quarta-feira, 18 de março de 2009

A festa da Maia ou das Maias


Muitas festas populares tiveram origem nos cultos naturalistas de outrora.

A igreja cristã que combateu o politeísmo cabou por “adquirir” alguns dos seus elementos.
O Verão, estação procriadora e fecunda, “triunfa” sobre o Inverno, parado e estéril. Parece ser fálica a origem primitiva desta festa, com manifestações mais ou menos orgiásticas (1) de que restam alguns resquícios.

A origem parece ser romana.

António Cabral diz que”as festas de Maio, sobretudo do 1º de Maio, que já vêm do tempo dos gregos e dos romanos que homenageavam Maia, deusa do crescimento, perderam esplendor (…)” (2). As sobrevivências do paganismo são atenuadas pela influência da religião cristã manifestada por exemplo nas cruzes florais.

Realizava-se no 1º de Maio e, ainda que o estivesse por todo o País, parece que foi no Algarve que mais se implementou. (3)

Há notícias que a festa chegava a provocar conflitos e desordens populares pelo que, em meados do século XIX, esteve proibida.


[O Monte do Poço, Cortes Pereiras, 1993]

A Festa da Maia foi popular no concelho de Alcoutim e encontrámos notícia dela, além da vila, em alguns “montes” da freguesia, como nas Cortes Pereiras, Sta. Marta e Afonso Vicente.

Este festejo popular que tinha lugar em várias terras do nosso País, na região da Provença, na Galiza e nalgumas zonas da Inglaterra e noutras partes, não era uniforme, havendo variantes.

Ainda que por motivos óbvios haja uma base comum, estas manifestações apresentavam acções por vezes muito diferenciadas como no Ribatejo (4), na Beira (5), no distrito de Setúbal (6) ou em Portalegre, por exemplo.

Em Alcoutim decorria mais ou menos deste modo: - No dia 1 de Maio, antes do nascer do sol, e isto para “não deixar entrar o Maio”, o que significava para as moças a possibilidade de casar nesse ano, iam ao campo apanhar flores silvestres e verduras.

Numa casa espaçosa de rés-do-chão, improvisavam um trono onde era colocada uma boneca feita de palha, vestida de branco e ornamentada com jóias (ouro) e fitas. As flores e as ramagens davam-lhe refulgência notória.

Parece que noutros locais, ou em tempos mais recuados, utilizavam em vez de boneca, uma rapariga de 10, 12 anos.

Na casa da Maia cantava-se e dançava-se todo o dia ao som da “flaita” ou “gaitinha de beços” e por vezes fazia-se uma função, passando-se um dia divertido.

No dia 3, que chamavam da Bela (Vera) Cruz, substituíam a boneca por uma cruz o que dava origem a novos folguedos com que rematava a festa.

Em terras maiores, apareciam várias Maias o que provocava por vezes, como dissemos, conflitos. Todos se esforçavam para que a sua fosse a mais galante e luxuosa, originando uma festa mais concorrida.


[O Monte de Santa Marta, 1987]

Na década de vinte do século passado a rivalidade entre a Maia de Sta. Marta e a de Afonso Vicente foi grande e dava origem à vinda desejada de muitos moços do “termo” de Mértola. (7)

A última Maia de que há notícia em Afonso Vicente teve lugar em 1940 em casa do “Ti André”.
Caída completamente em desuso, alguns (já poucos) a recordarão com saudade, lembrando-lhes a juventude passada.

Em 1983 a cidade de Beja recorda a Festa da Maia, segundo notícia inserta no jornal diário, Correio da Manhã.

Alexandre Herculano, no romance histórico o Monge de Cister, refere-se a estes festejos e ao facto da Câmara de Lisboa os ter proibido.

Num aspecto mais técnico, Rocha Peixoto em “A Terra Portuguesa” e recentemente Aurélio Lopes em “A sagração da Primavera, Edições Cosmos, desenvolvem o tema.


[O Monte de Afonso Vicente, 1987]

O sempre consultado Pinho Leal, no Portugal Antigo e Moderno (…), Vol. 5, pág. 37, Lisboa, 1875, diz que viu as festas das maias em Tavira, Castro Marim, Vila Real de Sto. António e outras povoações do Algarve e escreveu:

Faziam do modo seguinte:

Escolhia-se uma rapariga de dez a doze anos, das mais bonitas do sítio. Enfeitava-se com um vestido branco, jóias, fitas e flores, e se colocava em um trono florido, construído em uma sala ao rez da rua. Era a maia.
Em frente da casa onde estava, havia um mastro, coberto de murtas e flores, em roda do qual se dançava todo o dia, ao som de qualquer instrumento (às vezes até mesmo de uma filarmónica) e era um dia de divertimento e alegria.
Esta festa tinha lugar no dia 1º de Maio de cada ano.
Não era só em uma parte que tinha lugar a festa. Todas as ruas queriam ter a sua maia, e andavam à compita, qual delas seria mais bonita e mais luxuosamente vestida, e em qual das festas haveria maior e melhor concorrência e sumptuosidade, o que às vezes dava causa a conflitos e desordens.


Salvo um ou dois pormenores, o que descreve Pinho Leal corresponde à recolha oral que fizemos em finais dos anos sessenta do século passado.

NOTAS

(1)-As Maias, Correia Peixoto, 1990.
(2)–Jogos populares portugueses de jovens e adultos, 1998.
(3)-Portugal, Dicionário Histórico, Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues,(Direcção de), Edição de Romano Torres - 1904.
(4)-http://www.eb1.espinheiro-alcanena.pt(5) – http://viverparamos2006.blogspot.com
(6)-http://www.cparoquial-covapiedade.pt
(7)-A revelação desta festa popular foi-nos feita pela Senhora, minha sogra, Isabel Costa, natural de Afonso Vicente.