Daniel Teixeira
DISCURSO SOBRE O FIGO DE PITA
Deu-me Deus (talvez tenha sido Ele) ou a própria vida, através da
chamada experiência que é concedida aos «mais velhos» a estranha e pouco cómoda
faculdade de ser um pouco ou muito céptico mesmo. Há coisas em que não acredito
desde logo, outras a que dou o benefício da dúvida e outras em que acredito de
facto porque preenchem a minha mente com aquela esquematização que eu aceito e
compreendo pelo menos como potencialmente possível. Mas não vou além
disso...mantenho-me agarrado à chamada dúvida cartesiana...
Quer dizer sou como São Tomé,
em muitas coisas é preciso ver para crer, pelo que aquilo que me aparece com
uma ordenação que considero razoável fica durante uns tempos em banho-maria e o
resultado desse banho, mais ou menos prolongado, tanto pode dar para um lado
como para o outro, quer dizer pode regressar onde nunca deveria ter saído ou
avançar para uma escala de potencialidade mais elevada, sempre com o até ver em
carteira.
Ora eu acredito nas pessoas,
na sinceridade daquilo que dizem e fazem, nas boas intenções que demonstram, na
vontade que espelham. O meu cepticismo não se debruça sobre o ser humano porque
nesse tenho plena confiança, mesmo que as coisas nem sempre corram bem, dá-se e
mantém-se ainda o benefício da dúvida.
Quando a fé me falha por
algum evento menos esperado jogo sempre mão do argumento máximo, muito superior
para mim em qualidade ao de Santo Anselmo que se bem me lembro diz que Deus é a
maior coisa que há no mundo e que de tal forma o é que não se pode conceber
algo maior que ele: andamos neste mundo há milhões de anos, temos aguentado com
quase tudo e por isso também não é por morrer uma andorinha que se acaba a
Primavera embora fosse melhor que ela não morresse. Logo o ser humano é o ser
mais resistente que há no mundo e de tal forma o é que não se pode conceber a
sua finitude.
Ora bem e dito isto, no
seguimento do que é quase uma perseguição ao figo de pita fui falando com
pessoas que detêm algumas delas aquele saber dos sábios e tenho tido boas
respostas e boas confirmações e esclarecimento de dúvidas minhas quer por essa
via quer por consultas bibliográficas que tenho feito.
Figueiras de Pita |
Informei-me também sobre o
que acontece com o figo de pita por esse mundo fora: na sua grande parte (aliás
é mesmo a grande parte) tem lugar em países chamados de emergentes, que é
aquela denominação simpática que é dada ao antigo Terceiro Mundo. Mesmo em
Itália, que é um país já emergido, as plantações de figo de tuna que existem
estão situadas nas zonas tradicionalmente mais pobres: Sicília, por exemplo.
Não tenho nada contra, antes pelo contrário, mas é pelo menos curioso que,
embora se enverede nalguns casos pelo conceito do figo da índia como
especialidade muito apreciada no mercado Europa, por exemplo, a descrição da
sua génese maior apareça como alimento de recurso.
São aquelas coisas que
acontecem e às quais nós vamos estando habituados: o alimento do pobre é-lhe
surripiado e torna-se uma cara especiaria para consumo dos ricos ou menos
pobres. Existem estudos sobre plantações de figueira da índia nos mais diversos
países do mundo, devendo segundo a lógica serem os mais desenvolvidos aqueles
que advêm, por exemplo, do México, país donde a planta alegadamente é
originária. Conta-se até que as civilizações primitivas, ainda que evoluídas
para a sua época, deste fruto e desta planta faziam uso: - as maiores
plantações no México estão por exemplo situadas na ancestral zona das pirâmides
. Assim em termos de consumo, mesmo esporádico no correr dos séculos, podemos
dizer que a tuna é milenar como planta e como objecto de consumo.
A sua utilização como
forragem e como legume (o interior das «folhas» dizem que sabe a feijão verde)
coloca-a numa posição privilegiada em termos de aproveitamento: no entanto a
maior parte da produção brasileira de figo da índia é para exportação e a
grande superfície Pingo Doce teve ( ou tem) este produto à venda - importado.
Existem vários factores
interligados na exploração conveniente deste produto de uma forma maximizada
nos seus resultados que vão desde experiências de congelação até experiências
de redução do teor em água (85% em natura) por osmose destinados a aumentar o
tempo de prateleira do figo da índia. Na congelação obtiveram-se resultados de
durabilidade quase estonteantes enquanto que na osmose os resultados são de
longe mais fracos, muito de longe, mesmo. Claro que os custos da osmose e da
congelação em termos proporcionais acabam por colocar dilemas. Ao mesmo tempo a
abortagem de florações permite colheitas distanciadas no tempo.
Ora tendo mostrado aqui que
me informei sobre o produto resta-me agora regressar ao Concelho de
Alcoutim...sabemos perfeitamente que existe uma ideia, uma associação formada em Martim Longo
destinada a explorar as potencialidades de explorações de figo de pita ou
piteiras de uma forma geral.
Não vou ir muito mais longe
nesta crónica que pretende deixar de ter a componente de ficção pelo menos
neste número: espero sinceramente que a ser mais completado o desenvolvimento
desta actividade os habitantes locais venham a beneficiar de forma directa:
através da entrega das suas produções (mesmo com espécies menos indicadas) e
que através deste processo de recolha do existente se fomente a substituição
(quando for o caso disso) das espécies existentes e que mesmo pelo arrendamento
de terrenos para plantio se crie uma renda, pequena que seja, que possa ser
utilizada como rendimento (pequeno que seja) e que de alguma forma tudo isto
sirva para fazer reformular e revigorar o existente tanto a nível do plantio
como da reorganização do ambiente rural nomeadamente da parte edificada (e
derrocada).
Não será nunca o milagre das
flores de piteira...mas que não seja também um processo que passe ao lado das
populações locais, quer de forma directa pelo incremento das produções quer de
forma indirecta pelo pagamento de rendas relacionadas ou não com os valores de
produção.