PEQUENA NOTA
Este escrito foi enviado para o Jornal do Baixo Guadiana há perto de quatro meses não tendo ainda sido publicado, presumo que por falta de espaço mas até ao presente nada me foi informado.Por uma questão de dignidade pessoal e respeito pelo Jornal, comprometi-me a só publicar neste blogue os artigos enviados para o Jornal, após ali serem publicados.
Atendendo a que já foram publicados três números e não me foi dada qualquer explicação, assiste-me o direito de o publicar em ALCOUTIM LIVRE onde não existe falta de espaço e todos têm lugar
Ao visitante finlandês
Foi com este título mas em relação às Cortes Pereiras que abordámos pela primeira vez o “tema” dos calvários para o qual e a pouco e pouco fomos adquirindo elementos que nos possibilitassem pôr no papel, ainda que nos falte conhecer muito sobre o assunto.
Pensamos com esta publicação evitar que se perca o pouco que recolhemos que dará hipoteticamente pistas a quem um dia desejar aprofundar o assunto.
Eu, por enquanto, só encontrei pistas orais que como se sabe são de pouco rigor e deturpadas naturalmente com o decorrer dos tempos.
Não vamos repetir a parte introdutória que escrevemos, por necessária, quando abordámos os dois calvários de Cortes Pereiras.
Tanto as Cortes Pereiras como Afonso Vicente têm mais calvários nas suas proximidades, em relação a Afonso Vicente escolhemos os dois que lhe ficam mais próximos, mesmo bem perto da povoação, um ao sul, outro ao norte.
CALVÁRIO DA EIRA DA CRUZ
[Na eira da Cruz, 2008]
É mais um cruzeiro erigido para assinalar o local onde morreu alguém.
Também aqui a situação é próxima do monte de Afonso Vicente, mais concretamente perto do seu antigo acesso do Sul.
Por volta de 1968 numa conversa tida com uma alcouteneja, (1) foi-me dito que o edifício em que funcionavam na altura os serviços de Finanças na vila de Alcoutim tinha sido propriedade e residência do capitão-mor, oriundo de Tavira e de nome Aragão. (2)
Dizia-me essa senhora que a sua habitação também lhe tinha pertencido, tendo sido adquirida aos seus herdeiros por um ascendente que presumo ter sido o seu avô paterno.
Dizia-me então que o referido Aragão tinha sido levado por uma hoste de guerrilhas e que a criada, ou governanta teria seguido na sua peugada com um saco de dinheiro em prata oferecendo-o no sentido de livrar o seu amo, o que não se verifica e acaba por ser assassinado próximo de Afonso Vicente, onde acabou por ser erguido, por esse motivo, um calvário.
Muitos anos depois e em contacto com esta povoação fui informado por um afonso-vicentino, já octogenário (3) que se lembrava ainda de ter visto o assento do calvário, mas desconhecia completamente a sua estória.
Mais uma vez, e como é natural, desapareceu o “monumento” mas ficou o nome.
Todos os que conhecem aquela zona sabem localizar onde é a Portela e a Eira da Cruz, a estória é que poucos hoje conhecerão. Aqui fica para a posteridade.
CALVÁRIO DE ISABEL VAZ
[A caminho do sítio da Isabel Vaz, 1989]
Situava-se este cruzeiro muito perto do monte de Afonso Vicente, mais propriamente tomando o caminho Norte da povoação, em direcção ao Serro da Machada. Cerca de duzentos metros andados, do lado direito do caminho, ainda conheci o soco de calvário, erigido para assinalar o lugar onde morreu alguém de uma maneira dramática.
Além dos idosos, gente ainda relativamente jovem sabe situar tal base, mas só os mais velhos sabem contar a razão da sua existência.
Curioso destas situações, vieram-nos contar (4) a estória que receberam de geração em geração, sem a poderem situar no tempo.
Marcadamente situada no século XIX, é-nos contado que uma moça do monte de Afonso Vicente foi levar a um dos moinhos da ribeira do Vascão um saco de trigo a fim de ser transformado em farinha para a confecção semanal da “amassadura”, base da alimentação destes povos. Carregado o burro, regressa ao “monte”com a preciosa carga. Depois de percorridos alguns quilómetros e já próximo do “monte” o burro espantou-se, corre desalmadamente e a moça não o aguenta e cai, de tal maneira que presa à arreata, da qual não se consegue desembaraçar, é arrastada e acaba por morrer.
A dor e o constrangimento de tal situação, pouco vulgar, fez os familiares erigirem um pequeno “monumento” para assinalar tão inaudito acontecimento e para que perdurasse, como memória, através dos tempos.
O cruzeiro há muito que desapareceu, e à sua base, que ainda conheci, penso que já aconteceu o mesmo.
Muita gente conhece o sítio rústico da Isabel Vaz, antropónimo e nome de família vulgares na zona e constante da desaparecida matriz predial rústica.
Desapareceu o calvário, ficou contudo e para todo o sempre, o nome da vítima, nele invocado: ISABEL VAZ
NOTAS
(1) – D. Belmira Lopes, neta do Capitão Paulo José Lopes que foi Presidente da Câmara de Alcoutim. Ficou sepultada no cemitério de Alcoutim, no único jazigo existente e junto de sua filha única, falecida aos dezoito anos e vítima de tuberculose.
(2) – Em documentação do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Alcoutim encontrei referência a um Aragão mas que por falta de mais dados não me possibilitou a identificação desejada.
(3) – António José (vulgo Frederico), natural de Afonso Vicente e recentemente falecido.
(4) - Maria Catarina Borralho, natural de Afonso Vicente, então octogenária e já falecida.