Castelo de Alcoutim visto do Sul. Foto JV, 2009 |
Em
Por
esta altura, Alcoutim era considerada Uma
de las Buenas Fortaleças del Reyno.(2)
Após
a restauração da independência, em todo o Algarve, foi aqui e na vizinha Castro
Marim, vilas fronteiriças, que as campanhas mais se fizeram sentir, sobretudo
na de 1642, pelo constante duelo de artilharia com o Castelo de Sanlúcar do
Guadiana. (3)
No
ataque ao sotavento algarvio, as duas praças lutaram com falta de munições, mas
o perigo acabou por ser afastado. (4)
Recorrendo
ao trabalho do Dr. Alberto Iria que compilou as Cartas dos Governadores do Algarve (1638/1663), 1978, é possível apresentar alguns dados
sobre o que se passou em Alcoutim.
Em
15 de Julho de 1658 é pedido ao capitão-mor da praça que faça diligências no
sentido de prender João Dias e Pedro Brás, mas não se indica o motivo.
Várias
ordens são dadas aos capitães-mores, incluindo António Lopes, a fim de tentar
saber, por pessoas de confiança, os movimentos do inimigo pela Andaluzia. Era a
espionagem e contra-espionagem que o Professor Doutor Fernando Cortés Cortés
vem a abordar num dos seus estudos.
Nesta
altura, de quinze em quinze dias vinha uma companhia de Loulé guarnecer esta
praça. (5)
O
Governador do Reino do Algarve avisa todos os capitães-mores das praças nas
quais se inclui Alcoutim, que a armada holandesa traz ordem para conquistar uma
fortaleza, pelo que convém estar prevenido para qualquer eventualidade,
devendo-se fazer listas de pessoas que poderão servir para “auxiliares”, acudindo,
se o inimigo tentar invadir.
Queixa-se
o Governador a “Sua Magestade” que os soldados e capitães das praças de Castro
Marim e Alcoutim estão mal pagos (deve-se-lhes dois anos de vencimentos) e
despidos, tornando-se perigoso se os inimigos têm conhecimento da situação.
Em
1659 se o inimigo tentasse passar por Alcoutim tal não se podia contrariar,
devido à falta de infantaria e cavalaria paga.
Ao
capitão-mor Leonardo Albuquerque, em 1660,
deu-lhe o ar, ficando incapaz de governar a praça. Serviu durante muitos
anos e com grande satisfação, pelo que se pedia:- se dê o soldo que for devido.
Pelas
novas que há, em Andaluzia se levanta gente e prepara armada.
Havendo
necessidade que exista na praça pessoa em condições de a governar, foi nomeado
interinamente o sargento-mor, Manuel de Sousa de Castro. Entretanto, são
enviadas munições, prevendo o capitão da praça vir a sofrer um ataque.
A
falta de ferramentas não permite avançar ao ritmo desejado com as obras de
defesa.
Por
esta altura, a praça de Alcoutim tinha trezentos moios de trigo que foram
conduzidos a Tavira e se destinaram a socorrer a praça de Tânger que estava em
grandes dificuldades.
Os
Governadores do Algarve informam que no
termo de Alcoutim há lavradores ricos, a estes dei lisença que uendessem o seu
pão para o socorro de Tangere. (6)
O
sargento-mor, Manuel de Sousa de Castro, que governava a praça por impedimento
do titular do cargo, como já se referiu, solicita licença ao Governador para se
avistar com o capitão-mor de São Lucar, o que não lhe foi concedido, mas sim
enviado um capitão de confiança para o fazer.
Não
gostou Sousa de Castro desta atitude. Entretanto, os moradores de Alcoutim
apresentam queixas do mesmo sargento, pelo que é mandado retirar da praça com
brevidade ficando o comando assegurado pelo sargento-mor do Terço, Mathias
Carreiro.
Manuel
de Sousa de Castro, saindo de noite de Alcoutim, foi comboiado a Aiamonte por dois barcos armados que saíram de S.
Lucar. Parece que o sargento-mor tencionava entregar a praça ao inimigo, pelo
menos, é isso que afirma o Governador e a sua fuga, de certo modo, confirma.
Sabendo
o traidor como se encontrava em pormenor a praça de Alcoutim, era preciso
acudir-lhe com munições, ferramentas e armas, fortificando-a com brevidade e
dando-lhe um capitão-mor de grande confiança.
O
próprio filho do Governador, Francisco Correia da Silva, vai para Alcoutim no
sentido de a fortificar com brevidade, sendo enviado para o efeito o
engenheiro, Pero de Santa Colomba. Entretanto, são destinados para a obra, numa
primeira fase, 3 000 cruzados.
Por
alvará de D. Afonso VI, de 3 de Abril de 1659, não se podia tirar gente de
Alcoutim, por ser fronteira ao inimigo.
Em
1661, os moradores no termo de Alcoutim escondiam os seus filhos, evitando que
fossem incluídos nos Terços, ainda que ficassem presos por eles. (7)
Quatro
pedreiros que tinham trabalhado nas obras de fortificação e que queriam passar
a Castela, foram presos.
Em
1662, as obras no castelo continuavam, ocupando o lugar de capitão-mor, Manuel
Salgado Araújo.
Baptista
Lopes (8) ao referir-se a Álvaro Gomes de Gouveia, natural de
Portimão e que tomou parte da batalha do Ameixial (1663), na recuperação de
Évora, tomada de Valença de Alcântara (1664) e batalha de Montes Claros (1665),
nas quais obrou obras de valor, diz que tornou ao Algarve e ocupou o posto de
sargento-mor do Castelo de Alcoutim, em que prestou relevantes serviços, sendo
encarregado de várias obras de defesa. Teve mercê do foro de fidalgo cavaleiro
por alvará de 7 de Julho de 1687, de D. Pedro II.
Castelo de Sanlúcar (São Marcos). Foto de JV, 2010 |
Após
a morte do Capitão de Cavalos, João Salmon, atraído a uma cilada, o conde de
Schomberg, governador das armas do exército no Alentejo, que muito a sentiu,
dispôs-se a atacar a praça de S. Lucar do Guadiana, situada defronte de
Alcoutim.
Mandou
examinar o estado de defesa da praça, tendo recebido notícia da facilidade com
que podia ganhá-la.
Saindo
de Estremoz a 23 de Maio de 1666, encontrou em Beja os Terços e companhia de
cavalo que tinha mandado convocar. Continuou a marcha para S. Lucar com três
mil infantes e mil e duzentos cavalos. Entretanto, mandou adiantar um troço de
cavalaria e infantaria com ordem de ocuparem os postos sobre a praça, para
evitar socorros.
Recolheram
as gentes ao castelo, deixando considerável despojo no arrabalde.
A
artilharia começou a disparar mas causou pouco dano às nossas tropas.
O
governador soltou um soldado português que tinha feito prisioneiro, com uma
mensagem em que dizia estimar muito a oportunidade dada para ganhar honra na
defesa daquele castelo.
Por
intermédio de um castelhano, não tardou a resposta em que se lhe advertia que
tratasse de se entregar sem demora se não quisesse morrer enforcado com os que
estavam dentro do castelo.
Procurou
o governador saber se era Schomberg o cabo daquelas tropas e quando obteve a
confirmação do oficial que incumbira de tal, mandou dizer que queria render-se.
Schomberg. Desenho de JV |
Aqui
vieram dar obediência a el-rei muitos lugares das redondezas e os moradores de
S. Lucar ficaram quase todos nas suas casas.
A
praça ficou presidiada.
Daqui
se irradiou para gordas pilhagens que apanharam os sanluquenhos desprevenidos.
O
duque de Medina Coeli entrou pelo sul mas não conseguiu passar de Odeleite onde
lhe foram dar luta os capitães Baltazar da Costa, Nicolau Monteiro e Francisco
de Oliveira, com pouco mais de duzentos infantes vindos de Castro Marim.
Partindo
de Aiamonte com cento e vinte infantes e cem cavalos, os espanhóis procuram
reocupar o castelo de S. Lucar o que não conseguem, resistindo-lhes bem o
governador da praça, António Tavares Pina. (9)
A
tomada de San-Lucar e de Paymogo, que ficaram guarnecidas, é referida,
igualmente, por Manuel Pinheiro Chapas. (10)
Segundo
a leitura feita em Sanlúcar, estas guerras foram-lhe extremamente prejudiciais.
Tiveram
de alojar as tropas para aqui deslocadas. Depois de construírem um forte junto
da Igreja Paroquial o que obrigou ao derrube de algumas casas verificou o Conde
Jerónimo Ró que a edificação não era suficiente para suportar os ataques portugueses,
opta pela reconstrução do velho castelo em local suficientemente alto e mais
uma vez os sanluquenhos tiveram de participar nas obras. Referências de Espanha
informam que os portugueses ocuparam e saquearam Sanlúcar repetidas vezes chegando
mesmo, à ocupação do castelo pelas tropas de Schomberg como aqui já referimos.
Continuando
a citar fontes do país vizinho os portugueses deixam a povoação em ruína,
roubando e pilhando desde o sino (seria o que tradicionalmente os espanhóis
teriam levado para lá?) às camisas das mulheres e das crianças, madeiras e
ladrilhos das casas. A população sanluquenha viu-se obrigada a abandonar a sua
terra, começando a regressar um ano depois. Iniciaram-no 50 famílias e mais
tarde 200 que restauraram as suas casas.
Depois
recuperaram com custo alguma da arte sacra, incluindo retábulos que tinham sido
levados para vários locais de Portugal.
Desaparecida ermida de S. Sebastião |
Durante
os 60 anos em que os espanhóis ocuparam Portugal e pelo que sabemos a nível
nacional, possivelmente em Alcoutim as coisas deviam de ter sido complicadas e
que teriam provocado as reacções que acabámos de referir.
D.
João IV e D. Afonso VI concederam várias mercês pelo heroísmo demonstrado pelos
algarvios nestas lutas.
Outros
cidadãos deram a sua valiosíssima participação sendo por isso igualmente
contemplados. Em 1645, D. João de Brisse, cavaleiro francês, obteve mercês
pelos serviços que prestou com quatro criados e um trombeta, a esta vila e
outras, tanto no Algarve como no Alentejo e Minho.
Em
1647, Paulo Gomes de Abreu, pelos socorros prestados a esta vila e a Castro
Marim, também foi contemplado e o licenciado, João Velho Barreto recebeu, em
1651, metade do que renderam os bens do padre Estevam Martins que viveu em
Alcoutim e se ausentou para Castela e isto por ter cobrado no Algarve as
décimas, sem receio do mal do contágio.(12)
Na
tradição, apesar de mais de três séculos passados, ficaram dois factos, um
recolhido facilmente na vila, o outro referido em S. Lucar por um
comandante da Guarda Civil, que conhecemos, neto de portugueses da zona de
Castelo Branco.
O
primeiro, narrado frequentemente, é o roubo dos sinos da ermida do Espírito Santo,
que foram servir para S. Lúcar, o segundo um ataque de surpresa oriundo desta
vila e quando se procedia a obras de reforço do castelo, o que causou muitas
vítimas.
A
guerra veio a terminar pelo Tratado de Paz de 13 de Fevereiro de 1668, (Sanlúcar
continuava ocupada pelos Portugueses) assinado em Lisboa e em que a Espanha
reconhece a nossa independência. As partes contratantes obrigaram-se a entregar
as praças que haviam tomado. Feita por D. Pedro como regente e Carlos II, de Espanha.
NOTAS
(1) - História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, IV Volume, 1979, p
136
(2) - Uma Estimativa da População Portuguesa em 1640, Joaquim Veríssimo
Serrão, Lisboa, 1975
(3) – “Os Arquivos Municipais do
Algarve e a Restauração”, Alberto Iria, Boletim
da Junta de Província do Algarve - 1940.
(4) - História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, 1980, V Volume, p
30
(5) - O Algarve Económico, Joaquim Romero Magalhães, - 1600/1733, pág.
93.
(6) – Guerra e Pressão Militar nas
Terras de Fronteira 1640-1668, Fernando Cortés Cortés, 1990, p 20
(7) – Idem, ibidem, p.13.
(8) - Corografia ou Memória Económica, Estatística e topográfica do Reino do Algarve, Algarve em Foco Editora (facsimilada), 1988, p 406
(8) - Corografia ou Memória Económica, Estatística e topográfica do Reino do Algarve, Algarve em Foco Editora (facsimilada), 1988, p 406
(9) - História de Portugal Restaurado, Conde de Ericeira, Vol. VI
(10) – História de Portugal Popular e Ilustrada, Terceira Edição, Vol VI,
1902, p 45
(11) – Historia de Sanlúcar de Guadiana (Dactilografado). Tem várias
referências a notas mas não me chegaram as fontes
(12) - Inventário dos Livros das Portarias do reino, Vol. 1, Lisboa, 1909