sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Vive esquecida a Vila algarvia de Alcoutim, debruçada sobre o Guadiana

Pequena Nota
O autor intitulou o artigo LANTERNA VERMELHA NA CAMPANHA DO PROGRESSO, mas o jornal substituiu-o pelo que indicamos, certamente devido ao lápis azul da censura.
Na cópia do original que foi enviado, a máquina de escrever martelou o texto nas três últimas linhas pelo que não nos é possível dar a conhecer aquilo que o autor escreveu mas aquilo que o jornal publicou.

Que eu saiba foi este o primeiro artigo que escreveu sobre a sua terra natal, que muito amava e já lá vão mais de 41 anos.

Dizer muito em poucas linhas é difícil e Luís Cunha conseguia fazê-lo. Além de revelar os seus profundos conhecimentos de Alcoutim, neste pequeno texto aborda três pontos que considera fundamentais:- TURISMO, FLORESTAÇÃO e ABERTURA DE FRONTEIRA.

A publicação deste artigo é feita precisamente no dia em que completaria 99 anos de vida, se cá estivesse. É A NOSSA HOMENAGEM A UM HOMEM QUE AMOU A SUA TERRA COMO POUCOS, UM HOMEM CULTO E DE CORAÇÃO BONDOSO.

Tivemos o privilégio de ser seu amigo. Ensinou-nos a compreender ALCOUTIM, mostrando-nos o BOM, sem escamotear o MAU.

Seria mais lógico fazer a publicação daqui a um ano, visto tratar-se do centenário.
A dúvida é se estaremos cá.


JV

(PUBLICADO NO DIÁRIO POPULAR, LISBOA, DE 24 DE ABRIL DE 1968)





Escreve
Luís Cunha




Com o seu casario em presépio, meio derruído pelo tempo, Alcoutim assenta em pequeno morro alcantilado de rocha de xisto à beira do Guadiana no preciso lugar onde a navegação à vela – fenícia, grega ou cartaginesa – condicionada pelo regime fluvial e dos ventos fazia ponto (paragem forçada de seis horas aguardando o virar da maré).

Surgida como ponto de apoio e segurança dessa navegação durante a demora, foi depois feitoria, feira e por último “ponto de maré” e armazém importante de enormíssimo interland que se estendia por grande parte do Baixo-Alentejo, papel que desempenhou até tempos relativamente recentes.

Com solos paupérrimos de xisto foleáceo permeável, áridos, que o rio fundo à laia de vala de enxugo seca completamente, Alcoutim nasceu, e viveu florescente na estreita dependência daquele condicionalismo que dela fazia “ponto de maré” e posição estratégica privilegiada.

Exemplo flagrantíssimo da contingência a que está exposto todo o fenómeno condicionado por reduzido número de factores, o seu antigo esplendor entra em franca decadência no mesmo passo em que o progresso impiedoso, abre aos povos outros meios de comunicação – caminho de ferro, barco a motor e estradas – deixando-a à margem em total esquecimento.

[Fotografia que acompanhou o artigo]

É contudo, esse mesmo progresso que destruiu a razão de ser de sua pujança abre outras possibilidades, perspectivas de vida nova de bem mais seguros fundamentos mas que o atraso técnico e cultural e os minguados recursos económicos não permitem utilizar sem a atenção e apoios externos:- atenção de uns para os favores que o rio magnanimamente continua a oferecer a qualquer indústria carecida de transportes em volume e grandes distâncias; - e de outros para que os seus próprios e imediatos interesses representaria a abertura ao turismo, desta região encantadora que sendo também um rio de margens deslumbrantes descobrindo a cada curva os mais variegados aspectos e cujas vertentes enrugadas exibem extraordinária panorâmica, panorâmica diferente, complemento ideal a quebrar a monotonia das praias; - sem o apoio generoso e carinhosa simpatia actuante das estâncias oficiais para problemas como o da florestação maciça que, dadas as fabulosas condições de concorrência oferecidas pelo rio, seria só por si segura garantia de um melhor futuro; - como a da abertura da fronteira que o acordo luso-espanhol criou mas não chegou a efectivar-se e ainda para a instante e imprescindível necessidade de execução de um interessantíssimo ante-plano de urbanização que jaz há muito nos arquivos e que, pela construção de uma ponte sobre a ribeira de Cadavais, retiraria simultaneamente a Alcoutim a condição em que se encontra de terra afogada e beco sem saída. A terra decaindo levou à crise, pela emigração em massa, mas nos que restam espelha-se fé contagiante que nuns é despertada por pura intuição e noutros pela confiança de que a Revolução trará, a seu tempo, o apoio de que carece.