sábado, 9 de junho de 2012

Guerras de 1640 / 1668 - Da Restauração da Independência

Castelo de Alcoutim visto do Sul. Foto JV, 2009

Em 1638, a vila de Alcoutim e outras povoações algarvias, levantam-se contra os impostos, mas o real d’água é restabelecido e o povo subjugado. (1)

Por esta altura, Alcoutim era considerada Uma de las Buenas Fortaleças del Reyno.(2)

Após a restauração da independência, em todo o Algarve, foi aqui e na vizinha Castro Marim, vilas fronteiriças, que as campanhas mais se fizeram sentir, sobretudo na de 1642, pelo constante duelo de artilharia com o Castelo de Sanlúcar do Guadiana. (3)

No ataque ao sotavento algarvio, as duas praças lutaram com falta de munições, mas o perigo acabou por ser afastado. (4)

Recorrendo ao trabalho do Dr. Alberto Iria que compilou as Cartas dos Governadores do Algarve (1638/1663), 1978, é possível apresentar alguns dados sobre o que se passou em Alcoutim.

Em 15 de Julho de 1658 é pedido ao capitão-mor da praça que faça diligências no sentido de prender João Dias e Pedro Brás, mas não se indica o motivo.

Várias ordens são dadas aos capitães-mores, incluindo António Lopes, a fim de tentar saber, por pessoas de confiança, os movimentos do inimigo pela Andaluzia. Era a espionagem e contra-espionagem que o Professor Doutor Fernando Cortés Cortés vem a abordar num dos seus estudos.

Nesta altura, de quinze em quinze dias vinha uma companhia de Loulé guarnecer esta praça. (5)

O Governador do Reino do Algarve avisa todos os capitães-mores das praças nas quais se inclui Alcoutim, que a armada holandesa traz ordem para conquistar uma fortaleza, pelo que convém estar prevenido para qualquer eventualidade, devendo-se fazer listas de pessoas que poderão servir para “auxiliares”, acudindo, se o inimigo tentar invadir.

Queixa-se o Governador a “Sua Magestade” que os soldados e capitães das praças de Castro Marim e Alcoutim estão mal pagos (deve-se-lhes dois anos de vencimentos) e despidos, tornando-se perigoso se os inimigos têm conhecimento da situação.

Em 1659 se o inimigo tentasse passar por Alcoutim tal não se podia contrariar, devido à falta de infantaria e cavalaria paga.

Ao capitão-mor Leonardo Albuquerque, em 1660, deu-lhe o ar, ficando incapaz de governar a praça. Serviu durante muitos anos e com grande satisfação, pelo que se pedia:- se dê o soldo que for devido.

Pelas novas que há, em Andaluzia se levanta gente e prepara armada.

Havendo necessidade que exista na praça pessoa em condições de a governar, foi nomeado interinamente o sargento-mor, Manuel de Sousa de Castro. Entretanto, são enviadas munições, prevendo o capitão da praça vir a sofrer um ataque.

A falta de ferramentas não permite avançar ao ritmo desejado com as obras de defesa.

Por esta altura, a praça de Alcoutim tinha trezentos moios de trigo que foram conduzidos a Tavira e se destinaram a socorrer a praça de Tânger que estava em grandes dificuldades.

Os Governadores do Algarve informam que no termo de Alcoutim há lavradores ricos, a estes dei lisença que uendessem o seu pão para o socorro de Tangere. (6)

O sargento-mor, Manuel de Sousa de Castro, que governava a praça por impedimento do titular do cargo, como já se referiu, solicita licença ao Governador para se avistar com o capitão-mor de São Lucar, o que não lhe foi concedido, mas sim enviado um capitão de confiança para o fazer.

Não gostou Sousa de Castro desta atitude. Entretanto, os moradores de Alcoutim apresentam queixas do mesmo sargento, pelo que é mandado retirar da praça com brevidade ficando o comando assegurado pelo sargento-mor do Terço, Mathias Carreiro.

Manuel de Sousa de Castro, saindo de noite de Alcoutim, foi comboiado a Aiamonte por dois barcos armados que saíram de S. Lucar. Parece que o sargento-mor tencionava entregar a praça ao inimigo, pelo menos, é isso que afirma o Governador e a sua fuga, de certo modo, confirma.

Sabendo o traidor como se encontrava em pormenor a praça de Alcoutim, era preciso acudir-lhe com munições, ferramentas e armas, fortificando-a com brevidade e dando-lhe um capitão-mor de grande confiança.

O próprio filho do Governador, Francisco Correia da Silva, vai para Alcoutim no sentido de a fortificar com brevidade, sendo enviado para o efeito o engenheiro, Pero de Santa Colomba. Entretanto, são destinados para a obra, numa primeira fase, 3 000 cruzados.

Por alvará de D. Afonso VI, de 3 de Abril de 1659, não se podia tirar gente de Alcoutim, por ser fronteira ao inimigo.

Em 1661, os moradores no termo de Alcoutim escondiam os seus filhos, evitando que fossem incluídos nos Terços, ainda que ficassem presos por eles. (7)

Quatro pedreiros que tinham trabalhado nas obras de fortificação e que queriam passar a Castela, foram presos.

Em 1662, as obras no castelo continuavam, ocupando o lugar de capitão-mor, Manuel Salgado Araújo.

Baptista Lopes (8) ao referir-se a Álvaro Gomes de Gouveia, natural de Portimão e que tomou parte da batalha do Ameixial (1663), na recuperação de Évora, tomada de Valença de Alcântara (1664) e batalha de Montes Claros (1665), nas quais obrou obras de valor, diz que tornou ao Algarve e ocupou o posto de sargento-mor do Castelo de Alcoutim, em que prestou relevantes serviços, sendo encarregado de várias obras de defesa. Teve mercê do foro de fidalgo cavaleiro por alvará de 7 de Julho de 1687, de D. Pedro II.
Castelo de Sanlúcar (São Marcos). Foto de JV, 2010

Após a morte do Capitão de Cavalos, João Salmon, atraído a uma cilada, o conde de Schomberg, governador das armas do exército no Alentejo, que muito a sentiu, dispôs-se a atacar a praça de S. Lucar do Guadiana, situada defronte de Alcoutim.

Mandou examinar o estado de defesa da praça, tendo recebido notícia da facilidade com que podia ganhá-la.

Saindo de Estremoz a 23 de Maio de 1666, encontrou em Beja os Terços e companhia de cavalo que tinha mandado convocar. Continuou a marcha para S. Lucar com três mil infantes e mil e duzentos cavalos. Entretanto, mandou adiantar um troço de cavalaria e infantaria com ordem de ocuparem os postos sobre a praça, para evitar socorros.

Recolheram as gentes ao castelo, deixando considerável despojo no arrabalde.

A artilharia começou a disparar mas causou pouco dano às nossas tropas.

O governador soltou um soldado português que tinha feito prisioneiro, com uma mensagem em que dizia estimar muito a oportunidade dada para ganhar honra na defesa daquele castelo.

Por intermédio de um castelhano, não tardou a resposta em que se lhe advertia que tratasse de se entregar sem demora se não quisesse morrer enforcado com os que estavam dentro do castelo.

Procurou o governador saber se era Schomberg o cabo daquelas tropas e quando obteve a confirmação do oficial que incumbira de tal, mandou dizer que queria render-se.


Schomberg. Desenho de JV
Schomberg aceitou a oferta e concedeu-lhe sair com a guarnição para Aiamonte. No dia seguinte, 29 de Maio de 1666, entrou Schomberg no castelo.

Aqui vieram dar obediência a el-rei muitos lugares das redondezas e os moradores de S. Lucar ficaram quase todos nas suas casas.

A praça ficou presidiada.

Daqui se irradiou para gordas pilhagens que apanharam os sanluquenhos desprevenidos.

O duque de Medina Coeli entrou pelo sul mas não conseguiu passar de Odeleite onde lhe foram dar luta os capitães Baltazar da Costa, Nicolau Monteiro e Francisco de Oliveira, com pouco mais de duzentos infantes vindos de Castro Marim.

Partindo de Aiamonte com cento e vinte infantes e cem cavalos, os espanhóis procuram reocupar o castelo de S. Lucar o que não conseguem, resistindo-lhes bem o governador da praça, António Tavares Pina. (9)

A tomada de San-Lucar e de Paymogo, que ficaram guarnecidas, é referida, igualmente, por Manuel Pinheiro Chapas. (10)

Segundo a leitura feita em Sanlúcar, estas guerras foram-lhe extremamente prejudiciais.

Tiveram de alojar as tropas para aqui deslocadas. Depois de construírem um forte junto da Igreja Paroquial o que obrigou ao derrube de algumas casas verificou o Conde Jerónimo Ró que a edificação não era suficiente para suportar os ataques portugueses, opta pela reconstrução do velho castelo em local suficientemente alto e mais uma vez os sanluquenhos tiveram de participar nas obras. Referências de Espanha informam que os portugueses ocuparam e saquearam Sanlúcar repetidas vezes chegando mesmo, à ocupação do castelo pelas tropas de Schomberg como aqui já referimos.

Continuando a citar fontes do país vizinho os portugueses deixam a povoação em ruína, roubando e pilhando desde o sino (seria o que tradicionalmente os espanhóis teriam levado para lá?) às camisas das mulheres e das crianças, madeiras e ladrilhos das casas. A população sanluquenha viu-se obrigada a abandonar a sua terra, começando a regressar um ano depois. Iniciaram-no 50 famílias e mais tarde 200 que restauraram as suas casas.

Depois recuperaram com custo alguma da arte sacra, incluindo retábulos que tinham sido levados para vários locais de Portugal.

Desaparecida ermida de S. Sebastião
Nesta altura foi segundo a mesma fonte destruída a Ermida de S. Sebastião que Duarte de Armas apresenta junto ao rio e que não veio a ser reedificada. (11)

Durante os 60 anos em que os espanhóis ocuparam Portugal e pelo que sabemos a nível nacional, possivelmente em Alcoutim as coisas deviam de ter sido complicadas e que teriam provocado as reacções que acabámos de referir.

D. João IV e D. Afonso VI concederam várias mercês pelo heroísmo demonstrado pelos algarvios nestas lutas.


Outros cidadãos deram a sua valiosíssima participação sendo por isso igualmente contemplados. Em 1645, D. João de Brisse, cavaleiro francês, obteve mercês pelos serviços que prestou com quatro criados e um trombeta, a esta vila e outras, tanto no Algarve como no Alentejo e Minho.


Em 1647, Paulo Gomes de Abreu, pelos socorros prestados a esta vila e a Castro Marim, também foi contemplado e o licenciado, João Velho Barreto recebeu, em 1651, metade do que renderam os bens do padre Estevam Martins que viveu em Alcoutim e se ausentou para Castela e isto por ter cobrado no Algarve as décimas, sem receio do mal do contágio.(12)


Na tradição, apesar de mais de três séculos passados, ficaram dois factos, um recolhido facilmente na vila, o outro referido em S. Lucar por um comandante da Guarda Civil, que conhecemos, neto de portugueses da zona de Castelo Branco.

O primeiro, narrado frequentemente, é o roubo dos sinos da ermida do Espírito Santo, que foram servir para S. Lúcar, o segundo um ataque de surpresa oriundo desta vila e quando se procedia a obras de reforço do castelo, o que causou muitas vítimas.

A guerra veio a terminar pelo Tratado de Paz de 13 de Fevereiro de 1668, (Sanlúcar continuava ocupada pelos Portugueses) assinado em Lisboa e em que a Espanha reconhece a nossa independência. As partes contratantes obrigaram-se a entregar as praças que haviam tomado. Feita por D. Pedro como regente e Carlos II, de Espanha.

NOTAS

(1) - História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, IV Volume, 1979, p 136

(2) - Uma Estimativa da População Portuguesa em 1640, Joaquim Veríssimo Serrão, Lisboa, 1975

(3) – “Os Arquivos Municipais do Algarve e a Restauração”, Alberto Iria, Boletim da Junta de Província do Algarve - 1940.

(4) - História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, 1980, V Volume, p 30

(5) - O Algarve Económico, Joaquim Romero Magalhães, - 1600/1733, pág. 93.

(6) – Guerra e Pressão Militar nas Terras de Fronteira 1640-1668, Fernando Cortés Cortés, 1990, p 20

(7) – Idem, ibidem, p.13.

(8) - Corografia ou Memória Económica, Estatística e topográfica do Reino do Algarve, Algarve em Foco Editora (facsimilada), 1988, p 406

(9) - História de Portugal Restaurado, Conde de Ericeira, Vol. VI

(10) – História de Portugal Popular e Ilustrada, Terceira Edição, Vol VI, 1902, p 45

(11) – Historia de Sanlúcar de Guadiana (Dactilografado). Tem várias referências a notas mas não me chegaram as fontes

(12) - Inventário dos Livros das Portarias do reino, Vol. 1, Lisboa, 1909