Pequena nota
Este texto vai fazer em breve trinta e cinco anos de publicação.
Traduz o que então consegui reunir sobre a temática, por alguma leitura
nesse sentido, efectuada nas poucas saídas a locais onde existiam bibliotecas,
pela minha própria observação e pelas indispensáveis informações prestadas por
pescadores, nomeadamente, Francisco António João, vulgo Chico Balbino, retirado
da actividade depois de ter estado emigrado na Alemanha. Era muito habilidoso e
depois do regresso ainda construiu, praticamente sozinho, um interessante
barco.
As coisas hoje são muito diferentes, mantendo-se como não podia deixar
de ser os elementos base.
Muito menos gente dedicada à pesca, a arte de colher está completamente
extinta, quando a conheci, era ainda bem activa, a diminuição do peixe
provocado por factores adversos tendo desaparecido a ligação pescador /
arrieiro.
Nos últimos anos tenho sentido bastante dificuldade em encontrar muge
de Alcoutim e quando isso acontece, é uma festa!
O artigo que foi publicado na primeira página do jornal com seguimento,
naturalmente numa interior foi ilustrado por uma fotografia que acompanhava
quase todos os artigos que ia publicando e que se tratava de uma zincogravura
que fazia parte do arquivo do jornal. Nesse tempo, ainda era
assim!
Aqui fica este texto, que penso, continua a ter algum interesse a sua
leitura.
JV
(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 30 DE SETEMBRO DE 1977)
O Guadiana, Alcoutim e Sanlúcar. Foto JV, 2011 |
É a pesca uma actividade que
prendeu e prende o homem da região alcoutinense.
Com o Guadiana a seus pés,
riquíssimo em variadíssimas espécies de peixe, tais como: muge ou mugem, barbo,
eiró, sável, saboga e por vezes robalo, toda a zona fluvial mantém interesse
pela pesca, com relevo para “os montes do rio”, designação local que engloba os
povoados de Montinho, Laranjeiras, Guerreiros do Rio e Álamo.
Ainda que em pequeno número, o
alcoutinense tem-se dedicado à pesca, fazendo dela o seu modo de vida. Raros
são, assim, os habitantes da zona que não conhecem rudimentos da arte de
pescar, e fazem-no por divertimento.
São várias as maneiras que o
pescador utiliza para apanhar o peixe.
Fisga |
É o muge o único que vem ao
candeio e este género de pesca praticava-se a partir de S. João, até Outubro.
A pesca à colher é outro tipo de
pesca muito característico do pescador do Guadiana. Basta um homem para
praticar tal arte. A lancha, apetrechada com a colher que consiste em duas
varas bastante compridas que formam entre si um ângulo agudo, coberto por rede,
onde se colocam chumbadas, dirige-se para a margem, indo fazer aquilo que o
homem do rio chama, “pescar contra a terra”.
Barco armado de colher. Foto JV, 1973 |
O mesmo sistema é utilizado, com
poucas variantes, para pescar “ao meio da água”, aproveitando as correntes.
Pescar ao tresmalho, parece que
foi sistema trazido por pescadores do Vouga que para Alcoutim teriam vindo em
tempos não muito recuados, na expectativa de melhores pescarias. O tresmalho é
uma rede de três panos, sendo o do meio de malha mais cerrada. É fabricada
pelos pescadores com linha número trinta, mas ultimamente utilizam fio de naylon.
Pescando a “alematar”, na
linguagem do pescador, dois homens vão de lancha fundear as redes que se
prendem pelas extremidades a duas fateixas. A rede estende com o peso das
chumbadas e os pescadores regressam. Passadas uma ou duas marés, vão
levantá-las.
Com o mesmo tipo de rede, mas
agora com seis panos e dois barcos, um de cada lado, vão fazendo o cerco ao
peixe, batendo com os remos na água e assim provocando a sua junção. Utiliza-se
este género de pesca para aproveitar o “peixe de entrada” O Verão é a época
mais propícia para a sua prática.
Outras artes são utilizadas pelo
pescador do Guadiana.
Covo |
A nassa é uma espécie de cesto de
forma afunilada, feito de arame, com uma única entrada e que se destina à eiró.
Iscado com sardinha utiliza-se em toda a época.
O palangre consiste num fio a que
chamam madre e ao qual se prende, de
espaço a espaço, outros fios curtos em cujas extremidades se colocam anzóis.
Estes fios tomam o nome de “braceladas”. Nos extremos da madre, colocam-se
pedras, que deverão assentar no fundo do rio. Espaçadamente, colocam-se mais
pedras para o fio não levantar, arqueando. Duas bóias indicam a posição da
arte.
O palangre é transportado na banastra, tipo de peneira sem fundo,
onde se enrola a “madre” e se fixam os anzóis. Este tipo de pesca utiliza-se
todo o ano. Para o barbo, isca-se com figos secos, minhoca, camarão, batata
frita ou “porca-sara”. Para a eiró utiliza-se a sardinha, camarão e minhoca.
Barcos de pesca junto ao cais velho. Foto JV, 1973 |
O tapa-esteiro era outra maneira
de pescar que caiu completamente em desuso. Como o nome indica, a entrada da ribeira
era tapada com uma rede munida, na extremidade, de chumbadas, para que ficasse
estendida. Depois do baixar da maré, os pescadores entravam na ribeira com
“rodiscas” (arco circundado de rede, em tipo de funil e com um cabo,
normalmente de cana, chegando-lhe a água até à cintura.
Apanhavam assim o peixe, uma vez
que a água existente era relativamente pouca e a passagem para o rio estava
vedada. Esta arte é agora proibida.
Presentemente, os sistemas mais
utilizados são o tresmalho, palangre e a colher, este nos “montes do rio”.
O pescador do Guadiana considera
o muge de três espécies: o muge propriamente dito, o saltor, de cabeça mais
arredondada e que salta com frequência e daí o nome e o negrão, pela cor
escura. Pesca-se com mais frequência no Verão.
Para o barbo, que chega a atingir
oito e mais quilos, enguia e boga, é o Inverno a época mais propícia, aparecendo
o sável e a saboga nos meses de Fevereiro e Março.
A Primavera oferece-nos a
saborosa lampreia.
Ultimamente têm aparecido alguns
exemplares de trutas, carpas, achigãs e solhos.
O pescador tem normalmente um
contracto celebrado com o arrieiro a quem unicamente vende o peixe e este
compromete-se a comprar-lhe todo o que apanhar.
Arrieiro é o homem que conduz
bestas de carga e daí a manter-se ainda essa designação, pois seria este o
processo utilizado para o transporte e venda pelo concelho e vizinhos. Com a
evolução natural, as alimárias foram substituídas pelas bicicletas a pedal,
depois por motorizadas e presentemente mesmo por furgonetas que se deslocam a
grande distância.
Muge |
A transacção do peixe, do
pescador para o arrieiro, faz por pesadas de três quilos, feitas com muita
corrente e que são contadas por exemplares que se colocam num monte à parte,
para no fim se contarem. Este peixe pertence também ao arrieiro.
Em determinadas épocas a
abundância de muge é tanta que os pescadores não pescam mais por haver dificuldades
em o colocar.
Actualmente atravessam uma crise
de tal ordem que obrigou ao afastamento temporário de pescadores para outras
actividades.
Os pescadores do Guadiana têm
como principais pontos de pescas, Mértola, Pomarão, Penha de Águia, Alcoutim,
Laranjeiras, Guerreiros do Rio, Álamo e Foz de Odeleite.
Muito recentemente, começaram a
utilizar nas lanchas pequenos motores fora de borda, para as deslocações, por
vezes longas, se tornarem mais rápidas e menos trabalhosas.