quinta-feira, 8 de julho de 2010

Capela de Nª Sª da Conceição, na Vila de Alcoutim

Pequena nota

De todos os templos existentes no concelho ou que já desapareceram, com a publicação deste “post” só ficarão a faltar dois, os de mais recente construção que possivelmente não terão assunto suficiente, pelo menos para mim, para os abordar.
Estou a referir-me às novas Capela de Santa Marta e do Pessegueiro que se a memória não me atraiçoa, tem por invocação Nª Sª de Fátima.
Iremos tentar abordar os dois templos para o que teremos de efectuar pesquisas sobre eles e veremos se conseguimos obter elementos que justifiquem uma publicação.
Aquilo que agora publicamos sobre a Capela de Nª Sª da Conceição já foi escrito há 20 anos e retirámos da “célebre” 2ª Edição (em preparação) o que vulgarmente se designa por “Monografia de Alcoutim”.
As notas ainda que indicadas no texto ficarão reservadas para uma hipotética publicação, já qu, é habitual gente sem escrúpulos servirem-se dos trabalhos dos outros para os transformarem como seus..


JV


[Fachada virada para Sanlúcar]

Começa-se logo pela dúvida em a classificar. Igreja, capela ou ermida?

A aplicação destes termos, no tempo, não tem o mesmo significado. Optámos por capela por nos parecer o mais ajustado aos nossos dias.

Aparece referenciada como uma obra de D. João IV, como a seguir indicaremos.

Tem uma linda capela, fundada por D. João IV para comemorar a Restauração da Independência e dedicada a Nª Sª da Conceição, refere O Século em número extraordinário do duplo centenário - Junho de 1940.

O Algarve, de J. Mimoso Barreto, Lisboa, 1973, refere: - D. João IV mandou construir, no interior das suas muralhas, a Capela de Nª Sª da Conceição, a fim de comemorar a Restauração de Portugal.

[Fachada virada para Sanlúcar em 1967. Foto JV]

Em “Roteiros Turísticos do Algarve” (1) escreve-se: - O Rei D. João IV construiu no perímetro das suas muralhas a Capela de Nª Sª da Conceição, a fim de comemorar a reconquista de Portugal.

Mais comedido é Álvaro Pais (2) que escreve... a pitoresca e algo sumptuosa capela de Nª Sª da Conceição... deve ter sido restaurada logo após a Restauração de Portugal, quando D. João IV difundiu largamente o culto da Padroeira de Portugal, pois certamente é mais antiga.

A própria Câmara Municipal, no primeiro cartaz turístico que conhecemos sobre o concelho, proprietária do imóvel, diz que foi mandada construir por D. João IV. (3)

A origem da capela é muitíssimo mais antiga. Em 1518 o visitador da Ordem de S. Tiago, (4) informa...achámos que a dita irmyda he tam antigua que nom ha hy memória de quem a edificou, soomemte quanto Ruy Martins prior que ora he da dita irmyda tem carreguo dela. (4) Nesta altura a ermida tinha uma capela com a imagem de Nª Senhora e mais dois altares de alvenaria, dedicados um a S. Bento e o outro a S. Martinho.

Em 1534 já estava (...) feita de novo (...) de uma só nave (...) capela de abóbada (...) um altar de alvenaria forrado de azulejos (...) uma imagem de Nª Senhora com seu filho ao colo. Tem mais (...) dois altares de alvenaria no cruzeiro e um portal grande de pedraria muito bom e bem obrado com as suas portas novas, o telhado tinha dois tirantes de ferro e no meio de cada um deles está um escudo de ferro e um deles tem uma coroa de espinhos dourada e no meio umas letras que dizem ALEO.

Foram os moradores da vila que procederam ao restauro com o auxílio do Marquês de Vila Real, 2º Conde de Alcoutim, D. Pedro de Meneses, que contribuiu com “sessenta e três mil reaes”.

O famoso Livro das Fortalezas, de Duarte Darmas, que deve ter sido executado entre 1521 e 1530, mostra no mesmo local uma capela de linhas diferentes das actuais, ainda que a planta seja orientada no mesmo sentido.

Em 1867, respondendo ao Governador Civil, a Câmara informa que está na posse da sua administração há mais de um século, não obstante não poder mostrar outro título senão a real e efectiva posse que, desde tempos imemoriais, conserva. (5)

[Do Livro das Fortalezas, de Duarte de Armas. Vista do Norte]
A capela, a que presentemente mais se chama igreja, situa-se no ponto mais alto (cota 37), num pequeno cerro que domina a vila.

Tem um adro de cerca de 800 m2 e que em 1518 servia para enterrar os defuntos.

Em 1858 recebeu obras de beneficiação que importaram em quarenta mil quinhentos e vinte réis. (6)

O acesso faz-se pela rua de Nª Sª da Conceição, sinuosa e que estava mal empedrada ou por íngreme e estreita travessa que a tradição aponta ser sítio por onde passava a muralha da vila, mesmo ali perto das Portas de Tavira.

[Rua de Nª Sª da Conceição. Foto JV, 2010]

Doze degraus de ladrilhos, em semicírculo e concêntricos, levam-nos a um patamar, também ladrilhado, de onde partem para cada um dos lados, correspondentes lanços de escadas, igualmente em tijolo. Encontramo-nos assim no amplo adro do qual se goza belo panorama sobre a vila, o Guadiana e Sanlúcar. Este escadório deve ter origem na primeira metade do século XVIII e talvez tivesse sido influenciado pela igreja de Sanlúcar. (7)

As imediações da porta principal e das fachadas laterais eram ladrilhadas à típica maneira algarvia. Ocupou-se desta obra, Francisco Pereira, no ano de 1799. (8)

O templo é de uma só nave. Em 1749 procedeu-se a “arranjo do lado do levante”.

O tecto foi pintado em 1836 (9) e o forro do telhado feito em 1913 (10) tendo custado cem mil réis. Já em 1890 tinha sido reconstruído o telhado e o forro, tendo-se para o efeito contraído um empréstimo. Ocupou-se da obra, Joaquim Fernandes Ferramacho. (11)

A fachada principal tem três janelas rectangulares e sem qualquer interesse artístico. Duas ladeiam o pórtico e a outra situa-se por cima deste. As primeiras, por serem baixas, são guarnecidas por grades de ferro.

Quatro pináculos de alvenaria, um em cada extremidade da fachada e outros dois em plano superior e equidistantes, conjuntamente com outros trabalhos de argamassa adornam a cimeira. No topo, simples cruz de ferro forjado, feita por Manuel Dias, ferreiro de Giões, em 1799, e que custou cinco mil réis. (12)


[Parte cimeira da fachada principal. Foto JV]

Sobre a janela central que ilumina e areja o coro, em baixo relevo, e no semicírculo central, situa-se um brasão real, possivelmente de D. João IV.

[Como se encontrava o pórtico em 1967. Foto JV]
Do exterior, o pórtico é sem dúvida a peça de maior interesse artístico. De arco ogival, é todo trabalhado com beleza, notando-se ornatos manuelinos. As bases e os capiteis são trabalhados naturalmente com maior relevo.

Ao observá-lo com atenção, verificámos que duas das peças que o constituem estão aparentemente trocadas de posição. O pórtico é datado do primeiro quartel do século XVI. (13)

Fomos encontrar, curiosamente, em Aiamonte, na Calle Juan de Zamora, nº 12, num belíssimo pórtico, alguns elementos decorativos precisamente iguais. (14)

Em 1840 compra-se madeira, vinda de Espanha por Sanlúcar, e faz-se a “porta grande” assim como as janelas laterais. (15) Por cima de cada uma delas situa-se uma cruz em baixo relevo.

No corpo do templo existe outra porta, lateral, sem interesse e em cuja soleira se notam, nas partes menos pisadas, azulejos de cores vivas, predominando o azul e de linhas geométricas.

Uma janela alta e gradeada ilumina o altar-mor. O gradeamento foi feito por iniciativa do Dr. Juiz de Fora, em 1804, para evitar a entrada no templo por aquele lado. Em 1854 é adquirido novo madeiramento para a janela, pois o anterior estava em muito mau estado. (16)

Do lado direito do corpo da capela situam-se dois compartimentos. Um destinava-se à Real Confraria e nele se guardavam, ou melhor dizendo, apodreciam, andor, castiçais, cruzes, bandeiras e outros objectos quase todos utilizados nas festividades que anualmente se realizavam em honra da padroeira. O outro é a sacristia que tudo indica ser de mais recente construção, pois em 1799, diz-se que se gastou em amanhos da “nova” sacristia, dezasseis mil réis. Nela encontrámos um móvel com seis gavetões e duas portas com ferragens toscas. Parece ter sido executado pelos carpinteiros, João Gomes, o Velho e João Gomes, o Moço (possivelmente pai e filho), em 1749. (17) Num dos gavetões via-se em muito mau estado um missal de 1677. Por cima do móvel e a monte as imagens de madeira pintada de S. Sebastião, que dizem ter vindo da igreja matriz e que a nós nos parece oriunda da capela do cemitério, antiga capela de São Sebastião, Nª Sª da Saúde, deslocada do altar que ruiu e São Brás. Numa parede, um quadro a óleo representando Nª Sª da Conceição, em muito mau estado e de autor desconhecido.

Não existe torre sineira mas possui ventana lateral de três aberturas de arco perfeito.

Esteve muitos anos sem sinos mas recentemente (1980) a Edilidade mandou colocar na maior abertura o antigo sino do relógio.

[Aspecto actual do templo]

A fachada virada para a vila é também ornada por interessantes pináculos de alvenaria. O semicírculo central era aqui ocupado por mostrador de relógio com algarismos romanos e a que faltam os ponteiros. No topo, e em armação de alvenaria, situava-se o sino do relógio que durante muitos anos deu horas a estas gentes. Calou-se por volta da década de cinquenta. A notícia mais antiga que conhecemos sobre o relógio data do ano de 1841, (18) pois encarrega-se Bernardino Munhoz Salas, residente na vila, do seu conserto. Em 1858 a Câmara pede ao Governador Civil que em Conselho do Distrito lhe seja autorizado a aplicar à compra de um relógio público, a quantia de cento e dez mil réis a sair da verba orçada para obras públicas, visto ela vir a ser compensada pela cobrança da “Terça”, cedida pelo Governo a favor do município e para obras públicas. (19)

Em 1882 a Câmara paga trinta mil réis a Lourenço Gomes Teixeira pela compostura do relógio público, responsabilizando-se o técnico pelo seu funcionamento durante um ano, isto se não houver nele interferência ignorante ou maldosa.

João Baptista Canelas, em 1910 era o encarregado do relógio público que em 1914 necessitava de ser reparado.

O maquinismo que se situava num pequeno compartimento de abóbada de berço, fica independente do corpo da igreja, dando-lhe acesso pequena porta lateral, a que se segue escadaria ladrilhada. Por cima da máquina lê-se pintado a tinta verde: - C M A - 1893.

A Câmara Municipal presidida por Cavaco Afonso adquiriu em Braga à firma Jerónimo & Filhos, Lda., um novo relógio que mandou instalar no mesmo local. Deixaram assim os alcoutinenses de se orientarem pelas horas que recebiam por contrabando da vizinha Sanlúcar e que por vezes não correspondiam às nossas.

Custou 235.700$00.

Sobre a armação que suporta o sino, todos os anos fazia o seu vetusto ninho um gracioso casal de cegonhas que nos anunciava a Primavera.

Do telhado, destaca-se uma cúpula de alvenaria de secção semicircular, encimada por alto pináculo em que se notam quatro pequenos nichos.

[Um aspecto da cúpula do templo. Foto JV, 2010]

Entremos no templo. Três barras de ferro aguentam a contextura da nave. Numa, a inscrição ALEO, colocada num círculo azul e branco (cores da bandeira monárquica de Portugal), noutra, num fundo branco, uma cruz vermelha semelhante às utilizadas pelos cruzados.

Tecto de madeira e secção trapezoidal.

O púlpito, também de madeira, tem pintura marmórea.

A capela-mor tem abóbada de secção semicircular e foi reparada e pintada em 1849, para o que veio pintor de fora. Já em 1836 se tinham comprado três quartilhos de óleo, várias tintas e pós para a pintura de portas e tecto da igreja.

Dizem-nos que do centro pendia interessante candelabro de que se desconhece o destino.

Separada do corpo da igreja por arco triunfal, sem qualquer pintura ou adorno mas que no fecho possuía uma data que desapareceu, segundo a nossa informadora.

O retábulo do altar-mor forma uma interessantíssima peça de talha dourada da segunda metade do século XVII, chamada de estilo nacional. Compõe-se de colunas torsas adornadas com figuras simbólicas: - meninos, cachos de uvas e parras, pássaros (representando a Fénix, símbolo da imortalidade), tendo a encimá-los arcos concêntricos. (20) O seu estado era lastimoso. Em completo abandono, constituía pasto de bicharada que o devorava.

Algumas peças desgrudadas espalhavam-se por aqui e por ali. Dizem-nos que foi cuidado recentemente, 1980/81, mas desconhecemos o seu âmbito.

[Imagem de Nª Sª da Conceição]

Em posição de destaque e numa redoma, a imagem de Nª Sª da Conceição, com coroa de prata de valor. Além desta, existe outra mais valiosa e que se utilizava em dias de festa. A prata, artisticamente cinzelada, é incrustada de pedraria. Foi adquirida em 4 de Agosto de 1910 e custou quarenta e oito mil réis. (21)

Em 1849 são estufadas as imagens de Nª Senhora da Conceição, São Francisco, Santo Cristo e dois Anjos. (22) Já em 1815 se tinham rectificado as mesmas imagens pois estavam na última decência e informes. O trabalho foi executado pelo mestre pintor Diogo Afonso e custou vinte e um mil, duzentos e sessenta réis. (23)

Houve castiçais de prata que foram levados para Faro, por ordem Régia, mas que pouco depois regressaram. (24) O transporte para o regresso custou dois mil e cem réis. Não lhes encontramos rasto. Teriam sido roubados pelos franceses quando aqui estiveram, meia dúzia de anos depois?

O brasão real de D. João IV encima o altar. É pintado em madeira recortada e encontra-se em bom estado.

Uma aguada de cimento tapou, não sabemos porquê, um conjunto de azulejos que deve ser interessante, pelo que nos foi dado ver por um que destapámos. Havia necessidade de classificá-los, depois de convenientemente desobstruídos.

No corpo da capela existem mais dois altares: um dedicado a São Francisco e o outro a Nª Sª da Saúde. Ambos são de pintura marmórea.

Numa arca, que mais poderíamos considerar ninho de ratos, existiam paramentos, tais como casula, estola e alva. Turíbulo de cobre, cálix, patena e castiçais foram outros objectos que lá encontrámos.

Em 1806 temos notícia da compra em 1806 de uma estola em damasco. Para ajudar à despesa, venderam-se umas galhetas de prata que estavam rotas. (25)

Um ano depois é a vez de adquirir uma alva e uma toalha de altar de linha. (26)

Na mesma arca encontrámos também um pendão de seda azul e branco com a imagem da padroeira bordada, sendo o rosto e as mãos pintados a óleo, uma toalha de filett com a data de 1900, cujos preparos custaram quatro mil e quinhentos réis (27) o trabalho foi oferecido por uma senhora madeirense da família Cunha e um missal de 1801, encadernado, dourado e em muito bom estado. Foi adquirido em 1805 e custou doze mil e oitocentos réis.

Um órgão que tinha sido doado por Pedro José Rodrigues Teixeira, desta vila, desapareceu em 1969.

Como já temos dito em outras circunstâncias, foi aqui que se recolheu o povo desalojado, quando da catastrófica cheia do Guadiana de 1876, por ser o ponto mais elevado da vila.

Na sacristia, na mesma altura, reunia a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia para discussão e resolução dos graves problemas que a inundação tinha acarretado, pois quase lhe destrói a igreja e casa do andador.

Depois de um largo período de completo abandono que a encaminhava para a ruína total, a Câmara deitou mãos à obra e numa primeira fase, realiza as obras de que estava mais carecida.

[Escadinhas da Conceição. Foto JV, 2010]


Com os muros restaurados e caiados, possibilidade de acesso fácil, paredes rebocadas e caiadas dão um aspecto airoso ao gracioso templo.

Não ficou por aqui a Câmara e avança com outras obras de restauro que orçaram em mais de vinte mil contos e que incidiram principalmente sobre o telhado, altar-mor e as imagens. A reabertura do templo foi assinalada com uma celebração eucarística, seguindo-se a procissão com a imagem de Nª Sª da Conceição. (28)

Os serviços religiosos estavam a cargo de um capelão, normalmente, pelo menos nos últimos anos, pelo ajudador ou coadjutor da freguesia. Requeriam à Câmara o exercício do lugar o que em geral lhes era deferido.

Por volta de 1880, o exercício dessas funções, celebração de missa todos os domingos e dias santos de guarda, rendia-lhes sessenta alqueires de trigo por ano ou o semelhante valor em dinheiro.

Indicaremos, para terminar, alguns dos capelães que exerceram a Capelania da Capella Real de Nª Sª da Conceição.