terça-feira, 12 de julho de 2011

A amêndoa, a riqueza perdida



O alcoutinense começou a sentir necessidade de tornar os terrenos mais rendíveis e ao mesmo tempo que se ia afastando dos gados e libertando da necessidade premente de semear hoje para comer amanhã, dedicou-se à amendoeira, semeando-a nos lugares onde tinha havido trigo e outros cereais, começando assim a aparecer extensos amendoais.

A invasão da plantação dos arvoredos algarvios, amendoeira, figueira e alfarrobeira, dá-se na primeira metade do século passado, constituindo o principal cuidado dos lavradores do vale do Guadiana, com especial incidência na freguesia de Alcoutim.

Nos anos vinte o concelho já figurava como produtor de figos e amêndoas. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira já indica a amêndoa como principal produção do concelho. As freguesias de Alcoutim e Vaqueiros, por esta ordem, eram as mais produtivas.

Estes arvoredos, plantados no xisto, têm em relação aos do litoral não só um ritmo de desenvolvimento muito mais lento, como um porte adulto bastante menor, donde deriva uma baixa produção unitária.

Em 1923, Alcoutim produzia 50 toneladas de amêndoa, ocupando o 7º lugar no Algarve.

Ao contrário do que sucede com a zona do litoral, plana ou pouco acidentada e onde a temperatura raras vezes desce a valores baixos, aqui o terreno é bastante acidentado, as baixas temperaturas observadas e as geadas frequentes tornam contingente a frutificação da grande maioria das castas.

Para uma melhor produção é necessário que se utilizem castas muito resistentes ou de floração bastante mais tardia e se escolham as exposições convenientes para as árvores.(1)

Oriunda da Ásia segundo uns, do Norte de África segundo outros, foi introduzida em Portugal pelos Árabes.



Frei João de S. José (2) refere-se à amêndoa do seguinte modo:-”A amêndoa no Algarve, é boa fazenda porque não requer algum adúbio (amanho), não apodrece com a chuva nem se toma de bicho, nem tem seu dono com ela mais gasto que varejá-la, quando ela mesmo por si se abre e despe a casca, na amendoeira”.

Quase tudo o que o frade refere tem plena aplicação nos nossos dias.

As amêndoas poderão classificar-se em três grandes grupos: as cocas, cuja casca é extremamente mole, as molares, que oferecem pouca resistência e as durázias, que custam a partir.

O miolo é mais ou menos doce ou então amargo. Este último é destinado ao fabrico de licores. As castas existentes são em grande número.

O alcoutinense semeou os seus amendoais de uma maneira muito primitiva, já que não tinha auxílios monetários e técnicos para o fazer melhor.

O burro abria o rego e a amêndoa ia caindo – foi assim que as sementeiras se fizeram!
O nascimento e desenvolvimento dependiam da natureza do terreno e da sua exposição, ainda que seja árvore de fácil adaptação.

Apesar de o poder fazer antes, o alcoutenejo lá para os quatro, cinco anos e quando a árvore já tinha um porte razoável, cortava-a na época própria (quando a árvore está a descansar) a uma altura de cerca de um metro e vinte. A “rebentação” dá-se com vigor e então fazia-se a enxertia de canudo, sistema extremamente fácil, rápido e eficiente. Escolhe-se a casta desejada e procura-se a pranta (planta), os ramos novos que dão casca, isto é, a parte interior, a “madeira”, já está suficientemente rija para que, depois de dois cortes circulares na pele (casca) na qual se encontre um “olho”, se extraia sem rachar um canudo, após um movimento rotativo.

Junto da árvore que se quer enxertar, escolhe-se um rebento cujo interior (madeira) se ajuste ao canudo. Esgaça-se então e antes de introduzir o canudo que deve ficar bem ajustado à madeira, é levemente cuspido para assim colar mais facilmente. Depois, apara-se o enxerto, isto é, cortam-se as pontas que não são necessárias.

Em cada pé (árvore), colocam-se dois ou três canudos em posição que possam formar uma boa copa.



Um ou dois meses depois é indispensável ir limpar os enxertos que consiste em ir matar (cortar) os rebentos bravos que naturalmente se desenvolvem mais do que os mansos e se não forem eliminados acabam por matar estes, já que lhe roubam a seiva.

Esta operação de limpeza faz-se as vezes que forem necessárias mas é preciso ter o cuidado de deixar alguns bravos que permitam uma melhor respiração da árvore.

É por vezes surpreendente o tamanho adquirido pelos ramos novos que num espaço de três meses atingem o comprimento de braços de homem, chegando a partir devido ao peso, perdendo-se assim.

A amendoeira, como já dizia Frei João, não necessita de muitos cuidados. Depois de árvore feita, uma limpeza e lavoura de tempos a tempos chegam-lhe.

A apanha faz-se de meados de Agosto a meados de Setembro, dependendo das condições climatéricas do ano e da mão-de-obra.

Manhã bem cedo, para aproveitar a fresquidão, homens e mulheres deslocam-se aos amendoais, onde as mulheres varejam as árvores com canas, fazendo cair os frutos mais resistentes. Era hábito provar sempre o fruto e se fosse amargo colocava-se uma pedra no tronco, marca suficiente para se fazer o corte para enxertia.

Aos homens cabe ensacar as amêndoas e transportá-las nos burros aos toscos armazéns que possuem perto das suas habitações. Fazem tantas carreiras quanto as necessárias. Quando o calor começa a apertar, regressa tudo a casa para almoçar e por vezes dormir a folga, após a qual se continua o trabalho, agora procedendo à pelagem daquelas que por qualquer razão não deixaram cair a pele.

Após a pelagem, põem-se ao sol um ou dois dias, e a seguir são ensacadas.

Pesadas ainda muitas vezes com balanças romanas, são vendidas às arrobas aos intermediários das redondezas.



Durante algumas décadas constituíram o principal rendimento do agricultor local para depois terem caído em preços irrisórios, estando o arvoredo completamente abandonado e acumulando as árvores em cima dois e três anos de produção!

A madeira da amendoeira, que é rija e oleosa, faz boas brasas para aquecimento.

O povo referia-se à amendoeira nesta quadra tradicional recolhida por Leite de Vasconcellos.


Adês, vila de Alcoutim
Cercada de amendoêras
Onde o mê amor passêa
Todas as quintas-fêras.


Hoje, já ninguém apanha uma amêndoa. Constitui uma riqueza perdida.


NOTAS

(1) – “Notas sobre as amendoeiras”, Boletim da Junta de Província do Algarve, 1940.
(2) - Corografia do Reino do Algarve , 1577.
(3) – Elucidário, Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Porto, 1965.

[Texto extraído da 2ª Edição de Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia), em preparação].