domingo, 23 de outubro de 2011

Os meus onze anos de Festas de Alcoutim

[Retirado com a devida vénia de http://alcariaalta.blogspot.com]

Depois de ter deixado passar todo o badalar dos ditos 60 ANOS das Festas de Alcoutim, pouco interessa que sejam 61, 62 ou 63 e que algum eco teve neste espaço, penso ser a altura de dizer alguma coisa sobre o assunto, sobretudo, durante o período de 1967/77.

Ainda que já tenha abordado especificamente muitos assuntos referentes a todo o concelho em livro, na imprensa regional e principalmente neste espaço, nunca abordei o tema das Festas de Alcoutim, a não ser numa leve referência a pp 117 e 118 do meu trabalho, Alcoutim – Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia), 1985.

Fi-lo através da informação oral transmitida, que como se sabe é muito falível. Se até a escrita por vezes o é, como já tenho verificado, pois por vezes falam-se em alhos e escrevem-se bugalhos!

Pouco depois da publicação daquele livro, recebi uma carta do alcoutenejo Eng. Gaspar Santos onde além de me agradecer o trabalho desenvolvido teve a amabilidade de apontar com minúcia algumas falhas por ele notadas, o que anotei e muito lhe agradeci. Foi dos únicos alcoutenejos que o fizeram. O maior volume de mensagens (escritas) recebidas é de não alcoutenenses.

É nesta altura que sou alertado pelo Amigo Gaspar Santos para o facto das Festas de Alcoutim terem sido criadas pelos jovens que constituíam o Grupo Desportivo de Alcoutim liderado por Fernando Lopes Dias.

Quando me foi possível consultar a pouca documentação do Grupo Desportivo e que veio a dar origem à publicação de um pequeno opúsculo, encontrei efectivamente dados claros que confirmam o que aquele amigo nos tinha informado.

Se chegar a sair uma nova edição daquele meu trabalho, a rectificação está há muito feita.

Não posso deixar de referir que houve gestões do G.D.A. em que não se lavrou uma única acta! Possivelmente passaram-se coisas boas ou más, mas a verdade é que não ficaram escritas para os vindouros.

Uma das razões que me levou a nunca ter escrito nada específico sobre as Festas de Alcoutim foi o facto de não vislumbrar nada escrito sobre as mesmas.

Existia, e é mais uma informação fornecida por Gaspar Santos, um alcoutenejo que tinha toda a colecção de cartazes das festas, o que constituía por si um acervo importante para se fazer a sua história. Faleceu e possivelmente perdeu-se toda essa documentação.

Terá havido mais alguém que o tivesse feito? É possível, mas não acredito.

Será que existem coleccionados todos os cartazes da Feira do Artesanato, os seus participantes e a indicação de despesas e receitas? Possivelmente não. Depois, só se faz a estória com aquilo que as pessoas dizem e com as falhas que tudo isso acarreta.

Mais uma vez tal vai acontecer, pois vou falar de memória sobre os onze anos das Festas de Alcoutim a que assisti. É por isso uma opinião pessoal dos factos que vivi e que certamente outros da mesma época contarão de uma maneira diferente.

Cheguei a Alcoutim no dia 13 de Junho de 1967.

Em Agosto comecei a ouvir falar nas festas. Toda a gente falava nas festas e ouvia-se dizer que “este ano não se fazem”. Todos andavam tristes mas as pessoas importantes da terra não avançavam.

A juventude naturalmente fervia, queria as festas para se poder distrair já que durante todo o ano era a única hipótese de o fazer.

[José Ribeiros Vaz]
Lembro de aparecerem dois jovens, ambos aspirantes de finanças, qualquer deles ainda sem cumprirem o serviço militar que tiveram a coragem de pegar no assunto. Um, alcoutenejo, José Afonso Pereira Ribeiros Vaz, vitimado pela guerra colonial em Moçambique, junto ao lago Niassa, o outro o tavirense Joaquim Messias dos Santos.

As festas desse ano devem-se sem dúvida nenhuma a eles, que naturalmente tiveram a colaboração de todos os outros jovens que iam ajudando naquilo que podiam.

Ainda que a minha presença fosse recente não deixei de oferecer os meus préstimos no que pudesse ajudar.

A decoração do recinto até aí era feita à base das célebres bandeirinhas de papel de seda coladas em fio de sisal com cola de farinha. Além disso, cobriam-se os paus que seguram as lâmpadas e as bandeiras com vegetação como se fazia nos mastros. Não podiam faltar as folhas de palmeira que engalanavam o palco e as entradas. A casuarina, que já estava adulta, recebia também lâmpadas e bandeiras.

Era fundamentalmente isto que acontecia.

Propus então que podíamos melhorar a decoração com caixas de cartão (que esgotámos no comércio local – o meu amigo João Guerreiro despejou algumas para as podermos utilizar) com inscrições feitas através da retirada do cartão de letras cujo espaço era ocupado com papel “celofane” de várias cores. Lembro-me perfeitamente que entre outras fizemos cinco caixas com o nome das cinco freguesias que constituem o concelho.

É claro que em Alcoutim não havia tal papel o que ainda acontecerá hoje.

O cartaz com que se abre este escrito e que Lunaplena publicou no seu blogue, Alcaria Alta, um monte do nordeste algarvio é desse ano e da minha autoria. Só me lembrei dele quando o vi publicado. Bem-haja por isso a neta do João Baltazar Guerreiro, que nessa altura estava muito distante de nascer.

A única coisa que existia das Festas era um velho estrado que de ano para ano ia causando maior dificuldade em montar. Eu dizia que qualquer dia os artistas caíam e podiam ficar molestados.

As cadeiras de madeira eram alugadas em algures e constituía uma despesa apreciável para a chamada “Comissão”.

[Quermesse que veio a servir nas Festa de Alcoutim]

A velha quermesse saída das mãos habilidosas do Dr. Cunha foi montada em frente da capela de Sto. António onde tinha lugar marcado. Parece que estou a vê-la. Foi montada mais uns anos, não sei quantos, mas foi coisa tão característica das nossas festas que ali desapareceu completamente.

Lembro-me que actuou a grande orquestra “Alma Alentejana” de Portel. Igualmente recordo que não me deitei e fui abrir a repartição à hora devida. Tomem nota, não me embebedei e não tenho a certeza se tomei alguma bebida alcoólica. Nesta altura as coisas eram muito diferentes.

Nesse ano o peditório pelos montes já não teve lugar, pois a desertificação já tinha começado. Entretanto, deixaram-se de enviar as circulares que pretendiam o envio de alguma coisa para auxílio das mesmas. Nesse ano, se a memória não me falha, rendeu dois mil e tal escudos.

Depois de um ano de experiência, verifiquei determinadas anomalias que era necessário corrigir. A partir de 68 / 69 nunca mais houve qualquer eleição para a comissão de festas que auto se nomeava à falta de outros e isto aconteceu até 1977. Depois disso e após a fundação dos Bombeiros Voluntários, passou a ser organizada por esta Associação, cujo Comandante, João Manuel Rita Baptista, desde muito jovem foi um dos organizadores da festa.

Nunca pertenci a nenhuma Comissão de Festas dado que o tipo de organização não se coadunava com a minha maneira de estar, contudo, estive sempre disponível para ajudar naquilo em que pudesse ser útil.

José Madeira Serafim não o disse no seu discurso quando da última Festa, mas a verdade é que ele foi durante alguns anos a chave da organização das Festas agarrado a um telefone para fazer os contactos.

Entretanto, deixou de ter sentido falar-se na criação de um hospital de maiores dimensões, o que existia ia servindo para as necessidades locais.

[Festas de Alcoutim. Foto de JV, 1973]

Os poucos lucros que as festas iam dando tinham de servir de suporte para novas festas, pois se no segundo dia chovesse ia tudo por água abaixo e como se cumpririam os compromissos assumidos?

O problema das mesas e cadeiras, então de madeira, foi resolvido um ano com a sua aquisição o que sanou um grande problema e diminuiu os encargos. A sua arrecadação era a sacristia da capela de Sto. António e antes das festas, Francisco Barão procedia à colocação de algumas travessas partidas e a outros consertos, isto realizado na própria capela.

Num ano, que não posso precisar, mas talvez 1970 ou 71, tornei o palco com um aspecto diferente, dei-lhe a configuração de um castelo de porta ogival e onde não faltavam as ameias o que causou alguma sensação. Era feito à base de cartão prensado.

Em 1973 por minha sugestão foi realizada uma prova de perícia de motorizadas na Fonte Primeira. Criei os obstáculos, fiz o esquema e o Regulamento. Tenho um exemplar do impresso que foi feito sobre a prova mas não o consegui encontrar.

Lembro-me que eram os próprios concorrentes que accionavam o cronómetro ao iniciar a prova e o paravam quando a terminavam.

O vencedor foi António Guerreiro, natural da Corte da Seda.

Não assisti à prova como estava planeado, tive que receber nessa hora uma visita inesperada de um amigo, hoje falecido, que teve a amabilidade de passar por Alcoutim para me visitar. Mais tarde foi Director de Finanças de um distrito onde trabalhei.

[Palco das Festas de Alcoutim. Foto JV, 1998]

A minha última pequena ajuda para as Festas teve por fim resolver o grave problema do palco já degradado e que todos os anos constituía grande dor de cabeça para se montar e que ficava com segurança duvidosa.

Na parte de fora do cais do lado sul foram levantados nove pilares em tijolo, oito exteriores e um central de maiores dimensões que ficavam sensivelmente à altura da vedação do mesmo.

Foram mandados fazer em Martim Longo, já que em Alcoutim não havia quem o fizesse, quatro robustos estrados de forma rectangular que iam assentar sobre os pilares reunindo-se ao centro no pilar de maiores dimensões. Os estrados tinham furos verticais nas extremidades por onde passavam ferros que iam encaixar em aberturas justas e adequadas nos ditos pilares.

O trabalho de pedreiro, a que eu naturalmente assisti para dar a orientação, foi feito pelo saudoso pedreiro alcoutenejo, António Carlos Vicente, vulgo António Emílio.

O palco nunca mais deu problemas.

Por parte de muitas pessoas a grande preocupação era o cabeça de cartaz no segundo dia das festas e que chegava a provocar assanhadas discussões. Poderei dizer que as principais figuras artísticas daquele tempo passaram por aquele palco. Lembro-me, por exemplo de Carlos Alberto Moniz que nessa altura a filha mais velha era de colo, Duo Ouro Negro, Pedro Barroso...

Para terminar este depoimento, direi que nunca vi os “homens de gravata” para usar a terminologia do Amílcar Felício, metidos nestes trabalhos, mas sim jovens. Houve gente que fez a festa “montes” de anos, eram quase sempre os mesmos e alguns já não viviam em Alcoutim!

Não vou indicar nomes porque iria esquecer-me de algum.

Poderei acrescentar que paguei sempre o meu bilhete e a minha mesa como me competia.

Não tenham dúvidas, durante estes onze anos as FESTAS DE ALCOUTIM foram feitas pelos jovens, os “Senhores da Terra” não tinham nada com isso! O resto é conversa.