sábado, 21 de abril de 2012

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - XXVI

Escreve

Daniel Teixeira





DISCURSO SOBRE O FIGO DE PITA


Flôr do Figo de Pita
Deu-me Deus (talvez tenha sido Ele) ou a própria vida, através da chamada experiência que é concedida aos «mais velhos» a estranha e pouco cómoda faculdade de ser um pouco ou muito céptico mesmo. Há coisas em que não acredito desde logo, outras a que dou o benefício da dúvida e outras em que acredito de facto porque preenchem a minha mente com aquela esquematização que eu aceito e compreendo pelo menos como potencialmente possível. Mas não vou além disso...mantenho-me agarrado à chamada dúvida cartesiana...

Quer dizer sou como São Tomé, em muitas coisas é preciso ver para crer, pelo que aquilo que me aparece com uma ordenação que considero razoável fica durante uns tempos em banho-maria e o resultado desse banho, mais ou menos prolongado, tanto pode dar para um lado como para o outro, quer dizer pode regressar onde nunca deveria ter saído ou avançar para uma escala de potencialidade mais elevada, sempre com o até ver em carteira.
Ora eu acredito nas pessoas, na sinceridade daquilo que dizem e fazem, nas boas intenções que demonstram, na vontade que espelham. O meu cepticismo não se debruça sobre o ser humano porque nesse tenho plena confiança, mesmo que as coisas nem sempre corram bem, dá-se e mantém-se ainda o benefício da dúvida.
Quando a fé me falha por algum evento menos esperado jogo sempre mão do argumento máximo, muito superior para mim em qualidade ao de Santo Anselmo que se bem me lembro diz que Deus é a maior coisa que há no mundo e que de tal forma o é que não se pode conceber algo maior que ele: andamos neste mundo há milhões de anos, temos aguentado com quase tudo e por isso também não é por morrer uma andorinha que se acaba a Primavera embora fosse melhor que ela não morresse. Logo o ser humano é o ser mais resistente que há no mundo e de tal forma o é que não se pode conceber a sua finitude.
Ora bem e dito isto, no seguimento do que é quase uma perseguição ao figo de pita fui falando com pessoas que detêm algumas delas aquele saber dos sábios e tenho tido boas respostas e boas confirmações e esclarecimento de dúvidas minhas quer por essa via quer por consultas bibliográficas que tenho feito.
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Figueiras de Pita

Informei-me também sobre o que acontece com o figo de pita por esse mundo fora: na sua grande parte (aliás é mesmo a grande parte) tem lugar em países chamados de emergentes, que é aquela denominação simpática que é dada ao antigo Terceiro Mundo. Mesmo em Itália, que é um país já emergido, as plantações de figo de tuna que existem estão situadas nas zonas tradicionalmente mais pobres: Sicília, por exemplo. Não tenho nada contra, antes pelo contrário, mas é pelo menos curioso que, embora se enverede nalguns casos pelo conceito do figo da índia como especialidade muito apreciada no mercado Europa, por exemplo, a descrição da sua génese maior apareça como alimento de recurso.
São aquelas coisas que acontecem e às quais nós vamos estando habituados: o alimento do pobre é-lhe surripiado e torna-se uma cara especiaria para consumo dos ricos ou menos pobres. Existem estudos sobre plantações de figueira da índia nos mais diversos países do mundo, devendo segundo a lógica serem os mais desenvolvidos aqueles que advêm, por exemplo, do México, país donde a planta alegadamente é originária. Conta-se até que as civilizações primitivas, ainda que evoluídas para a sua época, deste fruto e desta planta faziam uso: - as maiores plantações no México estão por exemplo situadas na ancestral zona das pirâmides . Assim em termos de consumo, mesmo esporádico no correr dos séculos, podemos dizer que a tuna é milenar como planta e como objecto de consumo. 
A sua utilização como forragem e como legume (o interior das «folhas» dizem que sabe a feijão verde) coloca-a numa posição privilegiada em termos de aproveitamento: no entanto a maior parte da produção brasileira de figo da índia é para exportação e a grande superfície Pingo Doce teve ( ou tem) este produto à venda - importado.

Existem vários factores interligados na exploração conveniente deste produto de uma forma maximizada nos seus resultados que vão desde experiências de congelação até experiências de redução do teor em água (85% em natura) por osmose destinados a aumentar o tempo de prateleira do figo da índia. Na congelação obtiveram-se resultados de durabilidade quase estonteantes enquanto que na osmose os resultados são de longe mais fracos, muito de longe, mesmo. Claro que os custos da osmose e da congelação em termos proporcionais acabam por colocar dilemas. Ao mesmo tempo a abortagem de florações permite colheitas distanciadas no tempo.
Ora tendo mostrado aqui que me informei sobre o produto resta-me agora regressar ao Concelho de Alcoutim...sabemos perfeitamente que existe uma ideia, uma associação formada em Martim Longo destinada a explorar as potencialidades de explorações de figo de pita ou piteiras de uma forma geral.
Não vou ir muito mais longe nesta crónica que pretende deixar de ter a componente de ficção pelo menos neste número: espero sinceramente que a ser mais completado o desenvolvimento desta actividade os habitantes locais venham a beneficiar de forma directa: através da entrega das suas produções (mesmo com espécies menos indicadas) e que através deste processo de recolha do existente se fomente a substituição (quando for o caso disso) das espécies existentes e que mesmo pelo arrendamento de terrenos para plantio se crie uma renda, pequena que seja, que possa ser utilizada como rendimento (pequeno que seja) e que de alguma forma tudo isto sirva para fazer reformular e revigorar o existente tanto a nível do plantio como da reorganização do ambiente rural nomeadamente da parte edificada (e derrocada).
Não será nunca o milagre das flores de piteira...mas que não seja também um processo que passe ao lado das populações locais, quer de forma directa pelo incremento das produções quer de forma indirecta pelo pagamento de rendas relacionadas ou não com os valores de produção.