segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Reinado de D. Miguel e Alcoutim

(PUBLICADO NO JORNAL DO BAIXO GUADIANA Nº 79, de SETEMBRO DE 2006)



D. Miguel, então um jovem de vinte e cinco anos, chega a Lisboa a 22 de Fevereiro de 1828. Jura a Carta Constitucional quatro dias depois e assume a Regência, nomeia Ministério e substitui os governadores militares.

A 25 de Abril dão-se tumultos absolutistas em Lisboa e o mês de Maio é pródigo em acontecimentos políticos, uns a favor do liberalismo, outros do absolutismo que D. Miguel representava.

O pronunciamento Constitucional estala em Lagos no dia 25 por intermédio do 1º Batalhão do Regimento de Infantaria nº 2 e é sufocado três dias depois pela guarnição de Faro.

Sabe-se que nessa altura não eram poucos os defensores das ideias liberais em Alcoutim, Lagoa, Loulé, Portimão e Silves, manifestando uma política de resistência. (1)
Em 30 de Junho D. Miguel assume o título de rei.

Sobre o período de 1828-1834, que corresponde ao seu reinado, pouco se sabe do que se passou no concelho de Alcoutim, havendo contudo conhecimento que de 1833/34 as guerrilhas das lutas liberais inutilizaram pelo incêndio todos os arquivos existentes. (2)
O saldo da Irmandade de Nª Sª da Conceição que a mesma diz estar em poder dos Herdeiros de António Sebastião de Freitas (93$998 réis) não tem sido satisfeito porque os mesmos herdeiros foram em 1833, quando emigraram para Faro, roubados e saqueados na sua casa pelas guerrilhas, justificando depois ter no saque entrado os géneros da mesma Capela. (3)

Escapou à voragem do incêndio o "Registo que fez sua Magestade do lugar de Juiz de Fora desta villa ao Doutor José Pinto Coelho de Athaíde de Castro o que foi feito em nome de Dom Miguel por Graça de deos Rey de Portugal e dos Algarves (...) e como Senhor e Administrador da Caza de Estado e do Enfantado." Só existe parte do documento (pág. 168, verso) pelo que desconhecemos a data. Aspar as páginas, quando não destruí-las, foi prática seguida em todo o país, como os pesquisadores anotam.

Silva Lopes, o corógrafo algarvio, liberal que esteve preso no Forte de S. Julião da Barra, informa-nos que o digno parocho José Rodrigues Teixeira (...) falleceo profugo em Lisboa no anno de 1833, perseguido por constitucional desde 1828 (4)

[Lápide de sepultra do P. José Rodrigues Teixeira que não foi usada. Foto RV, 2011]
Este padre, natural da freguesia de Giões que paroquiou durante alguns anos, foi padrinho e presumo que tio, de José Pedro Rodrigues Teixeira, nascido em 16 de Outubro de 1802 e que veio igualmente a ser padre, paroquiando durante trinta e cinco anos a freguesia de Martim Longo, no cemitério da qual ficou sepultado.
Teve seis irmãos e duas irmãs, passando muitos deles e seus descendentes, por lugares políticos, incluindo a presidência da Câmara. Um deles, foi secretário da Câmara durante quarenta e sete anos.
Segundo Ataíde de Oliveira (5) a numerosa família dos Teixeiras, provenientes do concelho de Alcoutim, são descendentes do capitão-mor Teixeira.

O capitão Teixeira que encontrámos mais recuado no tempo foi Sebastião Teixeira que apresentamos com alguma dúvida como Provedor da Santa Casa da Misericórdia em 1718/19. (6)

O coadjutor da paróquia de S. Salvador de Alcoutim, o P. Valentim Timóteo da Conceição Aleixo, foi preso na vila em 1828 e entra na Torre de S. Julião da Barra em 11 de Fevereiro de 1831. (7)

O padre Valentim Aleixo (8) era natural de Tavira e filho de Francisco Pereira. Foi pronunciado com outros indivíduos na devassa aberta na vila de Alcoutim devido aos acontecimentos que aí se deram em 1828. Por acórdão de 14 de Outubro de 1830 foi condenado a dez anos de degredo para o Presídio de Engoge (será Angoche - Moçambique?) e a 200.000 réis para as despesas da Relação, sendo levantado o sequestro de seus bens. (9)

Requereu o P. Aleixo que se lhe mandasse entregar uma navalha de barba que na revista se extraviara. Obteve o seguinte despacho:- Deve o Supte Rezar amiudadas vezes o Responço de Santo António. (10)

[Forte de S. Julião da Barra]

Ainda que não tivesse sido preso na Torre de S. Julião da Barra, o Prior de Alcoutim, José Joaquim Cavaco, natural de Loulé, foi igualmente pronunciado na devassa aberta no Algarve para conhecimento dos eclesiásticos envolvidos na rebelião. Foi acusado de reunir na sua residência, na vila, indivíduos conhecidos pelas suas ideias liberais e revolucionárias que procuravam a anulação da aclamação de D. Miguel. Por acórdão de 28 de Julho de 1831 foi condenado a dez anos de degredo para a ilha de S. Tomé e a 10.000 réis para as despesas da Relação. (11)

As penas aplicadas a estes eclesiásticos só em parte teriam sido cumpridas devido ao desenrolar dos acontecimentos com a vitória dos liberais.

Sabemos que em 1845 o prior Joaquim José Cavaco é o Cónego Reitor da Sé de Faro e que possuía uma herdade em Alcoutim, próximo da Fonte Primeira (12), provando a sua ligação a este concelho ao ser por ele procurador à Junta Geral do Distrito, pelo menos em 1843.

Em 1808 já exercia funções como prior na matriz da vila, onde baptizou uma filha do Alferes António Sebastião de Freitas, irmã de António José, então com doze anos e que veio a ser o ainda hoje falado Padre António (tio) (13) tendo possivelmente vindo de Tavira onde em 1806 paroquiava as freguesias de Nª Sª da Luz e de S.to Estêvão. (14)
Em 1821 é um dos quarenta e quatro subscritores da Petição da Feira Franca a ter lugar na vila, que acaba por ser concedida por D. João VI, excepto no que concerne a ser “franca”, isto é, isenta de encargos fiscais. (15)

Outra vítima do regime miguelista foi Sebastião Garcia Barroso, ferrador, natural de Vila Nova (será Castelejo?) Espanha a quem foi movido processo-crime por ter proferido na vila de Alcoutim palavras consideradas sediciosas e ofensivas ao regime legítimo. Por acórdão de 10 de Fevereiro de 1831 foi condenado a três anos de galés. (16)
Ainda que o facto se tivesse passado em Lisboa, sabemos que uma alcouteneja, Teresa da Conceição, caixeira de profissão, é acusada com muitos outros de possuir papéis revolucionários e que alguns tentaram espalhar pela capital e acabou por ser mandada pôr em liberdade. (17)

Quanto ao Pronunciamento Constitucional no Algarve, de Maio de 1828, no que respeita à parte militar, igualmente produz mossas em Alcoutim visto terem sido movidos processos crimes contra o governador, Coronel Francisco Carneiro Homem Sotto Maior, natural de Lisboa e o governador interino da Praça, o Tenente do Regimento de Artilharia nº 2, Isidro da Costa Leite, natural de Chaves. (18)

Desconhecendo o que o processo ditou, vamos encontrar o primeiro preso na Torre de S. Julião da Barra, como coronel e governador de Olhão, onde foi preso em Agosto de 1830.

Certamente que depois de governar Alcoutim, terá sido colocado em Olhão, o que é intrigante é o facto de ter denunciado dois homens, pai e filho, como partidários do regime liberal, processo-crime de que vieram a ser absolvidos por falta de provas. (19)
Depois de termos visto o que se passou a nível político, iremos agora abordar o desenvolvimento militar.


[Duque da Terceira]
Após o desembarque do Duque da Terceira (1833.07.24) na praia da Alagoa entre Cacela e Monte Gordo, é ocupada de seguida a cidade de Tavira quase sem resistência. Uma deputação de Vila Real de Santo António chega à cidade declarando a sua adesão à causa constitucional. (20)

O Coronel de Milícias, Domingos de Melo Breyner, que fazia parte da expedição, é logo nomeado governador militar daquela vila, para onde marcha sem auxílio algum, organizando ali um batalhão nacional. (21)

Melo Breyner com os seus voluntários e o auxílio de cinquenta mercenários franceses enviados de Faro pelo Duque de Palmela, apoderam-se de Alcoutim ficando às suas ordens as margens do Guadiana pois já controlava Castro Marim.

Dá-se o reverso da medalha e os miguelistas, sob o comando de Sebastião Martins Mestre, ocupam as povoações da linha do Guadiana, entre as quais Alcoutim, o que permite impedir a navegação da esquadra liberal no rio. Nesta altura os miguelistas tinham-se apoderado de todas as povoações algarvias, com excepção de Faro, Lagos e Olhão. (22)


[Sá da Bandeira]
Sá da Bandeira é enviado para o Algarve a fim de dominar militarmente a situação e em Fevereiro de 1834 a flotilha liberal, seguindo as suas ordens, entra no Guadiana, assegurando a sua navegabilidade e evitando o apoio de vários tipos que por esta via o inimigo ia recebendo.

A Convenção de Évora-Monte pela qual D. Miguel é obrigado a depor as armas e a sair do país, tem lugar a 26 de Maio de 1834.

Quinze dias depois é lavrado na Câmara de Alcoutim um Auto de Aclamação, reconhecendo-se por legítima Rainha de Portugal a Senhora Dona Maria Segunda e a Carta Constitucional. Estiveram reunidos o clero, nobreza e povo, tal como o Governador Militar (interino), Capitão José Carlos de Siqueira. (23)

A 21 é instalada a Câmara Liberal, deliberando logo que fosse vendida em hasta pública uma porção de palha que os rebeldes miguelistas tinham feito reunir na vila, a qual pertencia ao povo e que do seu produto se pagasse o conserto das avarias que sofreu a Casa da Câmara e também reposto no seu lugar o alcaide da vila, Manuel Cordeiro, que tinha sido preso pelos absolutistas. (24)

Aqui fica o pouco que foi possível recolher e investigar sobre o que se passou em Alcoutim, ou com ele relacionado, durante o reinado de D. Miguel.

Sabemos de outros arquivos que têm documentação que muito enriqueceria este assunto mas isso ficará para os técnicos que a eles têm acesso.


NOTAS
(1)- História de Portugal,Joaquim Veríssimo Serrão Vol. VII, Ed. Verbo, 1984.
(2)-“Os arquivos Municipais no Algarve e a Restauração”, Alberto Iria in Boletim da Junta de Província do Algarve, 1940
(3)- Alcoutim, capital do nordeste Algarvio (subsídios para uma monografia),José Varzeano, Ed. da Câmara Municipal de Alcoutim, Rio Maior, 1985, pág. 196.
(4)-Corografia do Reino do Algarve, 1841.
(5)-Monografia do concelho de Loulé, Algarve em Foco, pág. 276.
(6)-José Varzeano, ob. cit. Pág. 249.
(7)- História do Cativeiro de Presos de Estado na Torre de S. Julião da Barra de Lisboa, João Baptista da Silva Lopes, Publicações Europa-América, Livro de Bolso, nº 203, pág. 82
(8)-A título de curiosidade dizemos que este padre baptizou em 18 de Janeiro de 1824, o tetravô de meu filho, Joaquim Madeira, natural de Marmeleiro, Alcoutim.
(9)- Processos Políticos do Reinado de D. Miguel,Jorge Hugo Pires de Lima, Coimbra, 1972, pág. 563.
(10)-Op. Cit. em (7), pág. 303.
(11)-Op. Cit. em (9), pág. 329.
(12)-Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 8 de Dezembro de 1845
(13)-ANTT, Freguesia e concelho de Alcoutim, assento de baptismo de Rita, de 20 de Novembro de 1808.
(14)- Tavira e o seu Termo, Memorando Histórico, Arnaldo Casimiro Anica, Vol. II, Ed. Câmara Municipal de Tavira, 2001, págs. 243 e 246
(15)-“ A Feira de Alcoutim Instituída em 1822”, J.C. Vilhena Mesquita in Jornal do Algarve, Vila Real de Santo António, 22 de Agosto de 1991.
(16)-Op. Cit. em (9), pág. 552.
(17)-Op. Cit. em (9), pág. 271.
(18)-Op. Cit. em (9), pág. 153.
(19)-Op. Cit. em (9), pág. 293.
(20)-Liberais e Miguelistas, Mário Domingues, Ed. Romano Torres, Lisboa 1974, pág. 531.
(21)- Dicionário Portugal, Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Ed. Romano Torres, 1904.
(22)- A Guerrilha do Remexido,António da Canto Machado e António Monteiro Cardoso, Publicações Europa-América, pág. 31.
(23)-"Auto de Aclamação de 8 de Junho de 1834," in Livro de Actas da Câmara Municipal de Alcoutim.
(24)-Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 21 de Junho de 1834.