sexta-feira, 30 de abril de 2010

Roda caneleira



Esta fotografia foi tirada, se a memória não me falha, em 1987.
Trata-se de uma peça artesanal que me parece ser uma roda caneleira pois o seu proprietária não a sabia identificar, já era da sua avó e nunca a viu funcionar.

Feita de madeira tinha entre dois suportes presos a uma espécie de mesa e onde passava o fio que ia encher as canelas.

Já se encontrava degradada e incompleta.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Galhardo Palmeira



Faleceu no passado dia 25, em Monte Gordo, onde residia, Joaquim Humberto Galhardo Palmeira, de 94 anos, natural de Tavira, freguesia de Santa Maria., tendo-se aposentado em 1987 por limite de idade como professor da Escola Secundária de Vila Real de Santo António.

Foi pároco de Alcoutim desde Setembro de 1944 até final de Junho de 1946.

Depois de ter abandonado a vida sacerdotal e ter casado, dedicou-se ao ensino particular transitando depois para o oficial.

O Dr. Galhardo Palmeira interessou-se sempre por Alcoutim e após a leitura do nosso trabalho, Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (...) 1985, teve a amabilidade de nos escrever, carta da qual respigamos: Não tenho o prazer de conhecê-lo pessoalmente, mas tal circunstância não me impede de felicitá-lo pelo seu excelente trabalho de pesquisa e de recolha de dados históricos e tradicionais sobre Alcoutim. Acabo precisamente agora de ler o seu livro, que sinceramente muito apreciei.

Teve depois o cuidado de corrigir anomalias que encontrou, de uma maneira geral referentes à época em que paroquiou a freguesia e motivado por informações erradas que nos foram transmitidas.

Naturalmente que agradecemos as palavras que nos enviou e o precioso auxílio que nos prestou, possibilitando-nos as correcções que logo fizemos em vista de uma possível 2ª edição e onde naturalmente se indica a fonte.

Com este pequenino texto aqui prestamos a nossa homenagem ao Homem e Professor que foi o Dr. Galhardo Palmeira.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Sérgio Pica

Nome artístico do Pintor de arte,Sérgio da Conceição Ribeiro Pica.

Nasceu no “monte” do Deserto (Balurcos), freguesia e concelho de Alcoutim, no dia 25 de Agosto de 1939.

Filho de José Ribeiro Pica e de Cesaltina da Conceição Ribeiro tem uma vida agitada e aos vinte e dois anos fixa-se na Ribeira de Santarém.

Fez a primeira exposição numa galeria de Lisboa. O sucesso deu-lhe oportunidade de aumentar a fama do seu nome assim como das suas obras.

O artista no seu atelier. Foto cedida por seu filho Bruno Ribeiro.


Realiza mais exposições, pintando para todas as galerias de Lisboa, Setúbal, Santarém, Faro e Porto.

Vai para Viana de Áustria onde também expõe, tal como na Bélgica, França e Espanha.

Regressado a Santarém, compram-lhe todos os trabalhos que possuía. (1)

Expõe em Moura (onde viveu), em 1976 nas futuras instalações de um Banco e em Almada, no mesmo ano, a convite de mourenses residentes naquela cidade.

A última exposição feita até 1987 tinha tido lugar na cidade do Funchal.
Em fins de 1987 o seu atelier era na Rua do Pocinho, na Ribeira de Santarém e foi aí que o encontrámos e conhecemos pessoalmente.

A actividade do artista incidia fundamentalmente na paisagem imaginária onde o arvoredo tinha um lugar de destaque e em que era perito.

Sérgio Pica, autodidacta que vivia exclusivamente da sua arte, fazia óleos com sentido comercial, “fabricando” em série. Na altura (1987) pintava telas de 100 X 60 cm que vendia por cerca de vinte mil escudos!

O artista confidenciou-nos que tinha muito gosto em que as pessoas possuíssem os seus trabalhos e com isso só precisava de dinheiro para viver.

Mas Sérgio Pica tinha outras actividades complementares de sentido ocupacional. Foi elemento do Rancho Folclórico da Ribeira de Santarém, onde tocava reco- reco , e fundou a Rádio Santa Iria na altura da “pirataria “.

Grande amador da pesca desportiva, entrou em muitos concursos no País e no estrangeiro. Venceu em 1970 o concurso internacional de pesca desportiva de Torres Novas, capturando cento e cinquenta exemplares e em representação do Águias de Alpiarça.
No concurso internacional de Almodava d `El-Rio – Córdova, o S. L. e Benfica obtém o primeiro lugar e Sérgio Pica faz parte da equipa.

Extremamente inconstante, o que é vulgar nos artistas, representou na modalidade variadíssimas equipas.

Na altura, possuía mais de duzentos troféus.

[O monte do Deserto, onde nasceu. Foto J.V., 2009]

A imprensa regional (3) trouxe-nos a notícia:- “Pintor de Belas Artes e animador de rádio, (...) aponta a arma à cabeça e deu os tiros fatais (...)”. Ainda foi transportado ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa onde veio a falecer.

O funeral realizou-se no dia 23 de Fevereiro de 1995 para o cemitério da Ribeira de Santarém, freguesia ribeirinha da cidade de Santarém onde era figura popular e considerada pessoa pacata.

Não resisto a contar um facto passado em Agosto de 1996.

Numa visita a familiares de minha mulher, reparei num óleo muito interessante que estava numa das paredes da sala. Chamou-me a atenção pois já tinha visto pintura que me lembrava aquela. Foi fácil verificar que se tratava de um óleo de Sérgio Pica, datado de 1975!

E mais curioso é saber que o proprietário do quadro é filho do padrinho de baptismo de Sérgio Pica e desconhecia o facto.

Encontrei em 1998 outra tela do artista na sede de um partido político em Vila Real de Sto. António.

NOTAS

(1)-Correio do Ribatejo, de 16 de Junho de 1976.
(2)-Elementos recolhidos junto do artista no seu atelier, em Dezembro de 1987.
(3)-"Pintor tenta matar a mulher e suicida-se", in jornal O Ribatejo, de Santarém, de 23 de Fevereiro de 1995.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Alcoutim, Setembro de 1967



Para variar a Câmara Escura de hoje, vamos recuar 42 anos!

A foto foi tirada por mim e com o meu “caixote” ainda existente (não era de plástico) e se necessário, funcional.

O cenário é a Rua de Nª Sª da Conceição.

Das três pessoas mais velhas, uma ainda se encontra entre nós, a Sra. D. Maria do Rosário Cardeira, bem para lá dos 80.

Aqui se encontra o aspirante de Finanças, José Ribeiros Vaz, vítima da guerra colonial em Moçambique, na região do Niassa.

A mais pequenina, é a ajudante de farmácia, D. Maria do Carmo.

A irreverente “Marlene” também está presente.

Alguns dos visitantes, irão descobrir os restantes.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Os olhos de mimha Mãe (Poema)

Pequena nota
Limitar-me-ei a dizer que mãe e filho passaram pelo maior desgosto que um ser humano pode passar.
JV





O Poeta

José Temudo





Em certos dias,
quando me olho ao espelho,
olhos nos olhos,
o que vejo são os olhos da minha Mãe,
cheios de alegre ternura,
olhando a criança que eu fui,
no meu fatinho de marujo;
tal como eu olhei, anos mais tarde,
para os meus filhos, ainda pequeninos,
quando os passeava, aos domingos,
junto do rio, em Esposende,
e confiava na vida
e no seu futuro.

















[D. Marina Ramos Themudo]



Noutros dias,
quando me vejo ao espelho,
olhos nos olhos,
o que vejo são os olhos de minha Mãe,
mais do que tristes,
parados, sem vida,
chorando a morte, anunciada,
da minha irmã Teresinha;
tal como os meus, também eles mortos,
choraram, muitos anos depois,
a morte do Varinho,
igualmente anunciada.

Hoje,
quando me vi ao espelho,
olhos nos olhos,
o que vi foram os meus olhos
nos olhos de minha Mãe,
cheios já de uma imensa,
desconsolação
e dorida saudade
de todos nós e da vida
que foi a nossa.



Vila do Conde, Natal de 2005.

domingo, 25 de abril de 2010

DIA DA LIBERDADE




FEIRA DE SÃO MARCOS

Nas "MEMÓRIAS PAROQUIAIS de 1758" a pergunta 19 do Questionário é feita nos seguintes termos:

Se tem feira e em que dias, e quantos dura se é franca ou cativa?

O pároco encarregado do preenchimento do Questionário, escreveu o seguinte:

A vinte e cinco de Abril, dia do Evangelista São Marcos, tem uma feirinha, como vigília, que dura quatro até cinco horas do dia e é franca.

Significa isto que a conhecida FEIRA DE SÃO MARCOS, na aldeia do PEREIRO e uma das maiores da Serra Algarvia tem pelo menos 252 anos de existência, mas certamente será mais velha. E era franca porque isentava os mercadores de direitos fiscais (portagens e costumagens).

Nas actas da Câmara Municipal encontrámos frequentemente referência à Feira de São Marcos mas só existem a partir de 1834. Na Junta de Freguesia do Pereiro, ainda que haja documentação muito anterior, não encontrámos qualquer referência.

Era fácil deduzir que estivesse relacionada com alguma romaria, como escrevemos no nosso trabalho sobre a freguesia do Pereiro, o que confirmámos agora com a leitura das Memórias Paroquiais 1758.

Uma leitura atenta das Chancelarias Reais certamente que nos permitiria encontrar a concessão régia.

[Feira de São Marcos em 1989]

sábado, 24 de abril de 2010

Chegou o rei Artur!



Chegou o rei Artur à maternidade do Hospital Regional de Faro, no dia 13 de Janeiro pelas 21 e 13 h., não vindo de helicóptero das chamadas terras de sua majestade, lá para as bandas da Grã-Bretanha, mas sim, da barriguinha da mamã.

Igualou no peso a princesa Laura mas conseguiu ultrapassá-la, na qualidade de "homem", num centímetro, o que será suficiente para esgrimir com a mana situações de disputa.

Reside no seu "palácio" em São Brás de Alportel mas possui grandes "domínios" na Serra Algarvia, mais propriamente na freguesia de Alcoutim, onde por vezes vai passar fins-de-semana para verificar como os trabalhos decorrem.

Ainda não dizia palavra já a Laura pedia aos papás uma boneca para lhe fazer companhia.

Como bons pais que são encomendaram o melhor "brinquedo" que ela podia ter e aí está já com três meses o "Grande Artur".

Tenho a certeza que o meu amigo Diogo irá super proteger o novo sobrinho e desempenhar a função para a qual o julgo apto: interesse pelas coisas, desporto, etc.

Aqui quero deixar as minhas cordiais felicitações aos pais, avós, tios e mais família, sem nunca esquecer os bisavós maternos pelo seu estoicismo de vida.

Laurinha, já aí tens o Artur para brincar! Que bom!

Não é que estou destinado a dar a notícia ao "Mundo" dos rapagões que não são do meu sangue?!E quando me toca, são só raparigas! Um dia chegará...

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Esboços de um Algarve Menor



ESBOÇOS DE UM ALGARVE MENOR, é um trabalho de Aníbal C. Guerreiro, algarvio nascido em Faro em 1911.

Com um formato de 14,5x21 é constituído por 290 páginas foi editado em 1989 pelo Instituto D. Francisco Gomes (Casa dos Rapazes) – Faro e Impresso em Loulé.

Composto por vários contos que se baseiam nas característica do Algarve, indo da Serra ao Litoral sem deixar de passar pelo Barrocal, apresenta importantes referências de carácter histórico, geográfico e etnográfico, entre outros.

Não podia deixar de referir o leste Algarvio que se desdobra da página 263 a 268.

A vila de Alcoutim terá de se equipar para o cabal desempenho como centro de apoio, no norte deste futuro espaço turístico. Não lhe minguam beleza e condições naturais para vir a ser um aprazível destino de amadores de yating e de excursões fluviais, desde o momento em que se muna de atractivos complementares às suas condições naturais : bons restaurantes, onde possam ser servidas refeições de cunho regional, talvez aproveitando os magníficos miradouros sobre as maravilhosas paisagens que lhe são adjacentes. Sabemos que a edilidade tem ideias quanto ao aproveitamento do velho castelo, em cuja cidadela pretende instalar um museu regional, etnográfico e arqueológico, bem como uma permanente feira e exposição de artigos do curioso artesanato local, para não referir uma estalagem turística num dos mais belos recantos da periferia.

As abalizadas considerações continuam.

Em nota de rodapé aconselha a quem possa interessar um estudo aprofundado da sub-região oriental, compreendida pelos concelhos de Castro Marim e de Alcoutim, a leitura de duas obras fundamentais, sendo uma (segundo a sua opinião) o nosso trabalho, Alcoutim – Capital do Nordeste Algarvio (subsídios para uma monografia), edição da Câmara Municipal de Alcoutim, 1985.

Adquiri o livro na cidade de Faro em 1990.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

15.000 Visitas!



O ALCOUTIM LIVRE chegou hoje, ao raiar da manhã, às 15.000 VISITAS!

As primeiras 5000 foram alcançadas após 1 ANO e 26 DIAS de existência, enquanto para as seguintes 5 mil bastaram 5 MESES e 21 DIAS, o que reduziu a mais de metade o tempo necessário para o efeito.

Estatisticamente no 1º período analisado a média foi de 12,8 visitas/dia, enquanto no 2º aumentou para 28,4, o que é por demais elucidativo.

O “5º MILHAR” alcançado hoje levou apenas 3 MESES e 15 DIAS, cifrando-se a média diária em 47,6/VISITANTES/DIA! o que dá um aumento de 19,2%.

Significa isto que sem a menor dúvida e contra o que podem pensar alguns, cada vez tem mais força para seguir o seu caminho em prol de Alcoutim, apresentando as suas virtudes e sem tapar as mazelas.

As “postagens” continuam a um ritmo próximo do diário e com a variedade conhecida.

Apraz-nos salientar o aumento dos colaboradores sem os quais tudo seria mais difícil e monótono.

Aos estrangeiros que nos visitam agradecemos a sua ajuda, devendo naturalmente salientar os do Brasil e os de Espanha, ainda agradecemos naturalmente a todos os outros países.

Este trabalho só foi possível pelos oito obreiros que com o seu esforço e sem atender a qualquer recompensa de alguma espécie, se disponibilizaram a colaborar

Dos oito, só três são alcoutenejos pelo nascimento, ainda que todos os outros tenham alguma ligação ao concelho, pelo menos, afectiva.

MUITO GRATO FICO A TODOS OS VISITANTES DESEJANDO QUE CONTINUEM A DIVULGAR ESTE CANTINHO ÚNICO E VERDADEIRO DE UM ALCOUTIM LIVRE.

JV




Os oito “obreiros”, como não podia deixar de ser, são encabeçados pelo colaborador póstumo Luís Cunha, sendo os outros referidos pela ordem de entrada na colaboração.

Temos aqui gente dos 40 aos 81 anos!

Esperamos que outros se juntem a nós.

JV

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Uma tragédia no Guadiana

Pequena nota

Este tipo de tragédias acompanha sempre os cursos de água: rios, ribeiras e lagoas naturais ou artificiais. O povo desde sempre tem dito que é” o pagar do tributo” pelas vantagens de variadíssimos tipos que eles nos trazem.
Bem criança vi morrer nas águas do Tejo um jovem, imagem que ainda retenho na memória. Talvez por isso nunca tive qualquer relação de afectividade pela água do mar os dos rios, gosto de as ver mas de longe, costumo sempre dizer que a minha praia é a de restolho!
Durante a minha estada em Alcoutim deu-se a morte de um jovem que ainda hoje mexe comigo. Vi salvar, por dois corajosos alcoutenejos, infelizmente já desaparecidos, António Pedro Domingos (vulgo António Brandão) e António Carlos Vicente (vulgo António Emídio), uma jovem que com outras se banhava no Pego das Portas, da Ribeira de Cadavais.
Também no meu tempo, um miúdo foi agarrado pelos cabelos quando caiu ao rio.
Ouvi contar vários casos de afogamento e alguns de salvamento decorridos ao longo dos tempos incluindo este.
Constou-me que há poucos anos também foi vítima uma criança que vivia num iate.
Isto acontece aqui como em qualquer outra parte.
A referência que Gaspar Santos faz à corda atada, ainda hoje me causa ânsias, pois a minha mulher fazia isso ao filho e eu entrava em verdadeiro pânico, pelo que nem me quero lembrar das aflições que passei com isso!
Há bem pouco tempo. Esse menino de então, banhava-se no mar entre Peniche e as Berlengas.
Fui uma única vez à Berlenga e chegou.
Podeis ler agora, com a fidelidade e minúcia que lhe são reconhecidas, a tragédia vivida e descrita pelo nosso colaborador, Eng. Gaspar Santos.

JV






Escreve

Gaspar Santos



Em Alcoutim o Rio sempre foi vida e deu vida. O ciclo das marés é vida pelo seu movimento periódico. São seis horas a correr para Norte na enchente e seis horas a correr para Sul na vazante. Tem apenas uma curta paragem de cerca de 15 minutos quando a corrente muda de sentido. É vida como espaço de pesca, espaço de lazer e divertimento náutico. É vida, sobretudo, como “auto-estrada” de ligação para todo o mundo. Dava trabalho em todas as fainas de transporte de pessoas, de cargas e descargas de mercadorias, adubos, cereais e produtos agrícolas. Regavam-se as plantas das suas margens com água do rio. Os barqueiros também bebiam dele.

[O Guadiana como grande rio do Sul. Foto JV, 2010]

Mas, se era fonte de vida e de alegria, também trazia tragédias de vez em quando. Quase todos os anos o Rio cobrava o seu pesado tributo, pelo muito que dava, arrancando à vida alguém que tinha um deslize nas suas águas.

Só quase no final dos anos 40 do século passado se generalizou o hábito de aprender a nadar e praticar algum desporto aquático. Antes disso poucos sabiam nadar e até mesmo alguns profissionais dos barcos se caíssem à água não se salvavam.

[Rui Simão, o segundo a contar da direita]

Decorria o Verão de 1941. Um vizinho e meu amigo, chamado Rui Simão, que morava no nº 1 da Rua das Flores (em restauro por casal inglês), e outra vizinha, Maria Rita Domingos, que morava no nº 6 foram tomar banho no cascalho do Pinhão. O pai do Rui Simão era Guarda-fiscal e estava de serviço ao porto, e assim tomaria conta de ambos e impediria que estes dois jovens se afastassem muito da margem. Passados porém alguns instantes os dois garotos começaram a ser arrastados pela corrente. O senhor Simão, vendo que eles por si sós não conseguiam voltar para terra, atirou-se à água como estava, fardado, com botas, polainas, cinto e sabre – só deixando em terra a espingarda. Conseguiu salvar o filho que já sabia nadar, embora pouco. Tentou, mas não pôde salvar a jovem e acabou por se afundar com ela.

[O eucalipto do Pinhão que para engrossar tem de medir forças com o cimento com que o cercaram! Gente que sabe o que faz!]

Alguém viu e lançou o alarme. E aqui se viu sobressair a solidariedade dos alcoutenejos. O Dr. João Francisco Dias veio para o Pinhão com todo o equipamento médico de socorro. Todos os barcos presentes se mobilizaram imediatamente com fateixas e âncoras para resgatar os dois corpos. Ao mesmo tempo, todos os jovens bons nadadores se lançaram em sucessivos e prolongados mergulhos na tentativa de os encontrarem. A vila inteira estava mobilizada espontaneamente para o que fosse necessário.

Ao fim de longos minutos foi trazido para terra o corpo franzino da Maria Rita. Durante cerca de uma hora a equipa médica fez o que pode, respiração artificial, aquecimento, injecções, massagem etc. Não conseguindo que ela recuperasse.
Quando o Dr. João Dias considerou que nada mais havia a fazer para salvar a jovem, apareceu o corpo do vizinho Simão. Repetiram-se as mesmas manobras, mas da mesma maneira elas foram mal sucedidas. Ele era uma pessoa robusta mas infelizmente tinha sido retirado da água mais de uma hora depois, quando o afogamento já estava consumado.

A tragédia que se abateu sobre esta rua perdurou na nossa memória durante muitos anos. Foi um grande desgosto que todos nós tivemos. O susto tinha sido enorme, e assim por precaução, a minha aprendizagem de natação ficou prejudicada e atrasou-se.

A partir dessa data fatídica, minha mãe nunca mais me deixou nadar sem que ela assistisse da margem da Ribeira de Cadavais. Obrigava-me, como outras mães, a atar uma corda à cintura, ficando todo tempo com a outra ponta na mão. É claro que se as mães se sentiam mais seguras, nós sentíamos vergonha e um desejo grande de escapar àquela vigilância forçada, o que mais tarde acabou por acontecer.

Tratou-se na verdade de uma grande tragédia que enlutou a nossa rua, mas igualmente toda a população da Vila. Na nossa rua viviam apenas 3 famílias nos números 1, 4 e 6 e uma senhora velhinha a tia Luisinha no número 2. Éramos 17 vizinhos com muitas relações de cooperação e de amizade. Tanto o Rui como a Maria Rita e os irmãos de ambos eram meus companheiros de brincadeira. E era no nosso forno que as três famílias coziam o pão.

A viúva do vizinho Simão nunca mais ultrapassou o desgosto da perda do marido. Os pais da Maria Rita também sofreram bastante. E também as relações entre as duas famílias ficaram afectadas.

terça-feira, 20 de abril de 2010

As saboarias no concelho de Alcoutim

Pequena nota
Este foi um dos vinte e um artigos que publiquei no Jornal Escrito da AJEA onde tive muito gosto colaborar e sempre fui bem recebido.
Por falta de apoios o suplemto acabou por se extinguir
.
JV


(JORNAL ESCRITO Nº 63,DE MAIO DE 2004, P. IV, ENCARTE DE “O ALGARVE” Nº 4797)

Há mais de trinta e sete anos e quando ainda era um jovem, na casa dos vinte, comecei a ler em literatura de cordel coisas do passado alcoutenejo e foi assim que entre outros assuntos que nada me diziam, vi referido as saboarias da vila de Alcoutim e da Aldeia de Martim Longo.

Naturalmente que liguei as saboarias a sabão, à sua fabricação ou depósito, o que qualquer dicionário de língua portuguesa elucida.

Para o que pretendia saber, era muito pouco, tinha de ir mais além mas era preciso saber dar os passos para isso.

Os anos foram passando e a pouco e pouco fomos encontrando explicações para as nossas dúvidas.

O fabrico de sabão é antiquíssimo com vestígios de produção encontrados no tempo de romanos e árabes, na península.

A produção variou com a tecnologia, sendo durante séculos utilizados no seu fabrico as gorduras animais, cinzas proveniente de vegetais, cal, azeite e suas borras. Sendo assim, não admira que no concelho de Alcoutim ela existisse já que havia quase tudo do que se necessitava para a sua confecção.


O fabrico do sabão, como sucedeu com outras produções, estava sujeito a um monopólio de tipo senhorial, por mercê régia, cabendo aos beneficiários os rendimentos de tal produção. (1)

Do mais antigo que se conhece, vem do tempo de D. Fernando que por carta de 7 de Julho de 1376, concedeu a Lancerote de França (ou Franca), almirante das suas galés, entre outras, as saboarias pretas de Alcoutim. (2)

Mais tarde, em 1499, juntamente com as de Martim Longo, vieram a pertencer a Diogo Lopes da Franca (4) certamente da mesma família e que serviu com muito valor em Tânger, onde foi adaíl (5) e algumas vezes capitão e contador da Fazenda Real.

Em 1385, D. João I doou ao filho de Lancerote, de nome Afonso, as mesmas saboarias que possuía seu pai. (3)

Queixava-se Diogo Lopes da Franca... que porquanto as ditas saboarias foram mui devassas e se não guardavam como deviam e ele recebia nisso muita perda, lhe déssemos a isto alguma provisão.
Analisado o assunto o rei dá e outorga-lhe as liberdades que D. Garcia de Castro tem para a saboaria de Lisboa.

Nenhum homem nem mulher na dita vila e aldeia, nem em seus termos façam ou mandem fazer sabão, não o comprem ou vendam, não o tragam ou mandem trazer de fora (...) sem licença e autoridade de Diogo Lopes ou de seus rendeiros.

Quem o fizesse, incorria em pena pecuniária, perdia o produto e seria preso até que efectuasse o pagamento em dívida.

Falecido Diogo Lopes da Franca, as ditas saboarias passam para sua filha Dona Simoa, mulher de António Leitão, adaíl-mor que obteria de D. João III, por carta de 29 de Fevereiro de 1528 que a mercê concedida a seu pai seja cumprida, arrecadando as ditas saboarias como foi estipulado. (6)

Uma herdade, perto da vila e que pertenceu aos Condes de Alcoutim e posteriormente à Casa do Infantado, denominava-se Diogo Lopes, designação que rusticamente ainda se mantém e que nos parece estar relacionada com a citada figura, a quem talvez tivesse pertencido.

Este monopólio de tipo senhorial sofreu forte golpe por legislação de 1766 e acabou por terminal em 1857, isto a nível nacional. Em 1852 já existia uma fábrica em Lisboa que empregava sessenta operários.

Sabemos que Manuel António Fonseca apresentou no dia 6 de Janeiro de 1842 o seu Privilégio ou nomeação de Caixa das Saboarias nesta vila, conforme carta datada de 1 daquele mês e de Vila Real de Santo António.

Ano e meio depois é Francisco de Assis Ferreira Rabo, natural de Faro que apresenta o seu Privilégio de Fiscal a cavalo do Contracto das Saboarias junto de Alcoutim, conforme carta datada de Lisboa a 27 de Julho de 1843. (7)

Fiquei admirado quando em 1990 uma alcoutenense me disse que sabia fazer sabão o que acontecia com a maioria das mulheres do seu tempo.


NOTAS
(1)-Dicionário de História de Portugal , Livraria Figueirinhas, Porto, Direcção de Joel Serrão.
(2)-História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, Vol. I, Verbo, 1977.
(3)-Dicionário de História de Portugal , Livraria Figueirinhas, Porto, Direcção de Joel Serrão.
(4)-Para o Estudo do Algarve Económico durante o século XVI, Joaquim Romero Magalhães, Edição Cosmos, 1970.
(5)-Oficial de guerra a quem pertencia guiar e conduzir o exército por veredas e caminhos ocultos e não trilhados, ensinando-lhe e apontando, quase mesmo com o dedo, a sua marcha. Também era do seu ofício governar os almocadéns e almogávares e toda a outra gente com que se faziam correrias nas terras do inimigo - Elucidário das Palavras, Termos e Frases (...) , Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Livraria Civilização, Porto - Lisboa, 1ª Ed. Crítica, 1965.
(6)-Castro Marim Quinhentista - O Foral Novo (de 1504) e o Tombo da Comenda (de 1509) , Hugo Cavaco, Edição Câmara Municipal de Castro Marim, 2000.
(7)-Livro de Registo de Mercês e Privilégios - C.M.A.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Igreja do Espírito Santo, matriz do Pereiro

Pequena nota
Das cinco existentes no concelho, é a última que nos falta referir, ainda que já lhe tivéssemos dedicado sete páginas no nosso trabalho A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim) «do passado ao presente», 2007.
Iremos fazê-lo agora de uma maneira mais sucinta e com base naquele trabalho.

JV




É o único templo existente na freguesia, o que não acontece com qualquer das outras do concelho.

Situa-se um pouco afastada da aldeia e em posição cimeira em relação a ela.

O templo já existia pelo menos na primeira metade do século XVI e era designado por Ermida do Santo Espírito.

Em 1758 e segundo as Memórias Paroquiais o orago era o Divino Espírito Santo e tinha cinco altares. No altar-mor as imagens do Apóstolo S. Pedro e São Sebastião. Na parte do Evangelho está o atlar de Nª Sª do Rosário com a sua imagem e junto está o altar das Almas com a imagem de São Miguel e a de Sto. António.

[Desenho de JV, anos 70]
Da parte da Epístola está o altar do Senhor Jesus com a imagem do Menino Deus e a imagem da Senhora da Consolação e um pouco mais abaixo o altar de São Marcos com a sua imagem.

O templo, tal como agora era de uma só nave e tinha duas irmandades, a das Almas e a de Nª Sª do Rosário.

Com as várias transformações sofridas, o altar passou a ser de pedraria e redondo, indicando mais uma porta, também de pedraria e virada para o sul.

O corpo do templo tinha sete varas de largo por dezasseis de comprido.

A pia baptismal que se encontra do lado esquerdo de quem entra no templo pela porta principal á considerada “hum testo de Sevilla vidrado” com o seu pé e coberto por tampa de madeira.

Pelo terramoto de 1755, (2) segundo Pereira de Sousa “não padeceo ruyna alguma...”, enquanto Pinheiro e Rosa diz que nessa altura registou-se a ruína, entre outras, da Igreja do Pereiro. (3)

Silva Lopes (4) escreveu: a igreja é medícre, tem conco altares (...) está só e num alto.
Pinho Leal (5) chama-a de pequena, velha e pobre.

O templo passou no decorrer dos séculos por situações de quase ruína, como aconteceu em meados da década de setenta do século passado.

[Cruz de ferro forjado. Foto de JV, 2006]
Actualmente tem fachada de bico com beiral. Portal rectangular, de pedraria sem qualquer interesse artístico. Porta de duas folhas de madeira, chapeadas. Por cima, uma pequena janela rectangular, gradeada. O mostrador circular do relógio que a Câmara mandou instalar em 1989, está colocado por cima da janela que areja e ilumina o templo. Sobre o bico da fachada, uma interessante cruz de ferro forjado, possivelmente saída das mãos de algum ferreiro local pois foi sempre terra destes artesãos. Sabemos que uma cruz aí colocada em 1845 custou dois mil e seiscentos réis.

[Torre sineira. Foto JV, 2006]
A torre sineira que é de secção quadrangular, tem quatro olhais. A cúpula é de forma alongada de tronco de pirâmide quadrangular e sobre a qual está colocado um cata-vento. É ornada, na base, em cada vértice, por pináculo de argamassa que termina igualmente em forma piramidal.

Possui dois sinos sendo o maior dedicado ao Espírito Santo, feito por Rafael Fernandes no ano de 1837.

Mantém-se a porta lateral para o sul que é rectangular e sem nada de interesse. A igreja, tal como no século XVI continua “cerquada de povaes ao redor das paredes (...)”

Os três botaréus da altura passaram a dois, suficientes para sustentar a actual parede.

Na abside, de talha dourada com alguns elementos de azul e vermelho, é de finais do século XVII.

Sacrário também em talha, do século XIX.

[O interior do templo. Foto JV, 1989]

Além deste altar, existem mais quatro, dois de cada lado, no corpo da igreja e que são:- das Almas, de Nª Senhora da Consolação, de Nª Senhora do Rosário e de Sto. António.

Os retábulos constituem um dos conjuntos mais valiosos da serra algarvia.

A imaginária também tem o seu interesse. Nª Sª da Conceição (séc. XVIII) São Marcos (séc. XIX), Nª Sª do Rosário (sé. XVIII), Arcanjo São Miguel, Nª Sª da Consolação, Sto. António, São Pedro e São Sebastião são exemplares que possui. (6)

O retábulo de São Marcos recebeu obras de conservação em 1774. (7)

A pia baptismal é de pedra sem qualquer trabalho de realce e encontra-se num recanto coberto por abóbada de berço.

No adro e em frente do portal, existiu um cruzeiro que foi removido, o que aconteceu igualmente às ruínas do passal.

Foi um curato da apresentação do bispo e passou a priorado. (8)

O cura tinha 360 alqueires de trigo e 70 de cevada. (9)

O pároco em meados do séc. XIX recebia por babtizado ½ alqueire de trigo e 180 réis e por óbito 350 réis. (10)

[A construção do estéctico mamarracho. Foto de A. Teixeira, 2008]

___________________________

NOTAS

(1) - “Visitações” da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Hugo Cavaco, 1987
(2) –O Terramoto do 1º de Dezembro de 1755 em Portugal e um estudo monográfico, Francisco Luiz Pereira de Sousa, 1909
(3)–“São Pedro na arte religiosa do Algarve”, Pinheiro e Rosa, in Correio do Sul, Faro, 1 de Junho de 1967.
(4)–Corografia do Algarve, 1841
(5)–Portugal Antigo e Moderno.
(6)–A Escultura de Madeira no Concelho de Alcoutim do séc. XVIi ao séc. XIX, Francisco Lameira e Manuel Rodrigues, 1985
(7)–Livro2 das Contas da Fábrica da Parochial Igreja do lugar do Pereiro, termo de abertura de 13 de Junho de 1767, pág. 19.
(8)–Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
(9)–Portugal Antigo e Moderno, A.S.B. Pinho Leal, Vol. 6, 1875, p.686
(10)–Corografia do Reino do Algarve, João Baptista da Silva Lopes, 1841.

NB
A Igreja já foi assaltada pelo menos duas vezes e que eu saiba só foram recuperadas algumas imagens.
JV

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A água na aldeia de Vaqueiros

É sempre tema a referir pela importância que representa para a vida. Não pode existir uma povoação sem água e ela foi sempre e será uma preocupação das populações.

É de Silva Lopes a primeira referência que temos. Diz assim: “Dentro da aldeia tem dous poços com abundância de água para o uso commum dos habitantes, muito límpida, saborosa e hum tanto ferrea: há outro denominado Fontão do Serro com água grosseira que serve para os gados, regas e outros semelhantes usos.” (1)

Na Sessão de Câmara de 29 de Setembro de 1844, foi apresentado um requerimento assinado pela maioria do povo da aldeia, em que se contestava o excesso da derrama lançada e talvez feita unicamente para satisfazer fins particulares, pedindo, por isso, ser aliviados de tal derrama.

Em face do exposto e tomando em consideração que os requerentes se não pagarem também não usufruirão dos benefícios, deliberou a Câmara suspender a cobrança de tal derrama, autorizando, contudo, o Regedor a mandar fazer os reparos indispensáveis até ao montante de mil réis, pagos pela Câmara.

[Fonte da Parra recuperada]

A Fonte da Parra, próximo da aldeia, continua a merecer as atenções. Anos depois o vereador Manuel Luís comunicou à Câmara que a fonte se achava já pronta e que examinadas as despesas feitas, verificou que ascendeu a mais de treze mil réis, mas que do cofre do concelho somente deveriam sair nove mil e seiscentos réis, porque o excedente pode ser recebido pelo encarregado da obra por subscrição voluntária entre os seus habitantes. (2)

O Regedor, em 1858 e em nome dos habitantes, informou a Câmara que a Fonte Férrea do sítio da Parra, situada nas proximidades da estrada (?) que vai para Tavira, estava arruinada, deixando sair a água, evitando que corra para o tanque feito para beberem os animais e cavalgaduras dos viandantes. Sugeria o mesmo regedor que a Câmara concorresse com alguma quantia que adicionada à que os habitantes voluntariamente oferecessem fosse aplicada na sua reparação, com o que a Câmara concordou. (3)

Na Sessão da Câmara Municipal realizada em 21 de Março de 1870, é presente um requerimento assinado por Alexandre José de Lima e outros da aldeia de Vaqueiros queixando-se de J.G. F., da mesma aldeia, por ter cercado e metido dentro de uma horta a fonte pública chamada a Fonte da Parra, que é propriedade do município e na qual a Câmara e o povo têm por diferentes vezes feito despesa. Pede o mesmo requerimento a demolição da parede feita e que a fonte fique livre e desembaraçada como antes estava para uso do povo.

A Câmara deliberou mandar intimar o transgressor a fim de proceder à demolição no prazo de três dias e pagar a multa de mil réis.

[Fonte da Parra, parte envolvente]
Recentemente, mais propriamente em 2003, a Junta de Freguesia em colaboração com a Câmara Municipal recuperou a Fonte da Parra, qualificando a área envolvente como de lazer e convívio.(4)

A aldeia de Vaqueiros beneficia do saneamento básico desde 1985. (4)


NOTAS

(1)-Corografia do Reino do Algarve , 1841.
(2)-Acta da sessão da C.M.A. de 8 de Outubro de 1850.
(3)-Correição de 26 de Julho de 1858.
(4)-Alcoutim, Revista Municipal, nº 10 de Dezembro de 2003, p 22)
(5)-Jornal do Algarve de 6 de Junho de 1985

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O "correio" na aldeia de Vaqueiros

[Vista aérea da aldeia de Vaqueiros, 1994]

A transmissão de missivas escritas ou orais começou por ser feita através do homem, primeiro a pé, depois a cavalo e que acompanhou naturalmente os meios de comunicação até aos nossos dias.

Foram utilizados almocreves, criados, escudeiros, barqueiros, caminheiros para transporte de cartas e afins.

Esta situação manteve-se praticamente até meados do século XIX, ainda que haja notícias que D. Manuel tivesse criado em 1520 o cargo de correio-mor.

Em 1833 inicia-se a distribuição domiciliária de correspondência.

O uso do selo na correspondência é iniciado em 1853. (1)

Depois desta brevíssima nota sobre a evolução do correio, vamos entrar propriamente no assunto que pretendemos abordar.


Ao quesito 20 do I questionário das “Memórias Paroquiais” de 1758, o pároco respondeu:- Não tem correio e quando é necessário alguma correspondência precisa ou vai mesmo (...) ou manda próprio à sua custa e a tem mais próximo de correio é a Vila de Mértola que dista deste lugar quatro léguas e a cidade de Tavira que dista seis léguas.
Nesta altura nem a Vila de Alcoutim tinha correio, servindo-se dos almocreves ou do correio da Vila de Mértola, para onde mandavam as cartas. Aqui a distância era calculada em cinco léguas.

Em finais do século XIX, todas as freguesias do concelho tinham garantido a recepção de correspondência, excepto a de Vaqueiros que mais uma vez ficava esquecida.

Reage a esta situação a Junta de Paróquia que apresenta um requerimento solicitando à Câmara que lhe seja concedida uma gratificação para pagar a um estafeta que conduza as malas do correio de Martim Longo para a aldeia, pelo menos, duas vezes por semana, alegando ser aquela freguesia a única do concelho que está privada de tal regalia. A petição foi atendida (mesmo assim) só por maioria.

A condução desta mala teve início em 28 de Abril de 1883 e feita por Francisco Rodrigues Alberto, daquela aldeia, que recebe por cada carreiro, 120 réis. (1)

Do auto da arrematação de 1891, respigámos o seguinte:- Arrematante - José António Gonçalves, de Vaqueiros. Valor da arrematação - 17 980 réis.

Condições - Fazer três carreiros na semana; estar na estação do correio à hora em que chega o estafeta desta vila (Alcoutim) para depois lhe entregar a mala e a conduzir logo para Vaqueiros recebendo a que foi entregue também. Por cada carreira a que faltar, sem motivo de força maior, pagará a multa de 200 réis.

Só a partir de 1974 é que a freguesia começou a ser servida, em parte, por distribuição ao domicílio.

Em meados do século passado, as notícias de carácter urgente nas aldeias, como por exemplo as mortes, eram transmitidas através de homens que, se dedicavam a estas tarefas, montando bons machos e percorrendo caminhos e veredas que conheciam bem.

À grande maioria dos montes da freguesia de Vaqueiros, o telefone fixo só chegou por volta dos anos oitenta, como várias vezes temos referido quando abordados individualmente os montes.

NOTAS

(1)–Dicionário Ilustrado da História de Portugal, Publicações Alfa, Vol. I, 1982, pp 160, 161.
(2)–“Coisas Alcoutinenses - Correio, Telégrafo e Telefone”, José Varzeano, O Distrito de Faro, de Janeiro de 1997.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Uma vila esquecida que seria estância ideal e boa terra para repouso

Pequena nota
Mais um interessante texto saído da pena do nosso saudoso amigo. Aquilo que nele preconiza há 42 anos, é hoje uma realidade, não no castelo mas junto ao Guadiana, já que o castelo acabou por ter um destino talvez mais adequado. O “elefante branco” é hoje uma referência de Alcoutim.
JV








Escreve

Luís Cunha



Para sair da longa e debilitante letargia em que se encontra, Alcoutim tem muitos problemas a enfrentar: uns de desenvolvimento a ritmo lento e outros a requererem explosão instantânea, a todos se tornando necessário lançar mecha cedo e a um tempo, para conseguir frutificação imediata e continuada.

Se o viajante vagabundo, para escapar ao ramerrão diário da vida sedentária, em cata do natural, da carne em sangue, põe a deambular o espírito nómada e aventureiro do avô caçador-pastor, e, se por outro lado, temos de evitar-lhe o bocejo de enfado que a monotonia provoca, se é assim, esta região, esta região de Alcoutim a 30 km de Monte Gordo, com tudo o que tem de diferente, de sempre diferente, constitui, sem dúvida alguma, o complemento ideal e indispensável para fazer dessa estância balnear o todo turístico, o tal triângulo turístico.

O passeio fluvial Guadiana acima, que até para os que diariamente o percorriam aparecia como coisa sempre nova, e o salutar exercício físico da caça que aqui abunda e que para saciar esse velho espírito de caçador do Norte poderia reservar-se-lhe, seriam a sobremesa, os “figos maduros” que Alcoutim põe gratuitamente à disposição desses exploradores das estâncias balneares para mimosear seus hóspedes.

Pasma-se do seu total e desconcertante alheamento nesta colheita de “figos maduros”, sem planto.

Se as praias deste lado oferecem indubitavelmente muito melhores condições climáticas e espaciais, e o turista as deserta em favor do Barlavento, parece dever concluir-se logicamente que lhe não basta a excelência dessas condições, quando solitárias, quando desacompanhadas de elementos complementares contrastantes.



É isto que Alcoutim, tal qual é, oferece sem outro preparo, aquilo que é diferente e capaz de satisfazer a procura curiosa, mas porque o sempre belo também cansa, se o mesmo caçador e o próprio gavião pousam para descansar, Alcoutim precisa de uma pousada no velho castelo0 com panorâmica grandiosa sobre o rio.

A hipótese foi aventada em 1965, a quando, nesse mesmo local, Sua Excelência o Venerando Chefe do Estado repousava para merendar, mas não teve até hoje seguimento. Por isso se requer para o alvitre a atenção generosa das entidades competentes.

N.I. O autor intitulou o artigo de “FIGOS MADUROS” mas que o jornal substituiu.
(PUBLICADO NO DIÁRIO POPULAR DE 17 DE MAIO DE 1968)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Silgado, pequeno monte despovoado na fregeusia de Martim Longo



A primeira vez que passámos junto a este pequeno monte, a estrada tinha sido acabada de abrir e ainda não estava alcatroada. Foi em meados da década de 80 do século passado.

Saímos de Martim Longo a cuja freguesia pertence, pela estrada 124 e ao Vale Jubão ou do Gimão (1) cortámos à direita. Pouco depois e do mesmo lado situa-se este pequeno aglomerado populacional que se dispõe na base e na encosta de um pequeno cerro.

Este monte poderá ser considerado como o primeiro do planalto do Pereirão, para quem o percorre neste sentido, e onde as ravinas só aparecem quando nos aproximamos das ribeiras do Vascão ou da Foupana, que limitam a zona.

Nesta zona foram localizados vários sítios com ocupação tardo-romana e muçulmana.

Registou-se em 1879 uma mina de cobre associado a outros metais, próximo desta localidade. (2)

As Memórias Paroquiais (1758) referem-no como Monte do Silgado, mas não indica o número de vizinhos, tal como acontece com os restantes.

Em 30 de Junho de 1771, fazia o seu manifesto de gado na Câmara, António Afonso, morador no Sirgado e não Silgado como se designa hoje. Contudo, nas referidas Memórias Paroquiais, de data mais recuada, não existem dúvidas, é mesmo Silgado.

No princípio do século passado, (1911), tinha 28 habitantes, passou a 38 em 1940 mas em 1970 já tinha descido para 27. No censo populacional (1991) registava-se a presença apenas de quatro moradores. Vinte anos decorridos, consta-nos que já não vive lá ninguém.

José Pedro Machado (3) admite que o topónimo tenha relação com a natureza geológica dos terrenos (sílica, quartzo?)

Admitindo que alguma vez tivesse sido Sirgado, talvez a sua origem pudesse estar em sirga, corda.

As ruas ainda foram pavimentadas em 1989. (4)

Além deste topónimo existe outro igual na freguesia de Alagoa, concelho de Portalegre, mas não encontrámos nenhum Sirgado.

NOTAS

(1)–Esta última designação é a que consta do Regulamento do Plano Director Municipal de Alcoutim, publicado no D.R. nº 285, de 12 de Dezembro de 1995.

(2)–“O Algarve Oriental durante a ocupação islâmica" in al`-ulyã, Revista do Arquivo Municipal de Loulé, nº 6, 1997/98, I Vol., p 285

(3)–Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte/Confluência, 1993, III Vol. p 1347

(4)-Boletim Municipal nº 5, de Setembro de 1989.

domingo, 11 de abril de 2010

À procura das raizes

Quinta-feira, dia 8!

Com quase quatro anos, chegou a altura da minha neta conhecer certos sítios onde germinaram alguns dos seus antepassados.

Segundo as informações recebidas via telemóvel, mostrava determinada ansiedade.

Pelas fotografias já conhecia tudo, sabendo dizer o que era.

Entrou na “pequena vila raiana” pelas Portas de Tavira, caminho que o seu trisavô Rosário, vindo do Marmeleiro, percorreu inúmeras vezes para ir visitar a neta Maria Isabel que como era prática da época lhe beijava a mão.

Estacionou no Cais e chamou logo a atenção para o “mar”onde os rapazes davam mergulhos.

A primeira visita, como não podia deixar de ser, foi para a maior amiga de seu pai que já a conhecia, pois teve a amabilidade de se deslocar à sua terra para a conhecer.

Foi uma alegria.



Infelizmente já não foi a tempo de conhecer outra grande amiga do pai, que lhe deu banho muitas vezes e para quem corria como se fosse sua avó.

Atravessou a Praça da República e subiu pela Rua Dr. João Dias. Já não subiu as escadinhas da “Rua da Parada” como fazia a avó quando tinha a idade dela porque as destruíram completamente!


Sentou-se no mesmo degrau onde o pai se sentava com a sua idade!

Foi apresentada a velhos amigos do pai que já não o conheciam!

O pai fez questão, e bem, de levá-la ao Castelo.



A sua conversa dava sempre em “Alcoutim é a terra da vóvó!” E é, nos ascendentes não existe outro que lá tivesse nascido, incluindo o pai, natural de Loulé.

O tempo passava rapidamente e era preciso ir conhecer Afonso Vicente que desde que começou a ter alguma noção das coisas ouviu falar e começou a pronunciar como lhe era possível mas que só a família compreendia.

Quando desceu do carro e o pai lhe apontou a casa, disse logo: Esta casa é muito gira!



Depois de ter visto a casa, não deixou de observar as suas fotografias, quando era bebé, como costuma dizer.

Nesta pequena povoação nasceu a sua bisavó Isabel, mãe da vóvó. Outros ascendentes deste ramo aqui viram a luz do dia durante os séculos XVIII e XIX e possivelmente antes.

Chama a esta casa “a casa do babá” e é hábito chorar quando sabe que vou para lá!

O grande objectivo era ver o lago com os peixinhos de várias cores e o repuxo. Foi logo onde a levaram.



Ainda reparou nas cebolas que segundo me disse estavam grandes mas também gostou de ver os pintainhos, confessou-me que o lago e os peixinhos foi o que mais gostou.



O pai fez este trabalho, (1974). Qual será o que ela irá fazer?

sábado, 10 de abril de 2010

A banca



Ainda se vêem algumas destas peças puramente artesanais por aqui e por ali, pelos montes do concelho ao abandono pois só em situações muito especiais serão utilizadas.

A um pranchão toscamente aparelhado, abriam-lhe na parte mais irregular e que ficava virada para baixo, com o auxílio de um trado e de um formão, três cavidades profundas onde implantavam paus perfeitamente ajustáveis. Escolhiam-nos de madeiras rijas, nomeadamente zambujeiro ou chaparreiro e com feitios que se adaptassem ao que pretendiam, como a imagem demonstra.

Designadas por bancas, havia-as de vários tamanhos, conforme as possibilidades e necessidades de quem as confeccionava e destinavam-se quase exclusivamente ao abate do porco.

Era aqui que depois de bem amarrado o focinho com um arame para evitar que mordesse, os homens o colocavam segurando-o com eficiência. O matador espetava-lhe a faca que ia atingir o coração, sangrando-o.

Não vamos descrever as operações por onde tem de passar, ainda que conclua que é ali aberto e lhe são extraídas as vísceras.

O termo banca não é exclusivo da região. É de origem italiana e o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa – Verbo, 2001, define-o assim: Mesa rectangular, um pouco tosca. Os homens pegaram no porco e puseram-no em cima da banca para o matarem.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Manuel José da Trindade e Lima


Professor do Ensino Primário Oficial.

Filho de José Francisco da Trindade, de Alcoutim e de D. Bárbara Maria, natural de Giões, nasceu nesta vila a 1 de Março de 1897 e faleceu na cidade de Lisboa, freguesia da Pena a l9 de Abril de 1980.

Após o 5º ano feito no Liceu de Faro, ingressou na Escola do Magistério da mesma cidade, curso que terminou em 1916 com a alta classificação de 18 valores.

Iniciando (1917) o magistério na terra que o viu nascer, disputou o lugar com o conhecido Prof. Manuel António Janeiro Acabado.

Aqui se mantém cerca de vinte anos, tendo ensinado gerações de alcoutinenses. Ficou vincada a sua capacidade de ensino.

Deu valioso contributo à Santa Casa da Misericórdia durante muitos anos, exercendo as funções de provedor em 1931/32.

Com o Dr. João Francisco Dias e seu sogro, Manuel Lopes, que na altura constituíam a mesa da Santa Casa (Provedor, Secretário e Tesoureiro) levaram a cabo a criação de um pequeno hospital que tão útil foi à vila e concelho.

Fez parte da Comissão Municipal da Campanha do Trigo.

Presidiu à Câmara Municipal por três vezes, sendo a última de 8 de Janeiro de 1938 a 21 de Janeiro de 1939. Foi o chefe “situacionista” no concelho de Alcoutim, assumindo-se um verdadeiro “salazarista”.

Na qualidade de Presidente da Comissão Administrativa da Câmara, vai junto do Ministro da Instrução e obtém a criação de diversos postos de ensino no concelho, como foi o caso de Palmeira, Santa Marta, Afonso Vicente, Santa Justa e outros. (1)

Sabemos que na inauguração do posto de Pão Duro, andou por lá dois ou três dias, já que então a deslocação a essas paragens só se podia fazer de burro ou a pé!

Entre 1934 e 1935 desloca-se várias vezes a Lisboa para tratar de assuntos de interesse para o concelho, nomeadamente sobre estradas, correio e telefones.

Na J.A.E. foi-lhe prometido e garantido que dada a impossibilidade absoluta da estrada do Vascão ser feita directamente a esta vila, visto ser uma estrada de longo curso e esse estudo ter que ser feito do Vascão directo ao ponto marcado entre a Corte da Seda e os Balurcos, (actual Cruzamento ou Quatro Estradas) seria feito um ramal para a vila. (2)

O prof. Trindade e Lima é o procurador ao Conselho Provincial pela Câmara de Alcoutim. (3)

Entretanto, para que os filhos, a quem ministra a instrução primária iniciem os estudos liceais, fixa residência na capital algarvia e exerce funções em Vila Real de Santo António.

Em 1941 consegue a transferência para aquela cidade, mas dois anos depois tem de abalar para Lisboa a fim dos filhos prosseguirem estudos superiores.

De 1955 a 1967, faz parte dos júris permanentes dos exames de adultos, aposentando-se por limite de idade após cinquenta anos ininterruptos de serviço, dedicados ao ensino.

[Casa dos Condes que foi sua propriedade e onde viveu a Família Trindade e Lima. Foto JV, 1969]

Trindade e Lima foi um amante do jornalismo, tendo colaborado em vários jornais e revistas. Entre outros, beneficiaram da sua pena, o Algarve Ilustrado, sendo das últimas colaborações que lhe conhecemos a que prestou ao semanário tavirense, “O Povo Algarvio”, onde possuía a coluna “Pequenos Apontamentos”. Aqui podem os alcoutinenses encontrar algo sobre a sua terra, a “Vila Pequenina” como sempre lhe chamou este alcoutenejo que escreveu em louvor da vila raiana.

Além da escrita, o prof. Trindade cultivava a oratória, sendo considerado exímio orador.

Colocada a situação a um dos seus filhos, lamentou-nos não ter herdado essas qualidades do pai, que lhe fizeram falta pela vida fora.


A Câmara Municipal prestou-lhe pública homenagem dando o seu nome a uma rua da vila. O acto decorreu no dia 9 de Setembro de 1984 que coincidiu com o feriado municipal. (4)

Só muito recentemente e por intermédio de um antigo aluno tivemos conhecimento do seu gosto pela poesia, que cultivava. Nunca tal tínhamos ouvido dizer! (5)


N.B.
Extraído de Alcoutim, Capital do Nordesre Algarvio (Subsídios para uma monografia), 2ª Edição, em preparação.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Português me confesso... ...com orgulho! (2)



Pequena nota
Como tínhamos sugerido, aqui estamos a partilhar com os nossos visitantes / leitores o outro poema que englobou o título acima indicado.
JV









Poeta
José Temudo




O RETRATO DE UM POVO


Olho os painéis
ditos de S. Vicente,
e fico-me bem lá atrás,
no passado distante,
olhando aquela gente.

Em cada rosto,
sério, fechado,
em cada carão,
rude, tosco,
talhado a machado,
vejo só austeridade,
determinação,
a firme vontade
de uma pequena nação
de permanecer o que é,
fiel ao Rei, aos costumes, à sua fé.

Sarada da guerra,
refeita da revolução,
os pés bem assentes na terra,
a alma plena de ambição.

Naqueles olhos,
naquelas bocas,
não há um sorriso,
um só sinal de alegria,
de ilusão ou fantasia.

Parece firmado o acordo fatal:
“Damos o Povo,
empenhamos Portugal,
em troca de um Mundo Novo!”


Vila do Conde, 23 de Agosto de 2009.

Casa típica



Esta fotografia tirei-a em 1991, caminhando, por isso, para os 20 anos.

A casa foi restaurada anos antes mantendo as suas paredes de pedra e barro que foram rebocadas, caiadas e hoje pintadas.

As barras de azul vivo não foram esquecidas.

Telhado de telha de canudo assente em caniços.

A parreira à porta e o “jardim todo florido” pelas mais variadas flores colocadas em latas, latões, canecos e directamente na terra.

Alguns anos passados, há coisas que se mantêm, mas outras foram substituídas em face dos novos hábitos e tecnologias!

Primeiro irão desaparecer as construções próprias da zona, dando lugar, naturalmente, às paredes de tijolo, os típicos caniços serão, dentro em breve, só uma lembrança de alguns e a telha árabe substituída pela moderna e vendida para construções no litoral, como agora já acontece.

Acabarão as casas típicas e dentro de vinte anos 50% dos montes do concelho estarão completamente despovoados, admitindo que alguns habitados o possam ser por estrangeiros.

É evidente que os profissionais da política não dizem isto porque não lhes convém mas serão os primeiros a abandonar o barco como o futuro irá provar.

terça-feira, 6 de abril de 2010

O Algarve Revisitado



Investigação, guião, texto e imagem de Jacinto Palma Dias, enquanto a maquetagem, paginação e capa é de João Brissos.

O trabalho de 109 páginas A/4, em papel reciclado é fortemente ilustrado por fotografias e desenhos.

Abordando todo o Algarve localizámos uma foto do concelho de Alcoutim, a pág 91 que diz respeito a parte de uma platibanda no monte da Corte da Seda.

Analisando, opinando e justificando a construção do Sul do país sobre vários aspectos, detém-se nos tipos de platibandas, nas várias decorações e colorações utilizadas.

É um trabalho indispensável para quem pretenda conhecer o Algarve principalmente sobre este aspecto.

A edição é de 1994.

Adquiri este livro em Agosto de 1994, na cidade de Faro, numa livraria que já não existe.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O lobo - devastador dos rebanhos alcoutenejos no século XIX!

(PUBLICADO NO MENSÁRIO O DISTRITO DE FARO DE FEVEREIRO DE 1997)

Pequena nota
Este artigo foi um dos dois que escrevi para este mensário regional.
JV


[O autor quando escreveu o artigo]
No século passado a população de Alcoutim, vasto concelho da serra algarvia, vivia fundamentalmente de duas actividades que estão muito ligadas: a pastorícia e a cerealicultura.
O manifesto de gado, principalmente de pequeno porte, como o ovino e o caprino, é em grande número, constituindo vários volumes que existiam no arquivo da Câmara Municipal.

A vida foi-se modificando, a desertificação começou a efectuar-se primeiro para o litoral algarvio, onde o turismo provocou oferta de trabalho, principalmente a nível de construção civil e indústria hoteleira.

Auscultando sempre que possível a memória das gentes, nunca nos foi contada qualquer estória passada com estes mamíferos de pêlo normalmente pardo e que se escondem nos matos.

Querem alguns que Alcoutim tivesse sido chamado pelos árabes, Alcatiã, que significa manada ou rebanho de gado. Também se traduz por “alcateia” de lobos, devido talvez à existência desses animais carnívoros na serra que lhe fica próximo. (1)

Pelo que me foi dado ler, sobre o século passado, se o número de lobos não era elevado, pelo menos era suficiente para causar prejuízos nos gados e originar a organização por parte da Câmara Municipal e Juntas de Paróquia, de batidas (abatidas segundo os documentos) para lhes causar baixas e afugentá-los.

Nos dias 13 e 16 de Março de 1836, fizeram-se batidas para as quais, segundo o costume local, foram convocados todos os habitantes do concelho. Os que faltaram, pagaram a multa de 500 réis, os que não compareceram à hora determinada, no local, onde se repartiriam, 240 réis e os que não foram ao que lhes estava destinado, a multa de 6 vinténs. Revertia tudo para as despesas do concelho.

A edilidade, que estava reunida, deliberou pagar os seguintes prémios:- a quem matasse um lobo, 1200 réis e sendo zorra ou gato bravo, seis vinténs. (2)

No ano seguinte, mais duas batidas são organizadas. Para a segunda, invoca-se a sumária necessidade (...) para afugentar os lobos que tanto estragos causão nos gados.
A Câmara determinou que primeiro se devia obter autorização do Administrador Geral “por não convir nas actuais circunstâncias fazer-se sem ela” (3) Estava em causa a guerrilha que nesta altura infestava a serra algarvia e era chefiada por Remechido.


Durante três anos a situação não se devia ter agravado, mas nos dias 7 e 13 de Setembro de 1840, voltaram os alcoutinenses a realizar mais duas batidas.

Deram-se as ordens nesse sentido e quem faltasse pagaria a multa de trezentos réis, se fosse trabalhador e quinhentos se fosse lavrador. Aparece aqui a diferença de taxas talvez consequência do liberalismo.

A primeira montaria cerrava no sítio do Landeiro, entre Tacões e Fonte Zambujo e a segunda no serro das Mortalhas, entre Zambujal e Vaqueiros. Mantinham-se os prémios instituídos para as espécies abatidas. (4)

Em 1854 por iniciativa do vereador Joaquim Pedro Teixeira, de Giões e pelos motivos habituais, organizaram-se duas batidas, uma no dia 17 e outra no dia 25 de Fevereiro.

Na sessão camarária de 2 de Março resolveu-se pagar os prémios do costume, referente a um lobo e dezoito zorras.

Como da análise da situação se concluiu que se escaparam alguns lobos, resolveu-se fazer nova batida no dia 15.

Os mattos da Ribeira da Foupana são indicados como o principal coito de lobos e zorras pelo que lhe é feita uma batida no sítio do Palheiro do Sobrado. (5)

Durante cerca de vinte anos não se fazem “abatidas” porque os resultados não correspondem aos incómodos e dias perdidos aos que a elas concorriam. (6)

A proliferação dos lobos faz-se entretanto e o Regedor da Freguesia de Martim Longo exige uma montaria aos lobos de modo a evitar de futuro tantos prejuízos. É pedida a colaboração dos moradores das freguesias de São Pedro de Sólis, São Miguel do Pinheiro (Mértola), Santa Cruz e Ameixial (Loulé) e de Cachopo (Tavira). A bandeira mestra seria colocada na Portela do Pereirão e teria lugar no dia 8 de Outubro de 1879. (7)

Na década de oitenta o número de batidas sobe bastante e é frequente a substituição de “abatida” por montaria e mesmo “montada”.



Em 15 de Janeiro de 1885 a bandeira foi colocada nas proximidades do ”monte” de Monchique (Vaqueiros); em 14 de Fevereiro do mesmo ano o sítio escolhido é o da Parreira, próximo da Ribeira da Foupana, solicitando-se a colaboração das gentes de Cortes de São Tomé (actuais Corte Nova e Corte Velha), Vale do Pereiro e Furnazinhas da freguesia de Odeleite.

Em 1886 o Regedor da Freguesia de Vaqueiros diz que os lobos ali devastam os gados e em tão grande número que aterrorizam os moradores.

O Administrador do vizinho concelho de Mértola pede a colaboração dos habitantes de alguns “montes” da freguesia do Pereiro numa montaria a realizar em breve. Aos que não colaborarem serão aplicadas as multas constantes do código de posturas do concelho.

A última abatida de que temos notícia realizou-se no dia 24 de Janeiro de 1891 e foi requerida pelos lavradores de Giões. Os moradores do Serro da Vinha, Coito e Tesouro foram dar a mão, no sítio da Foz do Malheiro, aos do concelho de Mértola (freguesia do Espírito Santo), seguindo pela ribeira acima até ao moinho do Marmeleiro, sendo o cerramento no sítio da Volta dos Aldeanos, próximo da Ribeira do Vascão.

Como vedes os lobos criaram grandes dores de cabeça aos alcoutenejos daquele tempo, no entanto foram eles que acabaram por desaparecer completamente, vítimas da perseguição a que foram sujeitos.
Os javalis infestam presentemente todo o concelho e o povo diz na sua sabedoria que em terra em que há javalis, não há lobos. Será verdade?

O arquivo municipal foi incendiado pelo Remechido pelo que não nos foi possível recuar mais no tempo por falta de documentação.


NOTAS

(1)-Lendas- Histórias- Etimologias (...), Alexandre de Carvalho Costa, 1958, pág. 98
(2)-Acta da Sessão da C.M.A. de 5 de Abril de 1836.
(3)-Acta da Sessão da C.M.A. de 7 de Setembro de 1837.
(4)-Acta da Sessão da C.M.A. de 3 de Setembro de 1840.
(5)-Acta da Sessão da C.M.A. de 28 de Janeiro de 1858.
(6)-Of. nº 10 de 16 de Fevereiro de 1876, do Regedor da Paróquia do Pereiro.
(7)-Of. nº 135 do Regedor da Paróquia de Martim Longo.