noites escaldantes de Verão à espera que o fresco chegasse, o convívio na Sociedade para uma jogatana ou um copo e a sua Biblioteca dirigida pelo Sr. Antunes Guarda-Rios, com romances que muitas vezes não passavam de folhetins de jornais meticulosamente colados em forma de livro e que passavam de mão em mão a uma velocidade estonteante, a tradicional matança do porco aonde participava quase toda a vizinhança quer na lavagem das tripas na ribeira, quer na azáfama do tratamento das carnes até à confecção da saborosa moleja para o almoço, as jogatanas periódicas de Futebol contra os Espanhóis, os de Martinlongo ou de Mértola, a organização regular de Bailaricos, as tradicionais Testadas, os Contractos na Páscoa, o Dia das Comadres, o Dia da Espiga, o passeio ao Pezinho da Nossa Senhora, as patuscadas frequentes entre a rapaziada com galinhas de um modo geral subtraídas aos galinheiros das casas mais abastadas, os passeios alancharados de confraternização da juventude nomeadamente ao Brejo etc., tudo não passava de iniciativas de uma comunidade fechada sobre si própria, solidária, que inventava a sua própria cultura e meios de diversão.
[Edifício onde funcionou a sede do C.1º D]
Como sabe Televisão não existia, Rádios contavam-se pelos dedos de uma mão, iniciativas dos poderes públicos nestas áreas nem pensar (nem nas outras...), Cinema Ambulante lá vinha uma vez por ano quanto muito e a memória que me ficou foi de ver, voltar a ver e a rever o velho Chaimite, baluarte ideológico do regime (!) e salvo erro O Jozelito Coração de Ouro... restava-nos portanto juntarmo-nos, inventar e divertirmo-nos!
Quem diria naquela época que estávamos no fim de um Alcoutim Romântico que a crise dos princípios da década de 60 destruiria para sempre, espalhando-nos por esse mundo fora! Acredite que é uma sensação estranha quando encontro um alcoutenejo daqueles tempos. E a sensação é recíproca, às vezes até as maganas das lágrimas nos saltam sem querermos! É uma mistura de enorme felicidade, melancolia, nostalgia, eu sei lá... é a sensação de termos pertencido a um outro mundo mais perfeito, sem vaidade, sem ódios nem invejas enfim, um mundo de afectos que nos percorre a flor da pele e que só continua a existir dentro de cada um de nós. Ficou na realidade uma química daqueles tempos, que nos marcaria como uma irmandade para o resto da vida! Fruto do isolamento em que vivíamos e de uma comunidade virada anos a fio sobre si própria, naturalmente...
[O Rancho de Alcoutim]
Mas vamos ao Rancho!
Penso que era importante uma pincelada sobre a época da sua formação, para uma melhor compreensão da sua existência.
Eu era o participante mais novo do Rancho e teria os meus 11, 12 ou 13 anos, pelo que a sua formação terá ocorrido em 1957, 1958 ou 1959, quanto muito 1960. Mas será fácil chegar ao ano exacto a partir do Cartaz das Festas de um desses anos.
As moçoilas reconheço-as quase todas. Da esquerda para a direita: a Bia Martinho, a Maria Antonieta (filha do Sr. Antunes Guarda-Rios), a Fernanda Canelas (filha mais nova do Sr. Carlos Sapateiro), A Chiquinha a cantadeira do Rancho (filha da Ti Ana e do Ti Justo Carteiro e tia do Zé Cavaco), a Ivone Baptista (irmã do Mário Baptista), a minha Tia Mariana, a Maria Elvira (filha mais velha do Sr. Carlos Sapateiro), a Dª Maria Rita Mário (não tenho a certeza) e a Senhorinha que era o meu par (filha do Sr. António Sapateiro). Em baixo segurando o estandarte está a Maria dos Anjos (já falecida) com o Mestre João Ricardo (seu pai) à direita e parece-me o Zé Serafim à esquerda. Em cima e da esquerda para a direita: o lº por exclusão de partes sou eu, o 2º ponho a hipótese de ser o Dimas (filho do Cabo da GNR da altura), o 3º é o Henrique Chapa de Aço (morava na casa ao lado dos seus sogros), o 4º é o Sr. Chico Canelas, o 5º não sei identificar, o 6º é o Joaquim Rita, o 7º parece-me o António Antunes irmão da Maria Antonieta, o 8º parece-me o Sr. Jacinto Sapateiro, não reconheço os 2 últimos elementos. Penso que o meu tio Zé Afonso e o Eleutério (filho do Mestre João Ricardo) também fizeram parte do rancho, mas não consigo reconhecê-los.
[O Alcoutim dos fins do "romantismo"]
A minha irmã falou recentemente com a Maria Antonieta sobre o seu Blog que desconhecia, e esta disse-lhe que ia informar o irmão que é muito interessado pelas coisas de Alcoutim. Possivelmente terá outras participações sobre este tema. O seu Blog continua a precisar de muita publicidade, Sr. Nunes! De qualquer modo tem um Arquivo Vivo em Alcoutim – a minha tia Mariana – que conseguirá identificar a totalidade dos participantes assim como as suas últimas actuações. Falei recentemente com ela ao telefone e há muita coisa gravada naquela cabecinha, embora admita que possa existir alguma confusão também, mas nada que uma informação cruzada não possa ultrapassar, pois que ainda estão vivas algumas mentes brilhantes daqueles tempos como a Ivone Baptista, a Maria Elvira, a Bia Martinho, a Chiquinha etc. A minha tia Mariana falou-me inclusivamente no nome do acordeonista que chegou a acompanhar o Rancho e numa actuação no Carnaval do ano seguinte nos Balurcos, actuação essa que eu desconhecia por ser período de aulas e andar a estudar em Lisboa. Penso contudo que terá sido a última actuação do Rancho. Falou-me também da actuação do
Rancho em anos diferentes, mas custa-me a crer, pois não guardo nenhuma memória desse facto e o meu mundo daquele tempo era Alcoutim... mas se aconteceu virá certamente nos Cartazes de Festas respectivos.
Votos de um Bom 2010!!!
Amílcar Felício