terça-feira, 10 de abril de 2012

Afonso Vicente foi um grande monte da freguesia de Alcoutim [11]

CALVÁRIOS

Calvário é segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea um regionalismo algarvio que significa pequeno cruzeiro de pedra ou de ferro que assinala no campo o lugar onde morreu alguém.

Existem ou existiram nas redondezas desta pequena povoação os seguintes calvários, designados pelo nome rústico do local em que se situaram: Eira da Cruz, que acabou por adquirir este nome devido ao facto da existência do calvário, Isabel Vaz que igualmente deu o nome ao local, Medrolheira, Lavajo e Pego Escuro.

CALVÁRIO DA EIRA DA CRUZ

É mais um cruzeiro erigido para assinalar o local onde morreu alguém.
A localização é próxima do monte, mais concretamente perto do seu antigo acesso do Sul.

Por volta de 1968 numa conversa tida com uma alcouteneja, (1) foi-me dito que o edifício em que funcionavam na altura os serviços de Finanças na vila de Alcoutim tinha sido propriedade e residência do capitão-mor, oriundo de Tavira e de nome Aragão. (2)

Dizia-me essa senhora que a sua habitação também lhe tinha pertencido, tendo sido adquirida aos seus herdeiros por um ascendente que presumo ter sido o seu avô paterno.

Dizia-me então que o referido Aragão tinha sido levado por uma hoste de guerrilhas e que a criada ou governanta teria seguido na sua peugada com um saco de dinheiro em prata oferecendo-o no sentido de livrar o seu amo, o que não se verificou e acaba por ser assassinado próximo de Afonso Vicente, onde acabou por ser erguido, por esse motivo, um calvário.

[Maioral Chico na Eira da Cruz. Foto JV]

Muitos anos depois e em contacto com esta povoação fui informado por um afonso-vicentino, já octogenário (3) que se lembrava ainda de ter visto o assento do calvário, mas desconhecia completamente a sua estória.

Mais uma vez, e como é natural, desapareceu o “monumento” mas ficou o nome.
Todos os que conhecem aquela zona sabem localizar onde é a Portela e a Eira da Cruz, a estória é que poucos hoje conhecerão. Aqui fica para a posteridade.

CALVÁRIO DE ISABEL VAZ

Situava-se este cruzeiro muito perto do monte de Afonso Vicente, mais propriamente tomando o caminho Norte da povoação, em direcção ao Serro da Machada. Cerca de duzentos metros andados, do lado direito do caminho, ainda conheci o soco de calvário, erigido para assinalar o lugar onde morreu alguém de uma maneira dramática.

Além dos idosos, gente ainda relativamente jovem sabe situar tal base, mas só os mais velhos sabiam contar a razão da sua existência.

[Maioral das cabras a caminho da Isabel Vaz. Foto JV]

Curioso destas situações, vieram-me contar (4) a estória que receberam de geração em geração, sem a poderem situar no tempo.

Marcadamente situada no século XIX, é-me contado que uma moça do monte de Afonso Vicente foi levar a um dos moinhos da ribeira do Vascão um saco de trigo a fim de ser transformado em farinha para a confecção semanal da “amassadura”, base da alimentação destes povos. Carregado o burro, regressa ao “monte”com a preciosa carga. Depois de percorridos alguns quilómetros e já próximo do “monte” o burro espantou-se, corre desalmadamente e a moça não o aguenta e cai, de tal maneira que presa à arreata, da qual não se consegue desembaraçar, é arrastada e acaba por morrer.

A dor e o constrangimento de tal situação, pouco vulgar, fez os familiares erigirem um pequeno “monumento” para assinalar tão inaudito acontecimento e para que perdurasse, como memória, através dos tempos.

O cruzeiro há muito que desapareceu e à sua base, que ainda conheci, penso que já aconteceu o mesmo.

Muita gente conhece o sítio rústico da Isabel Vaz, antropónimo e nome de família vulgares na zona e constante da desaparecida matriz predial rústica.
Desapareceu o calvário, ficou contudo e para todo o sempre, o nome da vítima nele invocado: ISABEL VAZ.

CALVÁRIO DOS MEDRONHAIS OU DA LAPA

Segundo informações recolhidas, estes pequenos cruzeiros, que assinalam no campo o lugar onde morreu alguém, não existem na freguesia do Pereiro e não tenho conhecimento que nas restantes do concelho tivessem tido lugar, ainda que não tivesse feito qualquer prospecção nesse sentido.

Outro calvário situado na área de Afonso Vicente é conhecido ou designado por calvário da Lapa ou dos Medronhais viso ter sido erguido nesta zona rústica.

Tem garantidamente mais de oitenta anos e dele só resta o plinto e mesmo este já bastante degradado.

[Restos do calvário da Lapa ou dos Medronhais. Foto JV]

É muito pouco o que sabemos sobre ele. Devia ter sido erguido em finais do século XIX ou princípios do seguinte para assinalar a morte de um elemento da família Bento de Afonso Vicente, que foi beber ao barranco da Lapa.
(5)

Quando estava de bruços bebendo sofreu um ataque epiléptico que o vitimou.

É esta a estória ainda contada pelos habitantes mais idosos das redondezas e que se vai esvaindo com o decorrer dos anos. (6)

CALVÁRIO DO LAVAJO

Por volta de 1934, na zona de hortejos do Lavajo, onde existem bastantes oliveiras, pôs termo à vida, por enforcamento, numa azinheira, um indivíduo do Monte do Paço das Cortes Pereiras. Tentou antes o suicídio por afogamento.

Os familiares erigiram-lhe no local em sua memória um calvário de que restam poucos vestígios.

CALVÁRIO DO PEGO ESCURO

É também conhecido pelo calvário de D. Ana.

Distante do “monte”e nas proximidades da Ribeira do Vascão, mais propriamente perto do Pego Escuro e do moinho de D. Ana, foi erguido para indicar o local onde encontraram morto um maioral que andava pastando o seu gado por aquelas paragens. Segundo a tradição ficou sepultado nesse lugar Há uns anos ainda existiam ruínas. Hoje o local, segundo dizem, não é possível alcançar a pé, pois o mato é mais alto do que as pessoas.


NOTAS

(1) – D. Belmira Lopes, neta do Capitão Paulo José Lopes que foi Presidente da Câmara de Alcoutim. Ficou sepultada no cemitério de Alcoutim, no único jazigo existente e junto de sua filha única, falecida aos dezoito anos e vítima de tuberculose.
(2) – Em documentação do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Alcoutim encontrei referência a um Aragão mas que por falta de mais dados não me possibilitou a identificação desejada.
(3) – António José (vulgo Frederico), natural de Afonso Vicente e recentemente falecido.
(4) - Maria Catarina Borralho, natural de Afonso Vicente, então octogenária e já falecida.
(5) – António Constâncio Bento.
(6) - Alcoutim Livre, postagem de 26 de Novembro de 2010, “Calvário da Lapa ou dos Medronhais”.