sábado, 23 de junho de 2012

Martim Longo, aldeia de gente activa tem aspirações


Pequena nota

Este texto tem 38 anos de publicado.
Aqui o reproduzimos como foi publicado excepto quanto ao topónimo e gentílico que foram escritos como aqui vão mas que o jornal alterou pensando que se tratava de um erro.
Os outros erros de escrita ou de carácter técnico que porventura se encontrarem são os que foram produzidos na altura da publicação.
Quem os encontrar que os corrija.
A ilustração é de agora já que na altura era economicamente incomportável

JV


(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE Nº 869 DE 17 DE NOVEMBRO DE 1973)

Rua Dr. Antero Cabral, antiga Rua Direita. Foto JV

O concelho de Alcoutim é, sem dúvida, dos mais pobres do Algarve, conquanto tenha muito para nos dar em determinados aspectos ainda por descobrir ou explorar.

Com a sede do concelho, outrora centro importante e vital, desde há muito tem ombreado a aldeia de Martim Longo, que, não tendo um passado que se possa pôr em paralelo com Alcoutim, tem, nos últimos tempos, se não progredido, pelo menos mantido um determinado nível.

Situa-se esta aldeia entre duas ribeiras: a do Vascão, ao Norte, que divide o Alentejo do Algarve, e a da Foupana ao Sul.

É sede de freguesia do mesmo nome e compreende muitos lugares (montes), tais como: Arrizada, Azinhal, Barrada, Barroso, Casa Nova, Castelhanos, Corte Serranos, Diogo Dias, Estrada, Laborato, Lutão, Mestras, Monte Argil, Penteadeiros, Pereirão, Pêro Dias, Pessegueiro, Santa Justa, Silgado, Tremelgo e Zorrinhos.

A região foi habitada pelos romanos que exploraram algumas minas de que há vestígios, como a da Aroeira, situada no Cerro das Ferrarias a cerca de 1,5 km da igreja paroquial. Nela foi encontrada uma moeda romana de prata (136 – 161), por conseguinte do século II D.C. Também no Laborato e no Lutão, apareceram vestígios deste povo invasor da Península. (1)

A origem do seu nome, segundo tradição oral, veio de um tal Martim que vindo de longe, aqui se estabeleceu dando origem à fundação do povo. Será pura imaginação popular? Haverá fundamento? Limitamo-nos a relatar a tradição, lembrando, contudo que muitos nomes de povoações provêm de nomes de homens que das mesmas foram fundadores ou Senhores. (2)

Outras designações derivam de uma capela ou santo padroeiro (Santa Justa), da flora (Azinhal, Pereirão e Pessegueiro) devido certamente à existência dessas árvores na zona ou então a algum exemplar que pelo seu porte ou escassez, fosse ponto de referência, da fauna (Zorrinhos) ou de condições geológicas (Barrada, Barroso e Monte Argil). (3)

Castelhanos tal como o vizinho Fernandilho, da freguesia de Vaqueiros parece revelar influência espanhola local, o que não admira devido à proximidade da fronteira.

Martim Longo tem igreja de três naves que no dizer de Silva Lopes é a mais antiga destes arredores. O pároco recebia o dízimo das miúças, que andava por trezentos mil réis, o único no Algarve que recebia primícias. (4) Tanto o pórtico como uma porta lateral têm configuração ogival e o templo sofre presentemente obras de restauro de que estava muito necessitado.

Há notícias de que o prior de Martim Longo, Nuno Rijo de Sousa, fundou um vínculo em capela na igreja, o qual, por sua morte, deixou a seu sobrinho, filho de sua irmã, Margarida Baptista de Sousa, de Portimão, o Dr. Diogo Mascarenhas de Figueiredo, cónego da Sé de Faro, arcediago de Lagos e que foi vigário geral do Bispado do Algarve em 1685, e também prior de Martim Longo por renúncia que nele fez o referido Nuno Rijo de Sousa.

Aspecto de uma rua. Foto JV, 2010
Diogo de Mascarenhas era comissário do Santo Ofício em 1665 e morreu em Faro em 1696. Era filho de Diogo Martins Mascarenhas, Senhor do Morgado de Quelfes, moço-fidalgo, dizem que capitão-mor de Faro e da dita Margarida Baptista de Sousa. (5)

Na Exposição de Arte Sacra, realizada em 1940, em Faro, a freguesia fez-se representar por: utensílios de altar, cálix de prata dourada, mandado vir por D. Francisco Gomes e custódia cálix ornada, utensílios de culto, cruz paroquial de prata lavrada (antiga) e palio branco (uma colcha da Índia a que aplicaram sanefas, formando assim o palio). Vestes sagradas: casula de brocado de prata sobre fundo de um formoso rosáceo. (6)

Por Martim Longo também a Casa do Infantado possuía os seus bens. As herdades dos Zorrinhos, Daroeira e da Finca Rodilha, tal como um forno na aldeia, pertenceram a esta Sereníssima Casa (7) extinta em 1834.

Era do lugar de Tremelgo, o capitão de ordenanças, Diogo Mestre Guerreiro, que em 1771 e anos posteriores foi Provedor da Santa Casa da Misericórdia (8), uma das mais antigas do País.

Do Celeiro da Comenda, avaliado em meados do século XIX em 60 080 réis, resta ainda uma lápida que alguém encontrou em trabalhos de reconstrução de uma habitação e que teve o bom senso de colocar sobre o lintel de uma porta pelo que se mantém em muito bom estado.

A zona é bastante seca, o que é uma contrariedade para a população.

A cerca de trezentos metros, há uma lagoa, formada pelas chuvas e onde bebem os animais das redondezas. Os poços que abastecem a população, dão água de má qualidade e secam, por vezes, no Verão. Justifica-se assim o “largo” consumo de água mineral.

É uma região cerealífera, talvez a melhor do concelho, com predomínio do trigo.

Os martim-longuenses são muito activos, com tendência especial para o negócio. Ouve-se dizer que em tudo negoceiam, mesmo em “cascas de alho”, se for necessário. Em qualquer conversa encontram sempre pretexto para o negócio.

Noutros tempos fabricavam muita fazenda grosseira de lã: surianos, estamenhas, meias, etc. que levavam a vender às feiras do Algarve e na da aldeia, no dia de Corpo de Deus. Também fabricavam louça ordinária de que ia muita para Ourique. No Inverno, empregavam-se os almocreves em conduzir perdizes para Lisboa e por aqui havia muitos caçadores. (9)

O comércio encontra-se enraizado nestas gentes e nenhum outro centro populacional apresenta sequer metade do rendimento colectável de contribuição industrial do que atribuído a esta aldeia. A cada passo., um estabelecimento comercial e por lá aparece de tudo um pouco, o que já não acontece em qualquer outro ponto do concelho.

Ermida de S. Sebastião. Des. de JV, 1991
A actividade não se resume à freguesia, mas espalha-se por todo o concelho e limítrofes. De dia, regra geral, os homens partem para o negócio, correndo vilas e aldeias, procurando os montes onde adquirem produtos que colocam nos centros de consumo. Nos estabelecimentos, ficam os familiares. Ao cair da noite é um retinir de telefones, pois os negócios não se podem perder.

Martim Longo foi a primeira terra do concelho a manter um táxi e é a única que tem serviço de abastecimento de combustíveis, mercado, Casa do Povo com sede própria, oficina de bicicletas motorizadas e outras pequenas reparações, dois cafés, serralharia mecânica e escola primária que ocupa duas professoras. Possui mais veículos automóveis do que quase todo o restante concelho.

No último censo, foi a freguesia que apresentou menor decréscimo populacional (19%) e é o centro mais populoso do concelho.

A nível educacional, além de acompanhar as outras povoações com um posto de recepção oficial de Telescola, ultrapassa-as, pois tem quem leccione o 2º Ciclo dos Liceus.

Apesar do muito que representa para o concelho, continua sem energia eléctrica, nem abastecimento de água ao domicílio, nem redes de esgotos, o que lhe causa enormes contrariedades e impede o seu desenvolvimento.

Anseiam os martim-longuenses por ver resolvidos estes seus problemas, principalmente o da energia eléctrica, já programada e para a qual o povo contribuiu generosamente com algumas dezenas de contos. Com ela, a aldeia progredirá, a mecanização das suas pequenas indústrias será um facto, outras aparecerão, enfim, saberão colher os frutos desse melhoramento, devido às suas características empreendedoras.

Martim Longo não pede muito e oferece a certeza do bom aproveitamento desses melhoramentos a que tem jus e por que tanto aspira.


NOTAS

(1)     Arqueologia Romana do Algarve, Maria Luísa Estácio da Veiga A. Santos, II Volt., Prémio General França Borges, 1972.
(2)     Vilar do Pinheiro (concelho de Vila do Conde), Subsídios para a sua monografia, Horácio Marçal, Porto, 1950, pág. 51.
(3)     Idem, ibidem.
(4)     Corografia do Algarve, Silva Lopes, 1841.
(5)     Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
(6)     “Exposição de Arte Sacra”, in Boletim da Junta de Província do Algarve, 1940.
(7)     Livro Mod./1-A -de Registo de rendas, foros, prédios e juros de capitais pertencentes à Fazenda Nacional, no concelho de Alcoutim, termo de abertura de 13 de Março de 1867.
(8)     Livro de posses da Irmandade da santa Casa da Misericórdia de Alcoutim.
(9)     Corografia do Algarve, Siva Lopes.