segunda-feira, 22 de março de 2010

Luís Cunha

Pequena nota

Aproveitamos esta rubrica “Figuras do Baixo Guadiana” para simultaneamente apresentar o último colaborador (a título póstumo) do ALCOUTIM LIVRE.
A sugestão foi lançada pelo colaborador Gaspar Santos que bem conheceu Luís Cunha e sempre o admirou. Não a podíamos deixar de apoiar e logo inserimos a sua fotografia no lugar devido.
Temos a certeza de que se tivesse sido possível a existência do ALCOUTIM LIVRE no seu tempo, estaria desde a primeira hora ao nosso lado com os seus textos sucintos mas profundos e em defesa da sua terra natal que muito amava.
Luís Cunha que fixou residência nos arredores de Faro e não em Alcoutim poderá ser visto por personagens retrógradas como não amante enão defensor da sua terra, mas isso são conversas sem clarividência e de objectividade duvidosa.

JV




Nasceu na vila de Alcoutim em 8 de Janeiro de 1911.

Filho do Dr. José Pedro Cunha e de D. Domingas da Palma, fez a instrução primária na sua terra natal, tendo sido aluno do prof. Trindade e Lima e iniciou o curso liceal na cidade de Faro, concluindo o sétimo ano no Liceu do Funchal.

Vem para Lisboa onde se matricula na Escola Superior Colonial, curso que concluiu apesar das divergências frequentes com a orientação rígida do corpo docente.

No dia 3 de Fevereiro de 1940, apesar da grande cheia do Guadiana, toma o “gasolina” e vem à terra natal despedir-se de familiares e amigos pois ia tomar rumo a Moçambique, iniciando a sua brilhante carreira profissional.

Exerce funções nos distritos de Manica e Sofala, Zambézia e Gaza, aposentando-se como Intendente Administrativo. (1)

De uma cultura fora do comum, era pena fluente que bastante escreveu em louvor e defesa da sua terra, deixando colaboração no Diário Popular (2), Jornal do Algarve e provavelmente em outros.

Tivemos o prazer e a ventura de ser seu amigo. Muito conversámos. Aceitou sempre a crítica mordaz que fazíamos sobre a sua terra, dizia-nos que tínhamos razão naquilo que afirmávamos, mas que nos faltava conhecer o outro lado, o que um dia havia de acontecer, como efectivamente aconteceu.

Esperávamos sempre um pelo outro para disputarmos o cafezinho num dramático jogo de trinta e um que na maior parte das vezes nos obrigava a perder à forçada tal o conhecimento que tínhamos da maneira de jogar um do outro!

Em carta que nos endereçou, datada de Faro a 29 de Janeiro de 1974, comentava: Sabe que eu, embora lhe pareça o contrário, não tenho grandes coisas mais a dizer sobre Alcoutim, porque já tudo me esquece e não escrevi quando devia.
A frontalidade que o caracterizava causou-lhe alguns dissabores, mesmo a nível profissional, mas cimentou o seu carácter.

De uma honestidade intocável, simples e bondoso, conhecia a sua terra e o seu povo como ninguém.

[Última Casa que habitou a Família Cunha na Rua da Misericórdia. Des. de JV]

Presidiu aos destinos camarários desde 4 de Maio de 1967 a 3 de Abril de 1969.

Não se sentia, como nos confessava, nada vocacionado para tal missão que aceitou desempenhar a muito custo e em situação muito especial.

Um dia o Governador Civil convoca-o para uma reunião na qual lhe transmite a grande notícia da construção de umas tantas escolas no concelho. Luís Cunha ficou praticamente indiferente, o que levou o Governador a perguntar:- Então estou a dar-lhe esta notícia que muitos colegas seus queriam ouvir e não fica satisfeito?!

Luís Cunha, com o conhecimento que tinha do seu concelho e com o sentido de equilíbrio que o caracterizava, comentou:- Senhor Governador, essas escolas deviam de ter ido para o meu concelho quando eu andava à escola, quando estava povoado, quando não havia estradas , quando as crianças que viviam nos montes eram muitas e não aprendiam a ler por falta de escolas e professores. Agora que o concelho está a ficar sem gente e que as crianças vão rareando, as escolas de muito pouco servirão, ficarão devolutas dentro de muito pouco tempo, gasta-se o dinheiro e a sua manutenção fica constituindo um encargo para o município que não tem meios para o suportar.

Foi mais ou menos assim que Luís Cunha respondeu ao Governador e meia dúzia de anos depois as suas palavras estavam completamente provadas.

Adorava calcorrear os serros de xisto, de espingarda às costas, mesmo que não desse um tiro, sentar-se junto do paredão do velho cais, esperando que o peixe picasse, sentir junto à lareira o calor consolador da esteva crepitante ou saborear um prato regional que não trocava a qualquer outro e em que as irmãs eram exímias.

Faleceu na cidade de Faro a 16 de Janeiro de 1981 onde passou os últimos anos.

As lajes de xisto de várias tonalidades utilizadas na vivenda que mandou construir nos arredores de Faro, eram oriundas de uma sua propriedade situada em Alcoutim. Queria sentir algo da sua terra, bem perto de si, prestando-lhe assim uma homenagem.


NOTAS

(1)-Dados biográficos fornecidos por sua irmã, D. Clarisse Cunha, nossa saudosa amiga.
(2)-Acontece que o correspondente do Diário Popular era seu cunhado. Os artigos foram escritos por Luís Cunha mas enviados pelo correspondente que nessa qualidade veio a ser contemplado em Abril de 1968 com um prémio monetário, atribuído a nível nacional.

NB
Texto extraído de Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia), 2ª Edição, em preparação.