Pequena nota
Este texto tem 38 anos
de publicado.
Aqui o reproduzimos
como foi publicado excepto quanto ao topónimo e gentílico que foram escritos
como aqui vão mas que o jornal alterou pensando que se tratava de um erro.
Os outros erros de
escrita ou de carácter técnico que porventura se encontrarem são os que foram
produzidos na altura da publicação.
Quem os encontrar que
os corrija.
A ilustração é de
agora já que na altura era economicamente incomportável
JV
(PUBLICADO NO JORNAL
DO ALGARVE Nº 869 DE 17 DE NOVEMBRO DE 1973)
Rua Dr. Antero Cabral, antiga Rua Direita. Foto JV |
O concelho de Alcoutim é, sem
dúvida, dos mais pobres do Algarve, conquanto tenha muito para nos dar em
determinados aspectos ainda por descobrir ou explorar.
Com a sede do concelho, outrora
centro importante e vital, desde há muito tem ombreado a aldeia de Martim
Longo, que, não tendo um passado que se possa pôr em paralelo com Alcoutim,
tem, nos últimos tempos, se não progredido, pelo menos mantido um determinado
nível.
Situa-se esta aldeia entre duas
ribeiras: a do Vascão, ao Norte, que divide o Alentejo do Algarve, e a da
Foupana ao Sul.
É sede de freguesia do mesmo nome
e compreende muitos lugares (montes), tais como: Arrizada, Azinhal, Barrada,
Barroso, Casa Nova, Castelhanos, Corte Serranos, Diogo Dias, Estrada, Laborato,
Lutão, Mestras, Monte Argil, Penteadeiros, Pereirão, Pêro Dias, Pessegueiro,
Santa Justa, Silgado, Tremelgo e Zorrinhos.
A região foi habitada pelos
romanos que exploraram algumas minas de que há vestígios, como a da Aroeira,
situada no Cerro das Ferrarias a cerca de 1,5 km da igreja paroquial.
Nela foi encontrada uma moeda romana de prata (136 – 161), por conseguinte do
século II D.C. Também no Laborato e no Lutão, apareceram vestígios deste povo
invasor da Península. (1)
A origem do seu nome, segundo
tradição oral, veio de um tal Martim que vindo de longe, aqui se estabeleceu
dando origem à fundação do povo. Será pura imaginação popular? Haverá
fundamento? Limitamo-nos a relatar a tradição, lembrando, contudo que muitos
nomes de povoações provêm de nomes de homens que das mesmas foram fundadores ou
Senhores. (2)
Outras designações derivam de uma
capela ou santo padroeiro (Santa Justa), da flora (Azinhal, Pereirão e
Pessegueiro) devido certamente à existência dessas árvores na zona ou então a
algum exemplar que pelo seu porte ou escassez, fosse ponto de referência, da
fauna (Zorrinhos) ou de condições geológicas (Barrada, Barroso e Monte Argil).
(3)
Castelhanos tal como o vizinho
Fernandilho, da freguesia de Vaqueiros parece revelar influência espanhola
local, o que não admira devido à proximidade da fronteira.
Martim Longo tem igreja de três
naves que no dizer de Silva Lopes é a mais antiga destes arredores. O pároco
recebia o dízimo das miúças, que andava por trezentos mil réis, o único no
Algarve que recebia primícias. (4) Tanto o pórtico como uma porta lateral têm
configuração ogival e o templo sofre presentemente obras de restauro de que
estava muito necessitado.
Há notícias de que o prior de
Martim Longo, Nuno Rijo de Sousa, fundou um vínculo em capela na igreja, o
qual, por sua morte, deixou a seu sobrinho, filho de sua irmã, Margarida
Baptista de Sousa, de Portimão, o Dr. Diogo Mascarenhas de Figueiredo, cónego
da Sé de Faro, arcediago de Lagos e que foi vigário geral do Bispado do Algarve
em 1685, e também prior de Martim Longo por renúncia que nele fez o referido
Nuno Rijo de Sousa.
Aspecto de uma rua. Foto JV, 2010 |
Diogo de Mascarenhas era
comissário do Santo Ofício em 1665 e morreu em Faro em 1696. Era filho de Diogo
Martins Mascarenhas, Senhor do Morgado de Quelfes, moço-fidalgo, dizem que
capitão-mor de Faro e da dita Margarida Baptista de Sousa. (5)
Na Exposição de Arte Sacra,
realizada em 1940, em Faro, a freguesia fez-se representar por: utensílios de
altar, cálix de prata dourada, mandado vir por D. Francisco Gomes e custódia
cálix ornada, utensílios de culto, cruz paroquial de prata lavrada (antiga) e
palio branco (uma colcha da Índia a que aplicaram sanefas, formando assim o
palio). Vestes sagradas: casula de brocado de prata sobre fundo de um formoso
rosáceo. (6)
Por Martim Longo também a Casa do
Infantado possuía os seus bens. As herdades dos Zorrinhos, Daroeira e da Finca
Rodilha, tal como um forno na aldeia, pertenceram a esta Sereníssima Casa (7) extinta em 1834.
Era do lugar de Tremelgo, o
capitão de ordenanças, Diogo Mestre Guerreiro, que em 1771 e anos posteriores
foi Provedor da Santa Casa da Misericórdia (8), uma das mais antigas do País.
Do Celeiro da Comenda, avaliado
em meados do século XIX em 60 080 réis, resta ainda uma lápida que alguém
encontrou em trabalhos de reconstrução de uma habitação e que teve o bom senso
de colocar sobre o lintel de uma porta pelo que se mantém em muito bom estado.
A zona é bastante seca, o que é
uma contrariedade para a população.
A cerca de trezentos metros, há
uma lagoa, formada pelas chuvas e onde bebem os animais das redondezas. Os
poços que abastecem a população, dão água de má qualidade e secam, por vezes,
no Verão. Justifica-se assim o “largo” consumo de água mineral.
É uma região cerealífera, talvez
a melhor do concelho, com predomínio do trigo.
Os martim-longuenses são muito
activos, com tendência especial para o negócio. Ouve-se dizer que em tudo
negoceiam, mesmo em “cascas de alho”, se for necessário. Em qualquer conversa
encontram sempre pretexto para o negócio.
Noutros tempos fabricavam muita
fazenda grosseira de lã: surianos, estamenhas, meias, etc. que levavam a vender
às feiras do Algarve e na da aldeia, no dia de Corpo de Deus. Também
fabricavam louça ordinária de que ia muita para Ourique. No Inverno,
empregavam-se os almocreves em conduzir perdizes para Lisboa e por aqui havia
muitos caçadores. (9)
O comércio encontra-se enraizado
nestas gentes e nenhum outro centro populacional apresenta sequer metade do
rendimento colectável de contribuição industrial do que atribuído a esta
aldeia. A cada passo., um estabelecimento comercial e por lá aparece de tudo um
pouco, o que já não acontece em qualquer outro ponto do concelho.
Ermida de S. Sebastião. Des. de JV, 1991 |
A actividade não se resume à freguesia,
mas espalha-se por todo o concelho e limítrofes. De dia, regra geral, os homens
partem para o negócio, correndo vilas e aldeias, procurando os montes onde
adquirem produtos que colocam nos centros de consumo. Nos estabelecimentos,
ficam os familiares. Ao cair da noite é um retinir de telefones, pois os
negócios não se podem perder.
Martim Longo foi a primeira terra
do concelho a manter um táxi e é a única que tem serviço de abastecimento de
combustíveis, mercado, Casa do Povo com sede própria, oficina de bicicletas
motorizadas e outras pequenas reparações, dois cafés, serralharia mecânica e
escola primária que ocupa duas professoras. Possui mais veículos automóveis do
que quase todo o restante concelho.
No último censo, foi a freguesia
que apresentou menor decréscimo populacional (19%) e é o centro mais populoso
do concelho.
A nível educacional, além de
acompanhar as outras povoações com um posto de recepção oficial de Telescola,
ultrapassa-as, pois tem quem leccione o 2º Ciclo dos Liceus.
Apesar do muito que representa
para o concelho, continua sem energia eléctrica, nem abastecimento de água ao
domicílio, nem redes de esgotos, o que lhe causa enormes contrariedades e
impede o seu desenvolvimento.
Anseiam os martim-longuenses por
ver resolvidos estes seus problemas, principalmente o da energia eléctrica, já
programada e para a qual o povo contribuiu generosamente com algumas dezenas de
contos. Com ela, a aldeia progredirá, a mecanização das suas pequenas
indústrias será um facto, outras aparecerão, enfim, saberão colher os frutos
desse melhoramento, devido às suas características empreendedoras.
Martim Longo não pede muito e
oferece a certeza do bom aproveitamento desses melhoramentos a que tem jus e
por que tanto aspira.
NOTAS
(1)
Arqueologia Romana do Algarve, Maria Luísa Estácio da Veiga A. Santos, II Volt.,
Prémio General França Borges, 1972.
(2)
Vilar do Pinheiro (concelho de Vila do Conde),
Subsídios para a sua monografia,
Horácio Marçal, Porto, 1950, pág. 51.
(3)
Idem, ibidem.
(4)
Corografia do Algarve, Silva Lopes, 1841.
(5) Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
(6) “Exposição de Arte Sacra”, in Boletim da Junta de Província do Algarve, 1940.
(7) Livro Mod./1-A
-de Registo de rendas, foros, prédios e juros de capitais pertencentes à
Fazenda Nacional, no concelho de Alcoutim, termo de abertura de 13 de Março de
1867.
(8) Livro de
posses da Irmandade da santa Casa da Misericórdia de Alcoutim.
(9)
Corografia do Algarve, Siva Lopes.