sexta-feira, 12 de março de 2010

Alcoutim e S. Lucar (Vilas de Portugal e de Espanha) devem reatar a amizade que as unia

(PUBLICADO NO DIÁRIO POPULAR (LISBOA) DE 13 DE MAIO DE 1968)

Pequena nota
Publicamos hoje, na nossa rubrica Ecos da Imprensa mais um texto de autoria do nosso saudoso Amigo, Luís Cunha, publicado num jornal diário há 42 anos. Apesar da distância, mantém alguma actualidade e um regalo de leitura.
Quantos leitores do ALCOUTIM LIVRE tinham conhecimento deste texto? Muito poucos para não dizer nenhuns.
É mais uma razão para a sua publicação e homenagem ao seu autor.

JV







Escreve
Luís Cunha



Em tempos longínquos, que ficaram para além do nosso conhecimento directo, um feliz concurso de circunstâncias favoráveis proporcionava o esplendor e fortuna desta terra.

Alcoutim e a fronteira vila espanhola de San Lucar eram “irmãs siamesas” que o Guadiana ligava como veia de seiva corrente.

Entre elas havia-se estabelecido um extraordinário intercâmbio comercial de gado grosso, cavalar e muar, e vasta comunicação humana em termos de verdadeira amizade e sob todos os pontos de vista.

Os cruzamentos sanguíneos mais apertavam esses laços, e ainda hoje, bastos anos decorridos, todos os estabelecimentos agrícolas marginando aquele lado do rio são dos descendentes desses velhos portugueses.

No campo espiritual, em comunhão simpática, o português conferia animação aos festejos e diversões espanholas – que sem isso não se efectuariam – e vice-versa. A coisa chegava a ponto de o ser português ou espanhol em nada importar no derimir de uma pendência.

[A foto publicada com o texto, "Uma vista de S. Lucar, vila espanhola separada de Alcoutim (que se vê ao fundo) pelo Guadiana", não é esta que foi tirada por mim, em sentido contrário, em 1973]

Pode com facilidade crer-se que a origem comum esteja na base destes factos e que o isolamento em que ambas se encontravam do resto dos respectivos países constituísse forte contributo para a conservação do passado.

Quando o nosso próprio conhecimento começa, já as coisas não eram bem assim, apesar de existir ainda abundante comércio de vários artigos e frequentes contactos pessoais.

A guerra civil espanhola pôs fim a tudo isso. A rígida interdição de comunicações retirando ao rio a função de elo de ligação fez dele barreira isoladora, agente responsável de distinção, e, ao terminar, o estado dos ânimos não era de molde a facilitar retorno ao passado.

Depois de toda essa experiência, os dois povos reconhecem hoje a necessidade de arrimar-se na defesa da sobrevivência.

O acordo luso-espanhol de 1960 criou no seu conteúdo os meios indispensáveis à abertura da fronteira ao trânsito de pessoas e veículos, mas faltou até hoje a materialização das suas disposições.