sábado, 16 de julho de 2011

Aldeia do Surf





Escreve


José Miguel Nunes




(PUBLICADO NO JORNAL PENICHE ONLINE EM 5 DE JULHO DE 2011)



Este ano fui à CONVENÇÃO SOU DE PENICHE, iniciativa organizada pela Câmara Municipal de Peniche.

Depois de cinco edições, foi a primeira vez que participei nesta iniciativa, vamos ver se não será a última. O sentimento com que de lá saí, e à semelhança de outras iniciativas do mesmo género a que já assisti, foi de alguma frustração, ou seja, na sua essência a ideia é bastante interessante, mas depois em termos práticos esse interesse desvanece-se, e estou a referir-me obviamente só à apresentação da ALDEIA DO SURF, que foi aquela a que assisti com mais atenção.

O projecto Aldeia do Surf, foi uma apresentação repartida entre a Câmara Municipal de Peniche e a Rip Curl Portugal, primeiro através do arquitecto municipal responsável pelo projecto, e numa segunda fase pelo responsável da Rip Curl. Achei uma apresentação demasiado generalista, com pouco foco. Não posso dizer que tenha saído de lá muito mais esclarecido do que quando entrei, mas talvez isso seja um problema meu.

Do que consegui retirar da explicação, fiquei a saber que este projecto pretende implementar-se em terrenos municipais na zona próxima ao CAR Surf, o que basicamente quer dizer, a reestruturação do Parque de Campismo Municipal, a possível reconversão do espaço hoje conhecido como Sportágua, e a construção de uma “megastore” da Rip Curl em terrenos próximos, é isto em termos muito gerais, porque a apresentação também o foi, a Aldeia do Surf. Para já é um projecto que na minha perspectiva pode ser muito interessante.

Vamos então tentar esmiuçar, dentro do possível, um pouco mais esta Aldeia do Surf.
Em primeiro lugar o nome Aldeia do Surf, que nas palavras do Sr. Presidente da Câmara poderá sofrer alteração, na minha opinião não valerá a pena, esta é uma excelente designação.

[Peniche. Sportágua. Foto JV, 2011]

Segundo, a reestruturação do Parque de Campismo Municipal. Era inevitável, com ou
sem Aldeia do Surf. Do que me pude aperceber, e aliás foi mencionado no decorrer da apresentação, pretende seguir uma linha muito próxima do existente na Ericeira, concordo, apesar de achar que há sempre lugar à inovação e à diferenciação. A oferta de alojamento e o aumento em termos de qualidade que proporcionará esta reconversão é sem dúvida importante (e esta é, ainda nas palavras do Sr. Presidente, uma das carências de Peniche, com a qual também concordo) para um projecto como este, no entanto na minha opinião não chega, pois os surfistas, ao contrário do que alguns ainda pensam e dizem, não procuram só este tipo de alojamentos, procuram também outros, nomeadamente hotéis, e existem dois ali bem perto, poderiam e deveriam também estes ser integrados nesta Aldeia do Surf com algum tipo de pareceria, que fosse de encontro aos desejos de maior conforto que alguns surfistas têm para as suas estadias, e que por outro lado abrisse o leque de futuros clientes a estas unidades hoteleiras.
Terceiro, Sportágua, bem quanto ao Sportágua não fiquei a saber nada de relevante, a não ser que se poderá pôr a hipótese de ser reconvertido e integrado na Aldeia do Surf. Também não é nada de extraordinário, pois é um espaço que tal como está obviamente não tem condições para continuar, é um espaço com potencialidades para poder ser aproveitado de uma outra forma, o conceito de “glamping” por exemplo seria bastante interessante e inovador integrado neste projecto e neste espaço.

Quarto, mega loja da Rip Curl. Ao que pude apurar, apostará na qualidade, pretendendo ser uma das melhores da marca na Europa, com variadíssimos espaços para além da loja em si, incluindo uma escola de surf. Se é importante, sim, acho que é, é sempre importante este tipo de infra-estruturas, mas é preciso ter alguma atenção. Não devemos esquecer que este tipo de empresas, e fruto das novas técnicas/tecnologias de mercado empregam muito poucas pessoas, não caíamos no erro de nos deslumbrarmos com o tamanho físico do projecto, facilitando mundos e fundos, que depois são muito desproporcionados relativamente às contrapartidas. Logicamente que não podemos falar só em empregos directos, seria no mínimo demagógico se o fizéssemos, mas tomando este caso como exemplo, a Rip Curl que está em Peniche há mais de vinte anos, emprega neste momento pouco mais de uma dezena de pessoas, e dessas apenas cerca de 28% são de Peniche. Se a nova mega loja empregar três vezes mais pessoas, e continuar na mesma proporção que tem actualmente, isto quer dizer que a criação de emprego para pessoas de Peniche se cifrará em cerca de oito postos de trabalho, o que na minha opinião é manifestamente pouco. Há sem dúvida aqui mais qualquer coisa a negociar com a Rip Curl.

[Peniche, Parque de Campismo. Foto JV, 2011]

É verdade que a Rip Curl com o seu campeonato do World Tour em Peniche trouxe uma visibilidade enorme à terra, e que essa visibilidade se traduzirá inevitavelmente num aumento de turistas, é verdade que a Rip Curl nos últimos três anos já investiu em Peniche (leia-se, quase na totalidade Rip Curl Pro Portugal) cerca de três milhões de euros, mas também é verdade que o retorno foi essencialmente para a marca, e isto porque a qualidade das ondas de Peniche permitiu que o campeonato fosse um sucesso, é verdade que é extremamente importante que a Rip Curl continue em Peniche, mas também é verdade que é importante que a Rip Curl tenha a noção que pode ser muito mais “solidária” no apoio que pode prestar em diversas áreas para que o surf possa ser muito mais sustentável e transformar-se na mais-valia que realmente pode ser na precária economia local.

Em jeito de conclusão, acho que a Aldeia do Surf, como já disse anteriormente, é
realmente um projecto muito interessante, no entanto é preciso ter muita atenção aos pormenores, tendo sempre muito presente que o activo que são as ondas de Peniche, e muito particularmente a onda dos Supertubos têm muito valor, tanto para a Rip Curl, como para outra marca qualquer que tenha o seu “core business” nesta área, e é isto que temos de potenciar na negociação das contrapartidas, o valor das nossas ondas.
O patamar negocial agora já é outro, bem diferente daquele de há três anos atrás.

Conhecidos já nós somos, o nível e a qualidade das nossas ondas já todos sabem qual é, essa parte está feita, agora precisamos de estabilizar e credibilizar o surf e todo o negócio que o envolve com apoios sustentáveis em várias áreas de intervenção.

Não podemos aceitar como contrapartida de construção de um imóvel em terrenos municipais (± 2.400m2) apenas mais ou menos dinheiro para a realização de um campeonato, que mais ano menos ano até pode rumar a outras paragens, pois essa decisão não está unicamente dependente da Rip Curl,... e mesmo que estivesse.

Se queremos realmente que o surf traga algo de muito positivo para o crescimento económico de Peniche, temos de ser mais incisivos e duros na negociação com aqueles que maior partido tiram do nosso património natural, que são as ondas, canalizando as contrapartidas para algo sustentável, de modo a que no futuro tenhamos uma rede bem montada de infra-estruturas, que nos permitam ficar cada vez menos dependentes das variações negociais próprias dos grandes grupos empresariais.

Podemos e devemos ter como base importante de trabalho aquilo que de bom já foi feito noutros lugares, mas por favor, inovemos e marquemos a diferença, esta Aldeia do Surf pode e deve ser diferente, esta Aldeia do Surf pode e deve ter a nossa marca. Já agora, e a título de remate, porque não mesmo uma aldeia, com ruas e casas em madeira, um parque de campismo (mais pequeno) lá no meio, os hotéis, zona de “glamping”, mega loja de surf, o CAR Surf, e quem sabe, mercearia, lojas de aluguer e arranjo de pranchas, … e por aí fora.

Volto a dizer, este projecto da Aldeia do Surf parece-me realmente muito interessante, mas mais interessante ficará se for diferente e inovador.